Opinión - Bloomberg

Por que a Porsche e a Volkswagen erraram a mão no timing de seu IPO

Ainda assim, pensando bem, uma oferta pública inicial da Porsche com problemas é melhor que nada

Inflação e crise energética na Europa tornam o ambiente hostil
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Depois de anos ignorando amplamente os apelos dos investidores para liberar valor, a Volkswagen finalmente deu o último passo na segunda-feira (5) em uma oferta pública inicial de sua muito lucrativa unidade de carros esportivos Porsche.

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Nossa, agora? É sério?

À primeira vista, lançar o que poderia ser um dos maiores IPOs da Europa durante um dos períodos mais sombrios para novas listagens parece imprudente. A inflação em alta, os aumentos das taxas de juros e a escassez de energia fazem deste um momento ruim para oferecer bilhões de euros em ações. A VW não tem necessidade urgente de levantar dinheiro, mas está seguindo como se não tivesse marcha ré.

Embora a VW ainda possa frear se estiver com dúvidas – afinal, o compromisso da diretoria com uma listagem até outubro está condicionado a “novos acontecimentos no mercado de capitais” – não parece que os manda-chuvas estão com vontade de recuar.

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As famílias Porsche e Piech, que controlam a maioria das ações com direito a voto da VW, têm um forte interesse em pisar no acelerador. E da perspectiva de investidores externos da VW, uma IPO morna é melhor do que não haver nenhuma listagem.

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A confiança da VW reflete em parte as atrações consideráveis da marca Porsche. Banqueiros – muitos dos quais provavelmente têm um Taycan na garagem – receberam uma pilha de pré-encomendas de instituições e escritórios familiares com valuation entre 60 bilhões e 85 bilhões de euros (US$ 84,8 bilhões), informou a Bloomberg no mês passado. O envolvimento de investidores de varejo, algo que a empresa está supostamente considerando, é uma ideia sensata para aumentar a emoção e a liquidez das ações.

IPO da Porsche seria uma das maiores listagens da Europa

O suposto valuation sugere que a estrutura e a governança problemáticas do negócio serão ignoradas na animação de conseguir uma parte de um negócio icônico e muito gerador de caixa.

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Um IPO só foi possível graças a um difícil acordo entre os poderosos grupos de interesse da VW: as famílias Porsche e Piech, os sindicatos e o estado da Baixa Saxônia (que possui 20% das ações com direito a voto da VW). Quem sabe quando os planetas vão se alinhar assim novamente?

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A holding das famílias Porsche e Piech tem direito exclusivo de compra de ações com direito a voto da Porsche, ao passo que pessoas de fora poderão adquirir somente ações sem direito a voto. A VW vai utilizar metade dos lucros como dividendo especial, ajudando as famílias a financiar seu investimento, enquanto reabastece os cofres da Baixa Saxônia. Enquanto isso, os trabalhadores alemães receberão um bônus de 2 mil euros pelo seu consentimento.

Mas se a VW desistir agora, pode não ter outra chance de fazer uma listagem por um tempo. É improvável que as condições do mercado de capitais sejam melhores no próximo ano, quando a Europa provavelmente estará atolada na recessão e lutando contra a crise energética. A listagem da Porsche dá à VW um segundo caminho para levantar capital, caso seja necessário em algum momento.

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Também não se deve esquecer que maximizar o valor do IPO da Porsche não é necessariamente a prioridade. As famílias Porsche e Piech se beneficiam de um valuation inicial mais baixo que torna a compra de ações mais econômica.

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De fato, esta transação não se trata de libertar a Porsche das garras da VW, mas de restaurar o controle familiar sobre um ativo muito amado.

Até 2008, as famílias Porsche e Piech detinham metade da Porsche (e 100% dos direitos de voto), mas desperdiçaram essa herança com uma tentativa quase desastrosa de adquirir a VW, que é muito maior. O desastre pós-crise financeira levou a VW a adquirir totalmente a Porsche por cerca de 8 bilhões de euros e deixou as famílias com uma participação econômica de 16% na VW (a holding da família Porsche possui cerca de 32% da VW, e metade da Porsche pertence a instituições).

Foi um negócio muito ruim do ponto de vista das famílias. O lucro da Porsche aumentou na última década à medida que os clientes ricos adquiriram seus veículos utilitários esportivos e aceitaram sua estratégia de eletrificação (o Taycan vende mais do que o 911). Enquanto isso, a cotação da Ferrari na bolsa de valores de 2015 mostrou que os investidores atribuiriam uma avaliação premium às marcas de carros de luxo com herança das competições de corrida.

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Embora as famílias Porsche e Piech não estejam exatamente na linha de pobreza, eles seriam muito mais ricos agora se tivessem se afastado da VW. Se há um grupo ao qual não se deve pedir conselhos sobre o timing de uma grande transação, são eles.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Chris Bryant é colunista da Bloomberg Opinion e cobre empresas industriais na Europa. Anteriormente, trabalhou para o Financial Times.

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