Bloomberg — Pode não ser o cenário-base de ninguém, no máximo uma possibilidade remota. Mas um número crescente de investidores e gestores começou a se posicionar para a chance de alguma turbulência nas eleições presidenciais de outubro no Brasil.
A preocupação, parcialmente alimentada pelos protestos e pela invasão do Capitólio nos Estados Unidos por eleitores do ex-presidente Donald Trump, em janeiro de 2021, é a de que o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores poderiam contestar o resultado das urnas caso ele seja derrotado por uma pequena diferença, levando a algum tipo de tensão social violenta.
A ideia circula há meses entre os brasileiros, particularmente o contingente social progressista que se opõe de maneira mais estridente ao atual presidente. Agora, passou a aparecer em mesas de operações da Faria Lima e escritórios de gestoras no Leblon, especialmente com as pesquisas apontando que Bolsonaro está reduzindo sua desvantagem em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sugerindo uma disputa mais acirrada do que o que o mercado esperava.
Luis Stuhlberger, uma lenda nos círculos de investimento no Brasil por causa dos ganhos acumulados de mais de 20.000% de seu fundo Verde ao longo de quase duas décadas e meia, pode ter sido o primeiro gestor proeminente a citar o risco publicamente. Stuhlberger chamou o cenário de um risco “banana republic” em um evento no mês passado.
“O problema agora é que a gente tem um risco que eu não sei precificar nos ativos brasileiros, que é o risco de o Lula ganhar por uma pequena diferença de margem do Bolsonaro”, disse Stuhlberger, em um painel em que falava a outros pares e investidores de varejo. Ele deu como exemplo um cenário de crise política que poderia durar duas ou três semanas após a eleição.
Assim como os investidores institucionais que falaram com a Bloomberg News -- pedindo o anonimato por se tratar de um assunto delicado --, Stuhlberger deixou claro em seus comentários que ele espera que a eleição ocorra de maneira ordenada, mas o gestor acrescentou que o risco contribui para que ele segure apostas em queda das taxas de juros futuros e do dólar.
Os apoiadores de Bolsonaro dizem que a ideia não faz sentido e sugerem que até mencionar o risco é um jeito de prejudicar o candidato que busca a reeleição. O governo não respondeu a pedido de comentário enviado para a secretaria de Comunicação da presidência.
Contudo os críticos dizem que o presidente alimentou muito desse receio após lançar dúvida sobre o sistema eletrônico de votação. Bolsonaro tem prometido que vai aceitar os resultados - “desde que a eleição seja limpa”.
Um termômetro para esse risco está batendo na porta: trata-se do feriado de 7 de setembro nesta quarta-feira, quando apoiadores do presidente planejam manifestações em diversas cidades. A data acabou ganhando uma nova proporção desde quando Bolsonaro assumiu o poder.
No ano passado, ele apareceu em uma manifestação na avenida Paulista, em São Paulo, e criticou o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que havia autorizado investigações contra Bolsonaro e aliados. Os comentários agressivos - e seus questionamentos a decisões do Judiciário - azedaram o humor com os ativos domésticos naqueles dias.
“Pode haver algum barulho após a eleição e as manifestações do dia 7 de setembro, que serão um bom teste para o quanto isso pode ser relevante para os mercados”, disse José Tovar, CEO da Truxt Investimentos, que administra cerca de R$ 18 bilhões em ativos.
Reinaldo Le Grazie, ex-diretor do Banco Central e agora sócio da gestora Panamby Capital, disse que seu fundo tem posições vendidas em bolsa brasileira em parte por preocupações sobre a inflação, mas também pelo risco de uma turbulência eleitoral.
“O Bolsonaro copiou o Trump em quase tudo, então por que o 6 de janeiro não pode se repetir aqui também?”, disse Le Grazie em entrevista. “Vai ser uma eleição tensa e os dois lados são bastante belicosos. Se a margem for pequena, o risco é ainda maior.”
A Safari Capital está protegendo seu portfólio em bolsa utilizando opções por causa de razões similares. Uma turbulência pós-eleição ‘não é nosso cenário-base, mas o risco existe’, disse o sócio-fundador Marcelo Cavalheiro.
Enquanto os investidores consultados concordam que uma crise política seria negativa para os ativos brasileiros, assim como para o país, eles estão divididos sobre o melhor candidato para o mercado. É esperado que Lula aumente o grau de influência do estado sobre a economia, mas sua imagem mais positiva no cenário internacional poderia ajudar a atrair mais recursos.
As principais pesquisas de opinião têm mostrado que Lula mantém uma liderança significativa sobre Bolsonaro, embora sua vantagem tenha encolhido desde o início do ano. As chances de Lula vencer a disputa no primeiro turno diminuíram e um segundo turno se tornou o desfecho mais provável, segundo os gestores. A mais recente pesquisa DataFolha mostrava Lula com 45% das intenções de voto no primeiro turno, enquanto Bolsonaro tinha 32%.
A Legacy Capital estará monitorando as manifestações de 7 de setembro como um teste para a popularidade de Bolsonaro. “Tem o risco de ser muito forte, o que seria positivo para Bolsonaro”, disse Gustavo Pessoa, sócio-fundador da gestora.
Mesmo se houver algum tipo de confusão após o pleito, ainda não é exatamente claro qual seria a reação do mercado. O índice S&P 500 subiu no dia 6 de janeiro do ano passado e nos dois dias seguintes após a invasão do Capitólio. A democracia brasileira, no entanto, é mais jovem e mais frágil, enquanto os mercados locais tendem a ser mais voláteis.
Apesar dos riscos, os estrangeiros têm aumentado suas apostas positivas com Brasil nas últimas semanas, despejando US$ 3,2 bilhões nas ações brasileiras na B3 em agosto. Fundos locais e não residentes reduziram posições compradas em dólar em cerca de US$ 1,3 bilhão cada no mesmo período, sinalizando o desejo de apostar em um desfecho positivo não importa o vencedor da disputa.
Ainda assim, isso não significa que investidores globais estão alheios ao risco de turbulência.
“Com Bolsonaro, não é apenas sobre questões econômicas, mas [sobre] questões pessoais - é o jeito como as pessoas reagem a ele”, disse Richard Hall, analista de dívida soberana da T. Rowe Price, que tem US$ 13 bilhões em ativos de renda fixa de economias emergentes sob gestão.
“Estou mais preocupado com o que vai vir depois da eleição neste momento.”
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