De whey protein à gasolina: por que o governo Bolsonaro está reduzindo tributos

Isenções fiscais foram um dos temas do debate entre candidatos à presidência; valor das renúncias chegou a R$ 39,6 bi no 1º semestre, segundo a Receita Federal

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Bloomberg Línea — Um dos temas da campanha eleitoral - que até ganhou destaque no debate presidencial transmitido na TV no último dia 28 de agosto - é a política de redução de impostos do governo do presidente Jair Bolsonaro, capitaneada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O governo tem promovido reduções de impostos de duas ordens: sobre produtos fabricados no país e sobre importados. Um dos últimos anúncios se deu há duas semanas, quando o presidente disse durante sua live semanal que iria zerar os impostos sobre suplementos alimentares e acessórios para motociclistas.

A confirmação veio por meio de publicações em redes sociais do chefe do Executivo, em que também disse que, desde 2020, impostos têm sido reduzidos e zerados “para combater os efeitos do fica em casa que a economia vê depois”, e também da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

As decisões de redução de impostos de importação - veja mais abaixo - estão inseridas em uma tendência global na pandemia, segundo revelou recentemente a Organização Mundial do Comércio (OMC) em relatório sobre a adoção ou retirada de entraves para importações e exportações pelos países.

No período de meados de outubro de 2021 a maio de 2022, alvo do estudo da OMC, medidas de facilitação do comércio exterior por meio de importações atingiram o total de US$ 603,2 bilhões, muito acima das medidas adotadas para restringir as importações, que chegaram a US$ 23,5 bilhões.

Foram 230 medidas para faciltar o comércio entre países, e 109 no sentido contrário, para restringir.

Relacionadas especificamente aos efeitos causados pela guerra na Ucrânia, foram 18 medidas para facilitar importações (totalizando US$ 38,3 bilhões), enquanto houve um número maior de medidas para restringir exportações: 32 ações nesse sentido (totalizando US$ 69,6 bilhões), segundo a entidade.

Na lista mais recente de isenções e reduções de impostos adotados pelo governo estão produtos como whey protein, creatina, BCAA (aminoácidos de cadeia ramificada), multivitamínicos e outros itens de nutrição esportiva, além de jaquetas infláveis e coletes - estes são itens que, segundo o presidente, custam em torno de R$ 4 mil para condutores de motos.

De janeiro pra cá, diferentes categorias passaram por uma revisão tributária, com o governo optando por zerar ou reduzir impostos incidentes sobre itens ou categorias, o que o ministério da Economia defende como melhor realocação de recursos e também uma tentativa de conter a inflação (veja mais abaixo).

A Receita Federal estima que, ao todo, o governo deixou de arrecadar R$ 39,630 bilhões nos seis primeiros meses de 2022 por causa das desonerações tributárias, valor maior do que no mesmo período do ano passado, quando ficou em R$ 31,753.

O cálculo não leva em conta, no entanto, o efeito de preservação ou até aumento da demanda em razão de preços que potencialmente deixaram de subir. Esse sempre foi um dos argumentos, por exemplo, de governos do PT quando decidiam reduzir tributos como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de bens de consumo em anos passados a fim de estimular a demanda.

Renúncias fiscais de R$ 45 bilhões

Os números de renúncia fiscal variam conforme a fonte. A pedido da Bloomberg Línea, o IFI (Instituto Fiscal Independente), ligado ao Senado Federal, estimou que o governo deve deixar de arrecadar pelo menos R$ 44,8 bilhões em 2022 por causa das desonerações tributárias.

O valor seria suficiente para cobrir a despesa prevista de R$ 41,25 bilhões com a expansão de valores de benefícios sociais aprovada pelo Congresso em julho. Os benefícios incluem o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, a expansão do vale-gás e a criação dos auxílios a caminhoneiros e taxistas. Esses recursos começaram a ser distribuídos em agosto e os pagamentos serão feitos até dezembro.

O Ministério da Economia, por sua vez, estima um impacto menor para as contas públicas neste ano, de R$ 30,8 bilhões.

Nos cálculos do IFI, o maior impacto nas contas públicas vem da redução das alíquotas de IPI em 35%, uma renúncia de R$ 20,9 bilhões entre abril e dezembro de 2022. Desse valor, R$ 8,5 bilhões são referentes a renúncias para o governo central. Os demais R$ 12,4 bilhões correspondem ao valor que os entes subnacionais, como estados e municípios, deixariam de receber.

Em segundo lugar, está a redução a zero das alíquotas de Cide e PIS/Cofins incidentes sobre gasolina e etanol, que representa uma renúncia de R$ 18 bilhões no período entre junho e dezembro deste ano, de acordo como o IFI.

Já a isenção de PIS/Cofins sobre diesel, biodiesel e gás de cozinha - que foi adotada no primeiro trimestre - terá um custo de R$ 17,6 bilhões entre março e dezembro de 2022.

Por último, a redução das alíquotas do Imposto de Importação levam a uma renúncia de R$ 700 milhões.

“Considerando que parte do crescimento da arrecadação em 2021 e 2022 pode ser atribuída a fatores transitórios, como os preços de commodities mais elevados e a inflação, os impactos das renúncias para a dinâmica das receitas do governo deveriam ser mais bem avaliados”, afirma o IFI em nota.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual PLOA de 2023, enviado ao Congresso nesta semana, prevê a continuidade da desoneração dos tributos federais sobre os combustíveis.

O IFI também afirma que a perspectiva de preços de commodities mais baixos em 2023 deve influenciar os recolhimentos de impostos sobre a renda e de exploração de recursos naturais, receitas que, como já mencionado, apresentaram forte crescimento em 2021 e 2022.

O que diz o governo

À Bloomberg Línea, o Ministério da Economia afirmou que a redução da carga tributária busca eliminar redundâncias e ineficiências na economia e também reduzir os custos e melhorar o ambiente de negócios no país.

“Ao simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro, haverá efeitos positivos na produtividade e no crescimento econômico. Esse maior crescimento permitirá ao país realizar um menor esforço fiscal para estabilizar a relação dívida/PIB, por exemplo. Dessa forma, um sistema tributário bem desenhado está, em geral, ligado à criação de novas empresas e formalização da economia e, portanto, a maior crescimento econômico nos médio e longo prazos”, disse o ministério, em nota.

De carne à jet-ski

Em abril deste ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial de inflação do país, atingiu o pico de 12,13% no acumulado em 12 meses - a maior taxa em um ano desde outubro de 2003 -, de acordo com números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na época, as categorias de produtos e serviços que mais contribuíram para a alta do IPCA foram alimentos e bebidas, transportes, saúde e cuidados pessoais e artigos de residência.

Na tentativa de conter a inflação, no mês seguinte, em maio, o Ministério da Economia, por meio do Comitê Executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), decidiu zerar a alíquota do imposto de importação de sete categorias de produtos alimentícios.

Entre os itens alimentícios zerados estão: carnes congeladas desossadas de bovino, pedaços de miudezas comestíveis congeladas de galos e galinhas, farinha de trigo, misturas de trigo com centeio e outros trigos (exceto para semeadura), bolachas e biscoitos, adicionados de edulcorante, produtos de padaria, pastelaria, indústria de biscoitos e milho em grão (exceto para semeadura).

Na mesma ocasião também foi anunciada a redução ou isenção do imposto sobre outros produtos importados, como o ácido sulfúrico, usado na cadeia de fertilizantes, e o mancozebe, um tipo de fungicida, que teve o imposto reduzido de 12,6% para 4%. O mercado global de fertilizantes passa por uma crise desde o começo da Guerra da Rússia contra a Ucrânia, dado que este país é um grande produtor.

Outras reduções também englobam dois tipos de vergalhão de aço, que tinham imposto de importação de 10,8% e que agora ficam em 4%.

Logo após o anúncio em maio, o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, disse que as medidas “não revertem a inflação, mas empresários pensam duas vezes antes de aumentar preços”.

Também no mesmo mês veio o anúncio de uma redução de 10% nas alíquotas do Imposto de Importação (IPI). Com a mudança, o Ministério da Economia estimou que o impacto em termos de renúncia tarifária nesses casos chegaria a R$ 3,7 bilhões.

Antes, em março deste ano, o governo federal havia sancionado a Lei Complementar 192/22, que prevê a incidência por uma única vez do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, sobre combustíveis, com base em alíquota fixa por volume comercializado.

Além das mudanças no tributo estadual, lei complementar também alterou os tributos federais PIS/Pasep e Cofins, prevendo a isenção sobre combustíveis até o final de 2022.

No mesmo mês, Bolsonaro também zerou as alíquotas de imposto de importação sobre jet-skis, balões e dirigíveis, que antes possuíam 18% de imposto de importação, junto com outros 30 produtos para o setor aeronáutico, como máquinas de corte e aparelhos de telefone.

Peso sobre a inflação

Na divulgação mensal mais recente do IPCA, referente ao mês de julho, o índice registrou queda de -0,68% ante alta de 0,67% em junho - a menor taxa registrada desde o início da série histórica, em janeiro de 1980. No ano, o IPCA acumula alta de 4,77% e, nos últimos 12 meses, de 10,07%.

Para Tatiana Nogueira, economista da XP, em relatório, a impressão do mês de julho foi bastante influenciada pelo impacto das medidas de redução de impostos. “Fomos surpreendidos por uma deflação de gasolina acima do projetado, resultado de repasse mais rápido e intenso que estimado.”

No período, a maior variação observada veio do grupo dos transportes, com queda de 4,51%, que, segundo o IBGE, deve-se, principalmente, à redução no preço dos combustíveis.

Nogueira afirma que, no entanto, a maior deflação da gasolina não altera a visão prospectiva, uma vez que a inflação continua emitindo os mesmos sinais, como pressão nos preços de serviços e alguma descompressão em industriais.

À Bloomberg Línea, o economista-chefe do Banco Fator, Jose Francisco Lima, disse que uma redução de impostos que incidem sobre determinados bens e serviços tem um efeito de um choque de custos. E, no caso do IPCA, o choque foi para baixo. No entanto, não se trata de uma mudança permanente.

“Você consegue fazer uma redução nos preços do varejo mudando os custos ou a tributação. O ponto é que essa queda não é permanente. Se os impostos voltarem ao que eram, os preços também vão voltar ao que eram antes. Ou seja, isso não é a interrupção de um processo contínuo de alta generalizada”, explicou.

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