Café com mercado: Brasil descolado, rumo do dólar e juro alto por mais tempo

Débora Nogueira, da Tenax Capital, Fabio Kanczuk, da Asa Investments, e João Manoel Pinho de Mello, do Opportunity, falaram sobre os temas mais quentes para investidores

Sede do Banco Central em Brasília: cenário de corte de juros em 2023 pode não se concretizar, alertam analistas
Por Josue Leonel - Felipe Saturnino e Barbara Nascimento
05 de Setembro, 2022 | 05:00 PM

Bloomberg — Os ativos brasileiros parecem blindados. Mesmo a poucas semanas da eleição presidencial e sob a estratégia hawkish do Federal Reserve, o Ibovespa acumula ganhos e os juros futuros afundam, descolados da turbulência externa.

Enquanto os países desenvolvidos ainda lutam para controlar a alta dos preços, aqui o Banco Central já deixou claro que está no fim de um forte ciclo de aperto monetário, enquanto a inflação, ajudada por medidas do governo, começa a ceder.

“O Brasil está numa história diferente, de fatos positivos. Agora que o Banco Central parou de subir os juros e a inflação está indo para baixo, festa total, vamos aplicar pré e comprar bolsa”, disse Fabio Kanczuk, chefe da área de macroeconomia da Asa Investments e ex-diretor de política econômica do Banco Central, ao descrever o movimento de investidores dos últimos dias.

“Janela boa de inflação é boa para ativos”, afirmou Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital.

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O desafio do Banco Central, entretanto, não chegou ao fim. A pressão sobre serviços, com o aquecimento da economia passado o pior da pandemia, deve manter a Selic elevada por mais tempo, disseram os analistas.

O sangue frio no período pré-eleitoral também vem da avaliação de que, quem quer que seja o presidente em 2023, haverá pragmatismo para lidar com as contas públicas e evitar um cenário de crise fiscal.

Se um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva tende a significar mais gastos públicos, pode também provocar a entrada de mais dólares dos investidores estrangeiros que miram a pauta ambiental, em uma ajuda ao câmbio, disse Débora Nogueira.

Já os investidores locais demonstram preferência por Jair Bolsonaro, e o estreitamento da diferença entre os dois líderes nas pesquisas também vem ajudando os ativos domésticos, afirmou Kanczuk.

Essa foi a visão dos participantes da nova edição do Café com Mercado, que voltou a acontecer presencialmente na Bloomberg News em São Paulo, em que gestores, estrategistas e economistas conversam em um café da manhã sobre os principais temas do momento.

Nesta edição participaram:

  • Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital
  • Fabio Kanczuk, chefe da área de macroeconomia do Asa Investments e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central
  • João Manoel Pinho de Mello, sócio do Opportunity e ex-diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central

Descolamento

O Ibovespa subiu mais de 6% em agosto, contra um recuo de 4% do S&P 500, enquanto os juros futuros locais de três anos cederam cerca de 70 pontos base, na contramão da disparada de mesma magnitude das taxas americanas com vencimentos similares. Combinado com uma atividade forte, você tem “dias festivos” na Faria Lima, disse Kanczuk, ex-diretor do BC.

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“É euforia típica de curto prazo”, afirmou ele, ao apontar preocupações fiscais à frente. O fundo multimercado macro da Asa não possui atualmente posições relevantes no mercado doméstico.

Débora Nogueira, da Tenax, disse ver a janela de inflação mais favorável com impacto positivo principalmente nos papéis de consumo cíclico na bolsa, além das taxas futuras. “A inflação limita a abertura da curva brasileira, apesar da alta dos juros lá fora.”

Na gestora, a estratégia multimercado macro, que no exterior está posicionada no aumento dos juros, enxerga a bolsa brasileira como barata independentemente de quem vencer as eleições.

No Opportunity, as apostas em renda variável são em empresas de valor com foco no longo prazo. “Temos boas empresas com boa governança na carteira, de olho em um horizonte maior”, afirmou Pinho de Mello. Segundo ele, a eleição “não é terrivelmente relevante” no curto prazo.

Lula x Bolsonaro

O fato de a moeda brasileira acumular neste ano um dos melhores desempenhos entre as divisas emergentes, a um mês do primeiro turno e apesar da alta dos juros no exterior, reflete uma relativa tranquilidade dos investidores sobre as eleições.

Para Nogueira, da Tenax, o dólar pode ficar mais baixo em um eventual governo Lula, já que o país tenderia a voltar para o radar do investidor estrangeiro e a atrair mais capital de fora. Ao mesmo tempo, o Banco Central poderá ter que praticar juros mais elevados no caso de um governo petista, diante de potenciais gastos sociais maiores.

“O gringo tende a preferir Lula, enquanto o doméstico prefere Bolsonaro”, afirma Kanczuk. Segundo ele, as pautas ESG e da Amazônia de um eventual governo petista agradariam o investidor internacional, enquanto o atual presidente teria mais apoio no setor privado local pela política de redução do estado.

Aperto prolongado

As apostas no mercado em um início do corte da taxa de juros ainda no primeiro trimestre de 2023 podem estar subestimando o desafio para o Banco Central levar a inflação de volta à meta diante de uma atividade aquecida e da alta dos preços de serviços. Os analistas consideram a atual queda da inflação como temporária, motivada por cortes de impostos e pelos preços de combustíveis.

A inflação deve cair para 6% neste ano, mas a tarefa de atingir a meta de 2023, de apenas 3,25%, é a “mais ambiciosa que o BC já teve”, afirmou a economista-chefe da Tenax Capital, para quem a taxa de juros deverá ser mantida em seu pico até meados do próximo ano.

O PIB do segundo trimestre acima das estimativas mostra que o forte aperto monetário do BC ainda não afetou a atividade. “Já vimos como é difícil desinflacionar serviços”, sobretudo diante da entrada em vigor dos novos estímulos representados pelo programa social turbinado do governo e pela desoneração tributária, disse Nogueira.

“A economia não está caindo”, afirma Kanczuk.

No fiscal, noites insones

A situação fiscal deve se deteriorar em 2023, em meio ao aumento do valor do Auxílio Brasil e das desonerações fiscais, mas Lula ou Bolsonaro têm pragmatismo para controlar as contas, avaliam. Eles divergem, contudo, sobre o tamanho do problema.

“O desafio fiscal do ano que vem tem me tirado o sono”, disse Kanczuk, ao estimar um déficit de 1,5% do PIB, contra a necessidade de superávit de 2,5% para estabilizar a dívida. “Não chego a ter insônia, mas tomo melatonina”, afirmou Débora Nogueira. Já Pinho de Mello se ancora no avanço institucional dos últimos anos, inclinado ao controle fiscal, para manter o sono.

“Há pouco dissenso sobre a necessidade de uma âncora fiscal”, disse Pinho de Mello. Para Nogueira, já é esperado um waiver para gastar mais cerca de R$ 100 bilhões em 2023, em qualquer cenário.

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