Triângulo do lítio pode levar a América do Sul ao centro da economia global

Chile, Argentina e Bolívia são candidatos a grandes fornecedores da revolução da mobilidade com avanço de carros elétricos, e como o Brasil pode pegar carona

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Bloomberg Línea — A revolução dos carros elétricos, que devem dominar a mobilidade urbana em um futuro não tão distante, e a ampla transição energética pela qual o mundo está passando, deu origem a um boom de uma matéria-prima que até dez anos atrás era insignificante para o mundo: o lítio.

A América Latina poderia desempenhar um papel de liderança nesse movimento: estima-se que mais de 60% dos recursos potenciais para a indústria de automóveis elétricos estão localizados no triângulo formado pelas salinas da Argentina, Bolívia e Chile, com base em dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).

A exploração do chamado “triângulo de lítio”, no entanto, mostra um progresso muito desigual: no território chileno existe uma indústria já consolidada, embora com desafios pela frente; na Argentina há um progresso incipiente, com algum caminho a percorrer; enquanto na Bolívia praticamente não há produção, apesar do enorme potencial em termos de recursos.

Analistas consultados pela Bloomberg Línea culpam o marco regulatório fornecido pelo governo boliviano pelo fato, embora alguns reconheçam que existem condições técnicas que dificultam a extração.

Mas, mesmo entre os críticos, há aqueles que destacam as enormes possibilidades do país andino, a ponto de considerar que a Bolívia poderia se tornar a Arábia Saudita do lítio no futuro.

Por sua vez, o Brasil está começando a emergir como fornecedor global de lítio, embora em escala muito menor do que os principais atores da região. O México também tem esperança de que o mineral gere riqueza, embora alguns analistas acreditem que a decisão do presidente Andrés Manuel López Obrador de anunciar a nacionalização do recurso possa prejudicar um mercado que ainda nem começou a caminhar.

Outros países nos quais existe a possibilidade de desenvolver reservas deste mineral são Paraguai, Peru e Guatemala, embora ainda não exista um desenvolvimento nesse sentido.

As perspectivas são mais do que promissoras. Um relatório da Comissão Chilena do Cobre (Cochilco), que responde ao Ministério de Minas, projeta que a demanda de lítio aumente de 327 quilotoneladas (kt) de carbonato de lítio em 2020 para 2.114 kt de carbonato de lítio em 2030 – um crescimento anual composto de 21%.

Este aumento é sustentado pelo maior consumo esperado de baterias de íons de lítio pelo setor automotivo. Além disso, a Cochilco prevê que o segmento de veículos elétricos crescerá de 41% do consumo agregado de lítio em 2020 para 73% em 2030.

Produção atual e preço do lítio

O USGS descreve que há atualmente quatro operações de mineração na Austrália, duas operações de salmoura na Argentina e no Chile, e duas operações de salmoura e uma mina na China. Estes são responsáveis pela maior parte da produção global de lítio.

Além disso, há operações menores no Brasil, China, Portugal, Estados Unidos e Zimbábue.

O preço do lítio ganhou forte impulso desde meados da última década e voltou a subir novamente no último ano e meio, afetando o aumento dos preços.

Segundo dados publicados pela Bloomberg, uma tonelada de carbonato de lítio sai por US$ 70.482,95 em 5 de agosto, contra US$ 7.120.

Francisco Acuña, consultor sênior da empresa de mineração CRU Consulting, com sede no Reino Unido, explicou que o lítio, como todas as commodities, passa por ciclos de preços. O mineral teve uma subida vertiginosa em 2016 e 2017, e então estagnou devido ao surgimento de novos projetos que geraram maior oferta, mas atualmente voltou a níveis recordes.

“A partir de 2016 e 2017, havia um mercado global de 200 mil a 240 mil toneladas de carbonato de lítio. Isso em todo o mundo. Em 2022 projetamos que a demanda anual de carbonato de lítio chegará a 678 mil toneladas”, destacou o especialista. Assim, “os países que não aproveitarem as oportunidades agora terão que esperar pelo próximo ciclo para atrair oportunidades”, explicou Acuña.

Triângulo do lítio

Os especialistas consultados pela Bloomberg Línea concordaram que o lítio é um material abundante no mundo. “É possível encontrar vestígios de lítio em quase qualquer lugar. A questão é onde você encontra depósitos econômica e tecnicamente viáveis de explorar”, explica Acuña.

A área chave na América do Sul é o chamado triângulo do lítio, que compreende as áreas do nordeste da Argentina, sul da Bolívia e nordeste do Chile.

Assim como determinado pelo USGS, um estudo realizado pelo Ministério de Minas da Argentina constatou que essa área compreende 64% dos recursos de lítio do mundo. Além disso, indica que ela representou 29,5% da produção global durante 2020.

Com relação ao conceito de “recursos”, deve-se observar que isso implica exclusivamente lítio potencialmente explorável na área.

Por exemplo, de acordo com dados do USGS, a Bolívia é o país com os maiores recursos de lítio identificados no mundo (21 milhões de toneladas), seguido pela Argentina (19 milhões de toneladas), Chile (9,8 milhões).

Mas mesmo assim, quando se fala em reservas de lítio, a Bolívia ainda não aparece no mapa devido à falta de progresso na exploração. Além disso, o relatório da Cochilco acrescenta que os recursos bolivianos têm uma concentração relativamente alta de magnésio, um elemento que torna o processamento difícil e caro.

Mas qual é a diferença entre reservas e recursos? Por definição, as reservas são uma parte dos recursos de lítio existentes que são conhecidos com um alto grau de certeza e que se provou serem economicamente viáveis de explorar.

A riqueza do triângulo sul-americano está em suas enormes salinas, que concentram a maior parte dos depósitos de salmoura nos reservatórios dos aquíferos. De acordo com a Cochilco, 60% dos recursos de lítio potencialmente exportáveis reconhecidos são provenientes de salmouras.

Mas em termos de produção mundial, o lítio das salmouras representou apenas 48% do total em 2000, ao passo que o lítio proveniente de pegmatitas representou 52%. Isso explica porque a Austrália, especialista neste último, ultrapassou o Chile como o maior produtor mundial, mesmo que o país sul-americano conte com as maiores reservas.

Chile, o pioneiro

“Há dez anos, quando ninguém se importava com o lítio, o Chile era o maior produtor mundial, em um mercado relativamente pequeno, para determinadas aplicações industriais”, disse Francisco Acuña à Bloomberg Línea. Ele acrescentou: “o Chile tem uma anomalia, que é o Salar de Atacama (devido à sua riqueza geológica e clima): o lítio pode ser produzido lá a um custo muito baixo e o país faz isso há décadas”.

O Salar de Atacama tem as maiores reservas porque suas salmouras são altamente concentradas, o que lhe confere uma grande vantagem competitiva sobre outros lugares do mundo, e tem baixos custos de processamento devido à sua boa distribuição de íons. O local também tem excelentes taxas de evaporação, permitindo que sua operação durante todo o ano.

Acuña explicou que ele espera que o Chile contribua com 26% da produção mundial de carbonato de lítio e continue sendo o segundo maior produtor em 2022, atrás da Austrália.

Atualmente, os projetos no Chile estão no Salar de Atacama (onde operam a gigante de mineração chilena SQM (SQM) e a gigante de mineração americana Albemarle (ALB)). E a extração deverá começar em breve na planície de sal de Maricunga, com Minera Salar Blanco e SIMCO.

Francisco Acuña destacou que a vantagem do Chile de ter começado a extrair lítio quando ninguém o fazia também tem uma desvantagem: o marco regulatório. Ele explica: “no Chile, devido a uma lei bastante antiga, o lítio é considerado estratégico, portanto, não é concessionável dentro de uma concessão mineira. Nos anos 70, quando esta legislação foi estabelecida, acreditava-se que o lítio podia ser usado para questões como reatores nucleares e exigia uma licença especial que caiu em mãos perigosas”.

Argentina e sua conjuntura

A Argentina é um dos países com maior potencial do mundo na área e, embora tenha iniciado a corrida muito depois do Chile, vem crescendo desde 2016 e é atualmente o quarto maior produtor do mundo. . Tanto que a CRU Consulting espera que a Argentina encerre 2022 produzindo 7% do carbonato de lítio do mundo.

“Se tomarmos apenas a produção comprometida (o que está sendo mais produzido nos projetos em produção) até 2026, a Argentina poderia ter 17% da produção de carbonato de lítio, quase alcançando o Chile, que teria 20%”.

Entretanto, se todos os projetos que estão em uma etapa possível ou especulativa entrassem em produção (o que é altamente improvável de qualquer forma), a Argentina poderia produzir 384 mil toneladas de carbonato de lítio até 2026, em comparação com 330 mil toneladas do Chile e 20 mil toneladas do Brasil, explicou Acuña.

Embora este seja um caso hipotético, os números mostram claramente o potencial de crescimento da Argentina. O país viu um aumento de 72,2% na produção de lítio entre 2015 e 2020, enquanto o Chile teve aumento de 71,4%, de acordo com dados do governo argentino.

A executiva americana Emily Hersh, CEO da Luna Lithium, tem uma visão mista do que está acontecendo na Argentina. Ela acredita que o país tem uma riqueza geológica fenomenal, pois, “mesmo que não tenha as principais reservas do mundo, como o Chile, que conta com o Atacama, o país tem muitas que estão entre as melhores”. No entanto, ela ressaltou que a estrutura empresarial da Argentina traz diferentes desafios.

Mesmo assim, de acordo com o site especializado em energia EconoJournal, existem cerca de 50 projetos de lítio na Argentina em diferentes fases de exploração, alguns apenas iniciando as primeiras obras e outros em exploração avançada. Mas há oito projetos que estão avançando para entrar na fase de produção e se unirão a Sales de Jujuy e a Fénix, operada em Catamarca pela empresa americana Livent (LTHM), os dois únicos projetos de mineração que atualmente produzem lítio no país.

Brasil e México

As duas maiores economias da região estão passando por circunstâncias muito diferentes com relação ao lítio. Embora as estimativas do USGS mostrem o México com 1,7 milhão de toneladas de recursos potenciais e o Brasil com 470 mil toneladas, na prática este já explora o mineral, ao passo que o México não.

Em 2020 o Brasil produziu 2,3% do lítio do mundo, de acordo com os números do USGS. Acuña prevê que o Brasil poderá duplicar sua produção até 2026.

No México, por outro lado, o lítio ainda não está sendo produzido, e entre os analistas consultados, o fato de que o presidente Andrés Manuel López Obrador promoveu a nacionalização deste mineral, quando o país ainda não produziu uma grama dele, já está repercutindo.

“O México tem recursos importantes, mas ainda não produziu nada, além do fato de haver empresas canadenses e chinesas explorando em Sonora”, explicou Pablo Rutigliano, presidente da Câmara Latino-Americana de Lítio.

Rutigliano criticou a decisão do presidente mexicano e assinalou que o país corre o risco de seguir o caminho da Bolívia, onde o lítio é “estatal”.

Quanto às reservas do Brasil, um relatório da BNaméricas explica que a CBL é a única empresa em território brasileiro que produz carbonato e hidróxido de lítio e é pioneira na exploração subterrânea do espodumeno, uma importante fonte de hidróxido de lítio. A empresa foi fundada em 1986 e possui reservas certificadas de mais de 1,3 milhão de toneladas deste mineral.

Bolívia: gigante adormecido?

O ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Franklin Molina, garantiu em maio que o país começará finalmente a produzir lítio em escala industrial. Em entrevista ao diário boliviano La Razón, ele disse que o país tem uma fábrica piloto de carbono de lítio e uma planta industrial de cloreto de potássio, e que a Yacimientos de Litio de Bolivia também está trabalhando em materiais catódicos e baterias de lítio, utilizando a os produtos dessa unidade.

O especialista boliviano Álvaro Ríos, ex-ministro de hidrocarbonetos entre 2003 e 2004, disse que a Bolívia poderia se tornar a “Arábia Saudita do lítio” por causa da enorme quantidade de recursos que possui em suas salinas. “Temos os recursos, mas nos falta o investimento para desenvolver um esquema comercial para transformar esses recursos em reservas”, explicou ele.

Entretanto, diz ele, o processo ainda não começou devido à decisão do governo de que “tudo passa pelo Estado” e porque “o Estado empresário não funciona”.

Ele também destaca que outro problema é a falta de acordo social com as comunidades que vivem na área onde se encontra o lítio, principalmente com o povo de Potosí, onde está localizado o Salar de Uyuni.

Indústria e extração

Quando perguntados se o lítio poderia permitir o desenvolvimento de uma indústria em países como Argentina, Chile, Brasil e, se fosse desenvolvido, Bolívia ou México, especialistas explicaram à Bloomberg Línea que existe uma dificuldade, ou seja, ter o lítio como um recurso natural não dá vantagens competitivas para produzir quaisquer produtos derivados, tais como material catódico, células de bateria ou outros derivados.

“É necessário deixar de lado a política romântica e entender que o lítio é um elemento abundante no mundo, que há ciclos e que há momentos para investir ou não. Há muito o que aprender em relação à sua riqueza. É necessário atrair capital para que haja projetos no futuro”, resumiu Francisco Acuña.

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