Sob Tanure, Alliar mira novos negócios e M&A para consolidar setor, conta CEO

Pedro Thompson revela em entrevista à Bloomberg Línea os planos para reduzir a dependência de operadoras e ampliar o peso de análises clínicas nas receitas

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São Paulo — O setor de saúde é um dos mais aquecidos da economia brasileira. Players capitalizados estão promovendo um movimento de consolidação em diferentes segmentos, em alguns casos mirando o conceito de ecossistema de serviços, em busca de ganhos de escala, de sinergias e de abrangência geográfica. Empresas tradicionais podem ser alvo ou partir para o ataque. A segunda opção foi a escolha estratégica tomada pelo Grupo Alliar (AALR3) depois de quase ser adquirido de forma hostil pela Rede D’Or (RDOR3).

Dono do CDB, rede de laboratórios de São Paulo responsável por 40% do seu faturamento, o Grupo Alliar é controlado pelo empresário Nelson Tanure desde abril deste ano, depois de aquisição de participações acionárias de forma gradual desde meados do ano passado.

Isso incluiu a fatia que era do Pátria Investimentos em 2021 e, mais recentemente, de parte das ações em poder do então bloco de controle formado por médicos fundadores da companhia. Tanure tem hoje 63,3% do capital e é o presidente do conselho de administração.

A ascensão de Tanure deu início a um novo posicionamento da Alliar, cujo plano estratégico em elaboração para os próximos cinco anos tem a ambição de alçá-lo ao posto de maior player de saúde suplementar do Brasil, uma condição ainda distante. Para isso, os planos são ampliar seu portfólio, fazer aquisições em um mercado ainda fragmentado e apostar em novas áreas, como medicina do esporte e genômica.

É o que revela Pedro Thompson, que assumiu como CEO da Alliar há menos de dois meses. O grupo pretende também reforçar sua presença no segmento de análises clínicas, que hoje representa cerca de 15% das receitas, disse em entrevista à Bloomberg Línea, a sua primeira no cargo.

“Dá para crescer muito mais e buscar receita fora do mundo das operadoras”, disse o executivo, que liderava o Hurb (ex-Hotel Urbano) desde 2021, depois de ter sido CEO da Exame indicado pelo BTG Pactual (BPAC11), do qual era sócio, e comandado a Estácio, atual Yduqs (YDUQ3), na década passada.

O novo CEO também aposta no potencial de crescimento do mercado de vacinas e do iDR, a healthtech para a realização de exames de maneira remota, com prestação de serviços inclusive para empresas de fora do grupo.

Um dos alvos mais cobiçados no ano passado, com interesse de aquisição formalizado pela Rede D’Or e pelo Grupo Fleury (FLRY3), a Alliar era vista por outros players como um caminho para avançar ou consolidar o segmento de diagnóstico por imagem, cujos exames mais complexos, como ressonância magnética e tomografia, são mais caros que exames clínicos rotineiros. Tanure acabou apresentando a proposta que melhor convenceu o grupo de médicos fundadores.

“Exatamente um ano atrás, quando nós aumentamos substancialmente nossa posição na companhia, eu disse que a Alliar poderia se tornar a primeira empresa de medicina diagnóstica do país. Hoje, eu tenho convicção de que podemos ser a maior companhia de saúde do Brasil”, disse Tanure em evento no último dia 19 de agosto, que teve a presença de sua filha médica, Isabella Tanure, vice-presidente do conselho da Alliar.

Nas últimas semanas, Thompson tem se dedicado também a montar a sua equipe. Uma das principais contratações, que criou alvoroço no mercado, foi a de Gustavo Campana, que assumiu como diretor médico de análises clínicas após ter atuado por cinco anos como diretor médico da Dasa (DASA3), maior grupo em medicina diagnóstica e de análises clínicas do país e de uma rede integrada.

Campana terá a missão de apontar novas avenidas de crescimento para a companhia. “Ele veio com a cabeça de desenvolvimento de negócios, de novos produtos”, contou Thompson.

Concorrência crescente

Analistas de mercado avaliam a medicina diagnóstica como área promissora, mas com risco de redução de margem com a disputa mais acirrada entre os players. Como desafio, os laboratórios precisam otimizar sua estrutura de custos e investir em novas tecnologias, a fim de agregar valor aos serviços oferecidos e se manterem competitivas, uma vez que os repasses de preço no segmento são comumente abaixo da inflação, citou a agência de rating Fitch em relatório do dia 19 de agosto.

“O envelhecimento populacional e o potencial de crescimento da medicina preventiva devem manter elevada a demanda por exames de diagnósticos no longo prazo. Os movimentos de consolidação e o maior grau de integração vertical de alguns participantes têm intensificado a competição no setor, o que deve aumentar as pressões na rentabilidade das companhias a médio prazo”, apontou a Fitch.

Em abril, mês em que Tanure assumiu o controle do grupo, a Fitch colocou o rating da Alliar em observação negativa, citando o elevado risco de refinanciamento no curto prazo. “A companhia possui montante relevante de dívida vencendo nos próximos 12 meses e tem o desafio de refinanciá-lo em um cenário de elevada volatilidade no mercado. A troca de controle pode minimizar o desequilíbrio financeiro da Alliar, dependendo das decisões estratégicas do novo controlador”, disse a agência.

No fim de 2021, a Alliar contava com 100 unidades distribuídas por 10 estados, com forte presença nos competitivos mercados de São Paulo e Minas Gerais, descreveu a agência.

“A mediana escala de negócios frente aos principais pares da indústria, a concentração de receitas em apenas um segmento e a moderada diversificação geográfica limitam sua classificação”, apontou a Fitch.

É um diagnóstico que dialoga com um dos objetivos citados que fazem parte do planejamento estratégico que está sendo elaborado, de justamente desenvolver novas áreas de negócios.

Confira os principais trechos da entrevista com o novo CEO da Alliar:

O setor de saúde passa por um movimento de consolidação. Há ainda oportunidades no mercado?

Sem dúvida. Quando se olha qualquer tese grande do setor de saúde, todas invariavelmente passaram por crescimento inorgânico. O M&A sempre foi uma constante e continua presente. A evolução agora é ver os grandes grupos migrando de uma tese de M&A para uma complementação de ecossistema.

No nosso caso, é diferente. A Alliar sempre foi um hub de M&As. Ela nasce a partir de cinco marcas e hoje operamos 14 marcas. É muito forte na parte do diagnóstico, majoritariamente por imagem. Quase 85% do nosso faturamento vem de diagnóstico por imagem, e 15%, de análises clínicas.

Vejo oportunidade muito grande na diversificação de portfólio, principalmente análises clínicas, pois já temos os pontos, a capilaridade e as marcas engajadas. Também vejo alguma tese consolidadora. Não tem como hoje operar no meio de saúde, querer crescer e abrir mão de M&A.

O Grupo Fleury investiu em outros estados e regiões, como o Nordeste. A Alliar tem alguma região como principal foco para sua política de M&A?

Somos bem agnósticos em relação à questão de abrangência, de capilaridade geográfica. Olhamos mais o M&A pelo seu potencial mercadológico. Em São Paulo, na capital, na zona sul, estamos bem posicionados com o CDB. Aparecer M&A disruptivo nessa praça não vai ser algo simples. Você vai à avenida Brasil e deve encontrar de oito a dez marcas diferentes de medicina diagnóstica, inclusive duas unidades do CDB. São áreas absolutamente estáveis, onde não há muita oportunidade de M&A.

Por outro lado, estamos bem posicionados em alguns lugares fora do grande eixo Rio-São Paulo: o Som Medicina Diagnóstica em Belém do Pará, o Delfin em Salvador, o Axial em Belo Horizonte. Ainda tem muita oportunidade. O setor ainda é muito fragmentado, por incrível que pareça.

O setor de saúde tem sido impactado com índices elevados de sinistralidade e alta de custos. Quais são as perspectivas de curto e médio prazo para a medicina diagnóstica? Já existe uma normalização gradual do setor em termos de rentabilidade?

Não. Essa compressão de preços nas fontes pagadoras [operadoras de planos de saúde] é repassada indiretamente para todos os credenciados. Na Alliar, temos conseguido operar números robustos de receita, muito em razão da agilidade por parte da gestão.

Vemos boas oportunidades em novos negócios. Em relação a vacinas, já temos um coeficiente bem interessante em resultados. Em análises clínicas, que correspondem a mais ou menos 15% da nossa receita, dá para crescer muito mais e buscar receita fora do mundo das operadoras. Vemos um filão bem interessante a ser explorado. E, obviamente, a eficiência operacional como um todo.

No mundo das operadoras, a receita fica mais difícil. Temos que nos reinventar, seja com produtos novos, seja sendo assertivos em precificação e seja por eficiência.

Temos conseguido otimizar muito custo. Um grande exemplo: o iDr, por exemplo, me dá escala. Consigo através de uma sala no Campo Belo [bairro da zona sul da cidade de São Paulo] operar máquinas de forma remota e fazer exame, laudo, por exemplo, em Belém do Pará.

A telemedicina tem se mostrado uma avenida de crescimento relevante para o setor. Quais são os planos de transformação digital da Alliar?

No sentido amplo, a telemedicina - o uso da tecnologia - é uma realidade que veio para ficar. O iDr é uma grande telemedicina, um command center para a realização remota de exames de imagens em todo o Brasil, uma plataforma de tecnologia para operar exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética.

É o nosso diferencial em diagnóstico remoto. Já conseguimos prestar serviços do iDr para fora do grupo, para terceiros. A telemedicina em exame de imagem requer equipamentos da Siemens, da GE, da Philips.

Já análise clínica não tem jeito. Temos uma rede ampla de coleta domiciliar. Isso também é uma tendência de negócio que veio para ficar. Temos investido muito em coleta domiciliar.

O uso da tecnologia é uma constante em nosso setor. Atuamos onde tem ponto de dor. O canal de atendimento, por exemplo: nossa jornada está digitalizada, seja para a marcação de exames, seja para a interação com nosso corpo clínico, seja para receber laudos.

A companhia tem uma concentração de receitas no segmento de diagnóstico por imagem. Como a Alliar pretende diversificar suas fontes de receitas?

Vacina é uma área muito promissora. O próprio Gustavo Campana [ex-diretor médico da Dasa] veio com a cabeça de desenvolvimento de negócios, de novos produtos.

Também achamos genômica uma área interessante que ainda não operamos. E também a parte de reabilitação, de medicina do esporte. Já fazemos o diagnóstico por imagem, isso tem tudo a ver com a medicina de reabilitação, pois começa ali. Vemos essas duas áreas como promissoras, apesar de não operá-las, mas estamos olhando essas oportunidades com lupa e cuidado.

Em análises clínicas, temos de intensificar com mais engajamento com a comunidade médica, com serviços. Temos ainda potencial para crescer nesse segmento.

O Brasil está com juros altos, o que encarece o custo de capital. Como o cenário econômico impacta o setor e como a Alliar está fazendo para levantar dinheiro?

O cenário é totalmente desafiador com as questões dos juros, do câmbio, da inflação, há fatores exógenos como o ano eleitoral, mas a nossa indústria é muito geradora de caixa, independentemente das dificuldades. Com o aumento de sinistralidade, alguns players relevantes estão perdendo margem.

A demanda em nossa indústria é perene. Há uma oscilação de receita, mas não há uma recomposição ou destruição de receita de um ano para o outro. A operação por si só gera muito caixa. Nos momentos mais difíceis, indústrias como a nossa tendem a ter mais vantagem em uma leitura de crédito. No curto prazo, não temos nenhuma operação ou captação no radar.

Estamos ainda construindo o plano estratégico. Estou no cargo há 45 dias [na data da entrevista] apenas. Entrou muita gente nova na diretoria de um mês para cá. O time está desenvolvendo o planejamento estratégico para mais cinco anos. Parte do planejamento estratégico é desenvolver novos negócios, que estamos olhando com muito cuidado.

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