Não é só a inflação que deve preocupar os bancos

Aumento do custo de vida e a mudança na dinâmica no mercado de trabalho são sinais preocupantes para credores

Por

Bloomberg Opinion — Os mercados de trabalho podem não estar tão apertados quanto parecem com base nos dados de emprego. Esse é um problema para os bancos que tentam julgar os riscos de um aumento nos problemas de amortização por parte dos mutuários.

Tradicionalmente, o que mais importa para os bancos que oferecem empréstimos é o desemprego, pois pode levar a quedas desastrosas na renda dos devedores. Por isso é um dos primeiros indicadores nos testes de estresse dos bancos centrais: há grandes repercussões em tudo, desde os preços das casas até a demanda por imóveis comerciais.

Os pedidos de auxílio-desemprego iniciais nos Estados Unidos caíram novamente nos dados da semana passada, e a Bloomberg Economics prevê um forte crescimento no Payroll dos EUA para agosto, continuando uma trajetória que durou mais de 18 meses e trazendo o nível de emprego aos níveis pré-pandemia. Isso deveria ser uma ótima notícia para os credores.

Entretanto, há sinais de que o poder está voltando aos empregadores: isso significa maior dificuldade para mudar de emprego ou barganhar por salários mais altos enquanto a inflação corrói o poder de compra. Uma parte cada vez maior até mesmo da classe média está ficando sem dinheiro depois de pagar as despesas mensais.

Isto pode significar problemas para os credores mesmo sem um aumento no desemprego. A subsistência de muitas pessoas já poderia estar mais equilibrada do que sugerem as manchetes sobre emprego nos EUA.

Os bancos nos EUA e na Europa não viram sinais de problemas para os mutuários nos primeiros seis meses do ano, mas eles ainda enfrentaram um mistério. Credores como o Citigroup (C), o JPMorgan (JPM) e o Bank of America (BAC) relataram altos gastos com lazer no segundo trimestre, mas com um pano de fundo de sentimento de consumo muito ruim. Os resultados do mês passado mostraram que muitos clientes estão gastando livremente em entretenimento e jantares com o respaldo de suas economias e muita capacidade de empréstimo. Alastair Borthwick, diretor financeiro do Bank of America, foi um dos que apontou o aumento do desemprego como o fator mais importante que atingiria a renda e prejudicaria os mutuários. A forte demanda por mão-de-obra ajudou a manter os riscos de crédito baixos até agora.

A evidência da mudança da influência nos mercados de trabalho vem de uma série de pesquisas recentes que parecem mostrar uma inversão em muitas tendências da era da pandemia. Por exemplo, nos EUA, quase 60% dos entrevistados de uma pesquisa realizada para a Bloomberg News esta semana disseram que os empregadores agora têm mais alavancagem no mercado de trabalho, mais que os 53% em janeiro.

Parte da explicação pode ser os cortes de empregos que atingiram as empresas de tecnologia de alto crescimento ou aquelas que se beneficiaram diretamente das restrições na pandemia, como a Apple (AAPL), a Robinhood e a Peloton (PTON). Como resultado, houve um aumento nos “funcionários bumerangues” – pessoas que retornaram a seus empregos tradicionais após uma temporada em startups ou empresas de mídia social.

Pode parecer específico, mas há sinais mais amplos também. Metade das empresas dos EUA suspenderam as contratações, segundo uma pesquisa da PwC na semana passada. Além disso, o poder do empregador pode ser constatado em cortes em benefícios como a licença parental. A parcela de empresas que oferecem mais do que o mínimo legal para licença maternidade ou paternidade caiu para 35% este ano, comparado com 53% em 2020, de acordo com o Wall Street Journal.

Os bancos precisam ficar atentos a tudo isso devido ao efeito que o poder dos empregadores tem sobre a renda em um momento em que o custo das despesas básicas e da amortização de dívidas vem crescendo.

No entanto, a inflação, por si só, já poderia estar começando a corroer a renda dos mutuários sem que eles percam seus empregos. Os varejistas já estão reclamando que pessoas mais ricas da classe média estão se tornando mais conscientes dos custos e comprando menos em lojas de departamento como a Kohl’s. A Wells Fargo (WFC) afirmou em seus resultados do segundo trimestre que os gastos com roupas e reformas domésticas estavam caindo drasticamente. Ter bons dados sobre o uso de cartões de crédito ajuda os credores a ver em que os clientes estão gastando seu dinheiro e quando começam a pedir empréstimos para pagar as necessidades.

Os consumidores ainda podem reduzir gastos com lazer, mas quanto mais os custos mensais básicos de alimentos, combustível e eletricidade consumirem a renda, mais cedo os consumidores utilizarão cartões de crédito para passar o mês – e mais cedo os problemas com amortização começarão a surgir também, quer o desemprego aumente ou não.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Paul J. Davies é colunista da Bloomberg Opinion, cobrindo bancos e finanças. Trabalhou anteriormente para o Wall Street Journal e o Financial Times.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Por que o Credit Suisse passou a recomendar exposição menor a ações globais