Bloomberg Línea — Os valuations de startups ainda estão maiores do que há dois anos. Por enquanto.
As avaliações de startups americanas cresceram em quase todos os estágios de investimento no segundo trimestre de 2022 em relação ao mesmo período do ano passado, e ainda seguem bem maiores do que as de 2020.
Mas em comparação com o primeiro trimestre deste ano, as avaliações das startups caíram na maioria dos estágios. Os dados foram divulgados pelo CB Insights, empresa global de análise, na última quarta-feira (24).
“Sabíamos que esse ciclo chegaria, os múltiplos dos valuations dos últimos anos não eram sustentáveis. Nas bolsas, a correção acontece em tempo-real. No mercado privado, demora um pouco mais. É por isso que as empresas estão adiando captação, levantando dívida [venture debt], mas é questão de tempo até vermos essa correção nos mercados privados”, disse Eric Acher, cofundador e CEO da Monashees, em evento da LAVCA (associação para investimento em capital privado na América Latina) na quinta-feira (25).
Segundo Acher, a Monashees reduziu um pouco o investimento neste ciclo, mas “não muito”. “Se você parar de investir em um ciclo, você pode perder um vintage [uma boa safra de empresas que dão certo]”.
Carolina Strobel, sócia da Redpoint Eventures e da Antler, empresa de venture capital com sede em Singapura, opina que um dos porquês do valuation não ter abaixado tanto para early-stage na América Latina pode ter a ver com grandes empresas de investimento de growth indo para o early-stage.
No Brasil, ela afirma que o mercado está em “modo de espera” por contra da proximidade das eleições. “Mesmo que as avaliações ainda não foram afetadas nos estágios iniciais, esperamos ver essa correção no primeiro trimestre de 2023, assim que os fundos começarem a avaliar seu portfólio”, avaliou Strobel.
Informações da LAVCA confirmam que na América Latina houve uma desaceleração no investimento em startups para estágio avançado - mas para Seed e early-stage, o total investido ainda é superior ao primeiro semestre de 2021.
“Infelizmente 95% do capital de late-stage vêm de investidores globais. Isso cria um pouco de risco. Entre 2010 e 2015 tivemos uma escassez de capital e várias empresas faliram porque não tiveram acesso a dinheiro. Precisamos de mais investidores de growth locais”, disse Acher.
E a América Latina?
Carlos Ramos de la Vega, diretor de venture capital para a LAVCA, tem uma visão positiva. Segundo os dados da associação, 2022 já é o segundo maior ano na história para investimento em capital de risco na América Latina.
“Os investidores ainda têm convicção do que está acontecendo na região”, disse, durante apresentação dos dados de investimento para o primeiro semestre. Mesmo assim, o montante investido é 19% menor do que o primeiro semestre de 2021.
Neste cenário, os fundadores e investidores estão dobrando a aposta em venture debt, quando é possível obter financiamento sem diluir a empresa.
“O Brasil ainda é a maior parte da torta em termos de dólares investidos. Mas o México tem se destacado em logística e e-commerce”, disse Vega.
Já na Colômbia, os investimentos têm sido direcionados a proptechs e softwares empresarial. Segundo dados da LAVCA, o Uruguai superou o Peru em termos de dólares captados e a rodada no novo unicórnio Kushki foi todo o montante investido no Equador no primeiro semestre.
“Também temos empresas montando escritórios na região, players globais que estão chegando na América Latina e atraindo clientes”, lembrou Vega.
Fintech, enterprise software e e-commerce são os três principais setores de investimento na América Latina neste ano, segundo a LAVCA. “Mas com certeza vemos oportunidades para dobrar a aposta em healthtech e cleantech. Temos visto o crescimento de modelos focados em saúde mental”, afirmou Vega.
Por ora, ainda não houve uma grande quantidade de down rounds (novas rodadas com um valuation menor do que a rodada anterior) conhecidos, além da Klarna, que captou um investimento com a Sequoia a uma avaliação quase sete vezes menor: de US$ 45,6 bilhões para US$ 6,7 bilhões.
Nos Estados Unidos, foram 81 down rounds, segundo dados do Pitchbook até o começo de agosto.
No Brasil, a Zak, uma plataforma de gestão para restaurantes, que tinha captado uma Série A de US$ 15 milhões com a Tiger Global em novembro de 2021, recentemente levantou de novo com a Tiger. Mas agora em um down round, que salvou as operações da empresa e deu fôlego para manter o negócio, depois que um cheque que a startup esperava ter recebido no começo deste ano não veio. O valor da transação não foi divulgado.
“Todos vão levantar down round. É questão de tempo”, disse um fundador que preferiu não se identificar.
O volume de negócios em late-stage nos EUA caiu 17% no segundo trimestre de 2022 porque os investidores se tornaram mais exigentes e “sem risco” para rodadas maiores, segundo o CB Insights.
Por isso, dados do CB Insights mostram que para as transações late-stage que acontecem, os investidores estão cada vez mais negociando maiores termos de proteção em caso de down rounds.
A porcentagem de transações Séries C, D e E+ nos EUA que exigem os pagamentos priorizados para novos investidores aumentaram para 41,4% no segundo trimestre de 2022, um aumento de 8,3 pontos percentuais em relação ao que foi visto em todo o ano de 2021. Isso quer dizer que para startups de estágio avançado que forem captar, o novo investidor teria maior direito sobre o dinheiro dele.
Valuations por estágio
Segundo o CB Insights, para rodadas Seed e anjo nos EUA os valuations estão 8% maiores no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre, 41% maiores do que 2021 e 81% maiores do que em 2020.
Para Série A, eles estão 14% menores no segundo trimestre em relação ao primeiro deste ano. Mas ainda 15% maiores do que 2021 e 66% maiores do que em 2020.
Já na Série B os valuations estão 16% menores em relação ao primeiro trimestre, 5% maiores em relação ao mesmo período em 2021 e 89% maiores do que em 2020.
Na Série C, os valuations caíram 10% no segundo trimestre em relação aos primeiros três meses deste ano. Em relação à 2021, contudo, cresceram 6%, e aumentaram 116% em relação a 2020.
Na Série D, os valuations estão 12% maiores no segundo trimestre em relação ao primeiro deste ano, 24% maiores em relação a 2021 e 157% maiores do que 2020.
Já as avaliações para rodadas da Série E em diante caíram 2% no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre, tiveram queda de 9% em relação a 2021, mas estão até 35% maiores do que foram em 2020.
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