Bloomberg Línea — O tom do primeiro debate entre os candidatos a presidente em 2022, incluindo os líderes nas pesquisas, na noite de domingo (28), foi considerado agressivo por analistas. Ao mesmo tempo, faltaram respostas objetivas, principalmente de plano de governo, tanto do presidente Jair Bolsonaro (PL) como do ex-presidente Lula (PT), enquanto os demais se esforçaram para criticá-los e em fazer promessas sobre o que pretendem fazer se ganhar a eleição em outubro.
O debate foi organizado e realizado por um consórcio de veículos formados pelas TV Bandeirantes e Cultura, pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo portal UOL. A transmissão ao vivo em TV foi feita pela Band, mas disponível em outras plataformas.
Resumo das estratégias
Bolsonaro preferiu criticar, em vez de perguntar sobre planos de governo, desde o início: foi sorteado o primeiro a perguntar e dirigiu sua questão a Lula. Falou sobre o endividamento da Petrobras (segundo ele, de R$ 900 bilhões “na época do PT”, mas, na verdade, a estatal terminou o governo Dilma Rousseff com dívida R$ 492 bilhões) e relacionou o dado à corrupção. Disse que é atacado porque teria acabado com a “harmonia da corrupção”.
Já Lula não quis rebater as acusações em si em quase todo o debate. A maioria de suas respostas foi de exaltação aos números de crescimento econômico e de queda da desigualdade social de seus dois governos (2003 a 2010) e as críticas ao governo Bolsonaro foram leves.
Os demais candidatos fizeram promessas: Simone Tebet (MDB) disse que vai pagar R$ 5 mil a todos os alunos que completarem o ensino médio; Soraya Thronicke (União) prometeu isenção de Imposto de Renda a quem ganha até cinco salários mínimos, além de unificar todos os impostos federais num imposto único - ideia de seu candidato a vice, o ex-deputado Marcos Cintra (União).
Ciro Gomes (PDT) voltou a defender o seu plano - já apresentado em 2018 - para tirar os brasileiros do quadro de endividamento e da inadimplência e disse que vai implantar o projeto de renda básica cidadã, do ex-senador Eduardo Suplicy (PT), para pagar R$ 1 mil a todos os brasileiros. Felipe Dávila (Novo) defendeu reduzir o tamanho do Estado, cortar impostos e privatizar estatais.
De resto, o debate girou em torno de ataques entre os candidatos.
O clima já começou tenso. Pelo sorteio das posições dos candidatos, Lula e Bolsonaro ficariam lado a lado. A segurança do presidente, no entanto, pediu para trocar de lugar. As seguranças do petista e da Band concordaram e Simone Tebet ficou entre eles. Questionado por um jornalista sobre quem havia pedido para trocar de lugar, Bolsonaro disse “não interessa”. Mas o bastidor foi contado pelo jornalista Eduardo Oinegue no programa Canal Livre, transmitido depois do debate.
Salles vs. Janones: O clima estava tão tenso que, quando Lula disse que seu governo foi o que menos desmatou na história, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, candidato a deputado, que acompanhava o debate em ambiente próximo, se levantou e começou a gritar com o telão. “Mentiroso!”. O deputado André Janones (Avante-MG), apoiador de Lula, se levantou e confrontou Salles. Tiveram de ser apartados por seguranças. Vídeos do confronto circulam nas redes sociais.
Quem ganhou?
A consultoria e instituto de pesquisas Quaest monitorou a repercussão do debate nas redes sociais. Segundo o instituto, 19 milhões de pessoas, em média, foram impactadas no primeiro bloco, e 13 milhões, no segundo e no terceiro.
De acordo com o relatório de “sentimento das redes” feito pela Quaest em tempo real, Ciro foi quem teve a maior proporção de comentários positivos: 51% dos posts monitorados. Já 65% dos comentários monitorados sobre Bolsonaro foram negativos. Sobre Lula, os negativos foram 62%.
Simone Tebet foi quem mais conquistou adeptos nas redes, segundo o instituto. Ela começou o primeiro bloco com 32% de comentários positivos e terminou o debate com 62%.
Lula começou com 38% de comentários positivos e terminou com 46%.
Bolsonaro foi o único que teve queda ao longo da transmissão. Ele começou o debate com 37% de comentários positivos, caiu para 32% no segundo bloco, depois do ataque à jornalista Vera Magalhães (leia mais abaixo), e terminou o programa com 42% de menções positivas.
Petrolão vs. Orçamento secreto
Bolsonaro disse que o governo do petista foi “o mais corrupto da história”. Lula, então, respondeu que, quando deixou a Presidência, o Brasil crescia 7,5% ao ano e completou: “Esse é o país que o atual presidente está destruindo. Portanto, o governo que eu deixei é o que povo tem saudade, e este país vai voltar a ser assim”.
Em outro bloco, Lula disse que o orçamento secreto, mecanismo pelo qual os parlamentares distribuem o dinheiro das emendas parlamentares aos estados sem se identificar, representava a corrupção institucionalizada. Simone Tebet (MDB) chegou a comentar que eram R$ 16 bilhões por ano que supostamente estavam sendo desviados por meio de “notas frias”. Em vez de esclarecer, Bolsonaro disse: “Que moral você tem para falar de mim, ex-presidiário?”.
Contra Tebet, Bolsonaro disse que ela “escondeu Carlos Gabbas” durante a CPI da Covid, que foi realizada no Senado em 2021. Gabbas foi o secretário do chamado Consórcio Nordeste, grupo em que os nove estados do Nordeste se reuniram para comprar equipamentos durante a pandemia, diante do que chamaram de falta de ação do governo federal. Investigações da Polícia Federal apontaram supostos superfaturamento e irregularidades nos contratos.
Eleitorado: mais pobres
O Auxílio Brasil, versão bolsonarista do Bolsa Família petista, também foi motivo de embates. Bolsonaro chamou seu programa de “o maior programa de transferência de renda da história”, uma vez que paga R$ 600, o equivalente a três vezes o que o Bolsa Família pagava.
O programa atual nasceu como Auxílio Emergencial durante a pandemia, ainda em abril de 2020. O governo, no entanto, enviou ao Congresso um projeto que previa pagamento de R$ 200. A oposição propôs pagar R$ 500, e a base governista, para evitar que a vitória política pudesse ficar com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (União-RJ, na época no DEM), propôs os R$ 600.
Passada a pandemia, no entanto, o Auxílio Emergencial foi substituído pelo Auxílio Brasil e passou a ser de R$ 400 - o programa de ajuda na pandemia só durava até 31 de dezembro de 2020, porque o governo não previu que poderia haver uma segunda onda da Covid-19. O aumento para R$ 600 se deu em julho deste ano, por meio da aprovação de uma emenda constitucional que permitiu gastos orçamentários sem as limitações da lei eleitoral e do teto de gastos.
Bolsonaro disse no debate que o auxílio de R$ 600 continuaria em 2023, ao que Lula respondeu que o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias enviado pelo governo ao Congresso prevê pagamento de R$ 400. “Tem uma mentira no ar”, disse o ex-presidente.
O presidente respondeu que “o PT foi contra os 400 reais”, e Lula disse que seu partido defende um auxílio de R$ 600 há dois anos. “R$ 600 não estão na LDO, mas eu tenho contato com as lideranças da Câmara. Não podemos ser inconsequentes. Orçamento é outra coisa, temos um teto de gastos.”
Economia
Os temas econômicos também geraram atritos entre os candidatos. Em sua primeira pergunta, Ciro Gomes citou alguns dados da situação socioeconômica brasileira (33,1 milhões de pessoas passando fome, segundo estudo da Rede Penssan, e 120 milhões que não fazem todas as refeições todos os dias, segundo a FGV) e citou a inflação acumulada de 10% na taxa anual. E perguntou se Bolsonaro não temia que “o descaso de seu governo fosse interpretado como conivência [com a pobreza]”.
Bolsonaro questionou na semana passada os dados sobre pobreza no Brasil e disse na ocasião: “Alguém vê alguém pedindo pão na porta da padaria? Você não vê, pô”.
“As pessoas interpretam os fatos como elas querem”, respondeu o presidente no debate. Em seguida, disse que, embora haja inflação no Brasil, “é uma das menores do mundo” - na verdade, o Brasil tinha, em junho, a quarta maior inflação do mundo, atrás apenas de Turquia, Argentina e Rússia, segundo ranking de 23 países elaborado pela empresa Austin Ratings.
A culpa dos problemas econômicos, disse Bolsonaro, seria dos que defendem o “fique em casa, a economia a gente vê depois”, em referência ao isolamento social adotado para combater a pandemia, que deixou mais de 680 mil mortos. “Muitos foram obrigados a ficar em casa.”
“Foi o meu governo que fez o auxílio de R$ 400″, disse. “Fizemos diminuir o ICMS dos combustíveis”, continuou. “E esses mais pobres, alguns passam fome, mas não nesse número exagerado. Dados do Ipea: quem ganha US$ 1,9 por dia está na linha da pobreza. Isso dá R$ 10. O Auxílio Brasil dá R$ 20 por dia. Quem estiver passando necessidade, pode ir lá se cadastrar.”
Voto feminino
As políticas voltadas às mulheres também estiveram no centro do debate. Como as pesquisas têm mostrado, o voto das mulheres pode ser definidor nas eleições deste ano. Até agora, as mulheres têm mostrado preferência por Lula e têm se apresentado como o maior obstáculo à melhora de Bolsonaro nas pesquisas - o petista ganha nesse segmento por 47% a 29%, segundo o Datafolha.
Bolsonaro foi chamado ao centro do debate. Simone Tebet, depois de falar que ele defendeu na Câmara um suplente de deputado que mandou matar a titular e defendeu um torturador de mulheres, perguntou à queima roupa: “Por que tanta raiva das mulheres?”
O presidente disse que era acusado “sem provas”. “Por que me atacar?”, respondeu. “Demos, através de decretos e portarias, o legítimo direito de defesa a todos, em especial das mulheres”, continuou. “E eu tenho certeza que uma grande parte das mulheres no Brasil me amam, porque eu defendo a família, eu sou contra a liberação das drogas.”
Em outro momento, a jornalista Ana Estela de Souza Pinto, da Folha de S.Paulo, pediu que Lula e Simone Tebet se comprometessem a ter um ministério paritário entre homens e mulheres. Segundo ela, desde 1985 só houve em média uma ministra para cada 15 ministros - foram 600 ao longo desses anos, segundo ela.
Lula evitou assumir o compromisso: “Eu acho que é plenamente possível fazer isso, mas eu não vou assumir compromisso de que eu tenho que ter determinada pessoa obrigatoriamente porque, se não for possível, eu passarei por mentiroso”.
Já Simone Tebet prometeu que seu governo terá 50% de ministras e 50% de ministros.
Vacinas e ataque de Bolsonaro a jornalista
O assunto das vacinas foi levado ao debate pela jornalista Vera Magalhães, colunista do jornal O Globo e apresentadora do Roda Viva, da TV Cultura. Ela disse que a cobertura vacinal vem caindo no Brasil: a cobertura para tríplice viral foi de 71% em 2021 e ainda não chegou a 50% neste ano. A da poliomielite, que, segundo ela, já foi de 96% em 2012, caiu a índices um pouco superiores a 67%.
Ela direcionou a pergunta a Ciro, mas mirou Bolsonaro, que questiona abertamente a necessidade de vacinação. No auge da pandemia, por exemplo, ficaram famosas suas declarações quando era cobrado por não ter comprado as vacinas - “só se for na casa da tua mãe”, disse a um jornalista. Ou, sobre as ofertas rejeitadas da Pfizer: “Lá na Pfizer, tá bem claro lá no contrato: ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema de você, pô”.
No debate do domingo, preferiu desqualificar a autora da pergunta: “Vera, não podia esperar outra coisa de você. Você, eu acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas ao meu respeito. Você é uma vergonha pro jornalismo brasileiro”, atacou Jair Bolsonaro.
As candidatas Simone Tebet e Soraya Thronicke se pronunciaram em defesa da jornalista. Lula, em seu pronunciamento final, se solidarizou “com a jornalista que foi atacada”.
*Atualizada para acrescentar a foto do candidato Ciro Gomes
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