Por que a crise financeira da pandemia não foi tão grave

Confira quatro lições que podemos aprender com a resposta bem-sucedida de autoridades financeiras do mundo à pandemia de covid

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Bloomberg Opinion — A constatação repentina, em meados de março de 2020, de que a covid-19 seria aquele evento único criou o tipo de transtorno perfeito para uma crise financeira. Especialistas projetaram um choque triplo sem precedentes: os lockdowns dizimariam a demanda, as proibições de viagens devastariam a oferta, e a “corrida por dinheiro” congelaria a atividade financeira. As bolsas de valores mergulharam e os rendimentos das obrigações saltaram.

Mas apesar das desastrosas baixas e a inevitável desaceleração econômica, a crise financeira não aconteceu como o esperado. Para entender o que deu certo, a equipe de pesquisa do Yale Program on Financial Stability compilou um banco de dados de cerca de 9 mil ações governamentais em 180 países. Resumindo: reaja logo, seja ambicioso e prepare-se para a próxima.

Autoridades fiscais, monetárias e outras autoridades pelo mundo agiram rapidamente em meio a uma incerteza extrema. Foram usadas ferramentas empregadas durante a crise financeira de 2008 que foram adaptadas para os eventos mais intensos e rápidos da pandemia. As autoridades prometeram dinheiro e assumiram riscos com novos programas Mesmo quando alguns dos piores medos se tornaram realidade, com queda no crescimento e aumento do desemprego, não houve depressão global ou crise de crédito.

Confira quatro lições que se destacaram no estudo.

1. As mesmas ferramentas podem ser úteis em diferentes crises. Desastres financeiros compartilham alguns elementos comuns: a liquidez acaba, os depositantes e credores fogem, os preços dos ativos caem. Por esse motivo, muitas das ferramentas implementadas durante a crise financeira de 2008 provaram ser facilmente adaptáveis em 2020. O Banco da Inglaterra, por exemplo, ressuscitou um programa para permitir que contrapartes com dificuldades trocassem ativos difíceis de vender por dinheiro do banco central.

As autoridades também modernizaram suas medidas, aplicando a experiência adquirida em crises passadas. Por exemplo, o Banco do Japão reavivou suas operações especiais de fornecimento de fundos, através das quais ofereceu empréstimos sem juros e garantidos a cooperativas financeiras confiáveis. Contudo, o objetivo do programa da época da pandemia mudou para o financiamento do setor privado e a estabilidade do mercado financeiro em vez de apoiar os mercados de títulos corporativos e de commercial papers.

2. Esteja disposto a inovar e experimentar. Novos problemas pediram novas soluções. Por exemplo, muitas ações da pandemia focavam em fortalecer setores vulneráveis na economia real, como o setor aéreo e o de saúde, em oposição às instituições financeiras. Após a rodada inicial de cortes nas taxas de juros e programas de liquidez de emergência, muitos países lançaram intervenções de mercado não vistas durante a crise financeira de 2008, incluindo medidas fiscais como moratórias de pagamento, diferimentos de impostos e subsídios (mas com certas consequências involuntárias).

3. Seja ambicioso e o mercado fará seu trabalho por você. Quando governos e bancos centrais prometeram trilhões de dólares para comprar tudo, desde títulos municipais até fundos negociados em bolsa, muitas vezes não precisavam gastar nem mesmo uma pequena fração desse dinheiro. Em casos como o do programa de compra de títulos corporativos do Riksbank, da Suécia, e do programa de linha de empréstimos de títulos lastreados em ativos do Federal Reserve, banco central americano, apenas sua propaganda já restabeleceu a confiança necessária para que os investidores privados voltassem à ação.

4. Prepare-se durante a calmaria. As reformas instituídas após a crise financeira de 2008 fizeram uma diferença crucial em 2020. Mais importante ainda, os bancos operaram com muito mais capital próprio, o que absorveu perdas e lhes permitiu agir como uma fonte de força em vez de contágio (embora os esforços do banco central para oferecer liquidez e sustentar os preços dos ativos também tenham ajudado bastante). Alguns países também exigiram que os bancos tivessem uma reserva de capital contracíclico, o que proporcionou uma resiliência extra no início dos lockdowns.

Enquanto isso, a pandemia revelou lacunas nas ferramentas de gerenciamento de crise dos países – as quais que eles tentam resolver agora que os mercados se acalmaram. Por exemplo, os bancos centrais estão considerando como redesenhar as reservas de liquidez, que exigem que os bancos mantenham dinheiro extra para cobrir suas obrigações em tempos difíceis. Durante a pandemia, os bancos ficaram relutantes em utilizar esses recursos, temendo estigma ou represálias regulatórias. Portanto, os reguladores estão ponderando como tornar as reservas mais utilizáveis.

Os órgãos reguladores financeiros são frequentemente acusados de “lutar como se fosse a última vez” – ou seja, reagir a crises com reformas onerosas que não ajudarão na próxima. Mesmo assim, a experiência da pandemia demonstra que muitas lições e ferramentas são perenes, que a preparação é sim possível e útil, e que as autoridades podem se adaptar e inovar em meio à batalha. O sistema financeiro global sobreviveu à covid graças a anos de avaliação da crise anterior, e as autoridades podem aproveitar essa experiência para se preparar para a próxima.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Adam Kulam estuda administração na Yale School of Management. Foi pesquisador sênior adjunto no Yale Program on Financial Stability.

Lily Engbith estuda administração na Yale School of Management. Foi pesquisadora sênior adjunta no Yale Program on Financial Stability.

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