Bloomberg Línea — O Grupo Madero, um dos maiores do país no setor de restaurantes e lanchonetes, há tempos usa o slogan do “melhor hambúrguer do mundo”, mas os seus resultados financeiros não condizem com essa condição, especialmente após a explosão de sua alavancagem com as lojas fechadas na pandemia.
O recém-divulgado resultado do segundo trimestre da empresa paranaense fundada pelo chef Junior Durski trouxe números indigestos: uma dívida bruta próxima de R$ 1 bilhão, prejuízos acumulados acima de R$ 700 milhões, queima de caixa que deixou a empresa com apenas R$ 40 milhões e um plano de expansão visto com apreensão no mercado.
A ambição é quase dobrar o número de lojas em quatro anos (para 500 unidades), apesar de ser o investimento agressivo a principal fonte da queima de caixa, que foi de R$ 80 milhões de abril a junho.
O Madero disse à Bloomberg Línea que não vê risco de a dívida bruta superar a marca de R$ 1 bilhão e que os compromissos assumidos estão sendo cumpridos (veja mais abaixo). A rede indicou ainda que pode recorrer a eventual suporte financeiro de bancos ou capitalizações se necessário, argumentando que seu último resultado financeiro mostra uma tendência de recuperação das vendas.
“A excelente e crescente performance dos nossos mais de 270 restaurantes [267, segundo o resultado recém-divulgado] reconfirmam o enorme potencial de expansão que possuem nossas marcas. A nossa geração de caixa, assim como eventual suporte financeiro de bancos ou capitalizações, serão as fontes que definirão a velocidade da expansão”, informou o grupo à Bloomberg Línea.
Os problemas financeiros do Madero se agravaram na pandemia: a dívida líquida mais que triplicou e saltou de R$ 255 milhões ao fim de 2019 para R$ 877 milhões ao fim do segundo trimestre de 2022. Esse efeito do fechamento das lojas físicas e da queda abrupta da demanda havia sido antecipado pelo empresário, em um alerta que, por outro lado, recebeu na época críticas de muitos consumidores.
No fim de março de 2020, o CEO do Madero alertou para o impacto econômico das medidas de isolamento que começavam a ser tomadas em todo o país, citando especialmente pequenos empresários e o potencial aumento do desemprego, que diz que poderia chegar a 30 milhões de pessoas. Em vídeo, ele dizia que o Brasil não poderia parar por causa de “5 mil ou 7 mil mortos”, ainda que cada morte devesse ser lamentada. A contagem oficial atualizada aponta 682 mil mortes pelo coronavírus e 34,3 milhões de casos.
Dois anos e meio depois, a situação financeira delicada do grupo contrasta com o otimismo que Junior, como é chamado, exibe desde os tempos de acelerado crescimento antes da pandemia. Com frequência, o fundador e CEO do Madero aparecia nos restaurantes da rede, sentava-se à mesa com clientes para perguntar a opinião sobre os pratos e compartilhava o número do celular para quem quisesse fazer sugestões ou críticas.
Quem o acompanha nas redes sociais se depara, mais recentemente, com imagens de aviões com o nome do grupo na fuselagem. Ele esclarece que as aeronaves não integram o patrimônio da companhia nem fazem parte da logística aérea, como sugerem as postagens, mas estão em seu nome. Em um dos posts mais recentes em sua conta no Instagram, Junior aparece à frente de um Challenger 350, cujo modelo usado é avaliado em US$ 13 milhões a US$ 20 milhões (de R$ 70 milhões a R$ 110 milhões).
A situação gerou comparações em grupos de investidores no WhatsApp com a do fundador e ex-CEO da WeWork, Adam Neumann, que foi obrigado a deixar o cargo há três anos diante de revelações de gastos exorbitantes antes que sua companhia sequer tivesse conseguido chegar ao lucro. Neumann voava em um Gulfstream G650, avaliado em US$ 60 milhões, em nome da WeWork.
A frota utilizada por Durski é formada por um jato e um helicóptero, segundo informou o Aeroflap em maio. O site especializado em aviação listou outras aeronaves que foram usadas por ele, como um Piper PA-28 140 Cherokee, um Cessna C210, um Learjet 40, um Learjet 60XR e um helicóptero McDonell Douglas MD-902, além do Bombardier Challenger 350.
O Madero negou o uso das aeronaves na logística do grupo: “Há uma frota de caminhões que transporta 95% dos insumos usados por todos os nossos restaurantes, os quais são fornecidos pela cozinha central, em Ponta Grossa (Paraná). Os 5% restantes, principalmente bebidas, são entregues diretamente nas operações pelos fornecedores”, afirmou o grupo em resposta enviada à Bloomberg Línea.
Venda de ônibus e renúncia de diretora
Por outro lado, a companhia tem se desfeito de ativos de menor valor. O conselho de administração aprovou recentemente a venda de um ônibus fabricado pela Marcopolo de ano 2015. “O estatuto social da companhia determina que determinados atos sejam previamente aprovados pelo conselho, por uma questão de governança. Como alguns valores que precisam de aprovação do conselho ficaram muito baixos, serão aumentados em breve”, comentou o grupo sobre a negociação.
Em seus recentes comunicados à CVM, o grupo anunciou a renúncia da diretora de relações com investidores, Silvia Emanoele de Paula, que fica no cargo até o fim deste mês.
“A renúncia da diretora foi motivada por decisão de caráter pessoal. Assumirá em seu lugar, a partir de 1º de setembro, o atual diretor de compliance do grupo, Marcelo Aldenucci”, informou a empresa.
Custos pressionados
No documento de apresentação do balanço trimestral, a companhia destacou enfrentar um cenário de inflação acelerada e custos pressionados, mas que busca reduzir despesas e otimizar logística e distribuição. Também destacou dados como a alta de 44% da receita (R$ 358 milhões), de 9,4% do tíquete médio do cliente e de 99,6% do Ebitda ajustado (R$ 86,5 milhões) no trimestre na comparação anual.
Apesar do desempenho operacional positivo, o balanço patrimonial enviado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) aponta que o grupo tinha prejuízo líquido acumulado de R$ 714,3 milhões ao fim do primeiro semestre, um aumento de 13,7% em seis meses (eram de R$ 628 milhões ao fim de 2021).
Relatório do BTG Pactual sobre o balanço relativizou o aumento do Ebitda observado no segundo trimestre do Madero, apesar dos esforços da companhia para estancar seu endividamento.
“Apesar da maior geração de caixa no período, houve aumento da dívida líquida, principalmente em função dos investimentos e do serviço de dívida ainda elevados”, apontou o relatório, que também fez uma ponderação a favor da retomada dos negócios.
“A queima de caixa tem diminuído gradualmente em razão do Capex [investimentos] mais conservador e da melhora da performance operacional - fatores que tendem a continuar contribuindo para uma redução da alavancagem e, consequentemente, do risco de refinanciamento ao longo dos próximos trimestres”, citou relatório divulgado pelo banco de investimento, que é um dos principais credores do Madero.
A dívida bruta da rede de restaurantes atingiu R$ 944,8 milhões no fim de junho, apontou o balanço.
A maior parte da dívida do Madero está nas mãos de quatro bancos: BTG Pactual (BPAC11), Banco do Brasil (BBAS3), Bradesco (BBDC4) e Itaú Unibanco (ITUB4). A renegociação dos contratos nos últimos meses permitiu que o grupo conseguisse um alívio importante enquanto volta a crescer a operação.
O prazo médio atual de vencimento da dívida subiu para perto de 3,5 anos. Ao fim de 2021, a dívida superava a marca de R$ 1 bilhão (R$ 1,023 bilhão), sendo que R$ 707 milhões venciam em 12 meses. Com a renegociação, apenas R$ 3,5 milhões passaram a ter esse vencimento ao fim de junho de 2023.
Analistas do BTG Pactual destacaram que a posição de caixa do Madero no fim do segundo trimestre [R$ 68 milhões, contando aplicações financeiras] “era marginalmente inferior à dívida financeira com vencimento até o final de 2023″ [R$ 71,4 milhões]. Isso aconteceu graças à citada renegociação.
Pouco antes disso, no fim de 2021, o grupo gastronômico conseguiu negociar um aporte de R$ 300 milhões do Carlyle, gigante americano de private equity que ampliou de 20% para 30% a sua fatia no capital. Em 2019, o Carlyle já havia investido R$ 700 milhões no Madero.
“Em 2020, no início da pandemia, com as lojas fechadas, o mercado se assustou com uma alavancagem do Madero de 20x [dívida líquida/Ebitda]. Hoje após o aporte do Carlyle e a reabertura das lojas, a alavancagem caiu para perto de 3,1x, dentro do que o mercado considera como prudencial”, afirmou Jader Lazarrini, analista da plataforma financeira TradeMap, após avaliar o balanço do Madero.
O grupo ainda captou R$ 500 milhões no começo do ano com a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), divididos em duas séries. Os papéis da primeira série pagam juros equivalentes à variação do IPCA acrescidos de um spread de 9,1718% ao ano, enquanto os da segunda série têm juros remuneratórios equivalentes à taxa DI Over acrescida de um spread de 3,5% ao ano. Nos dois casos, o pagamento do principal teria início 18 meses após a emissão dos certificados.
Dívida renegociada
O cenário macroeconômico adverso, com inflação e juros em patamar elevado, na casa de dois dígitos, é outro obstáculo ao plano de expansão, dado que o custo de capital sobe, os insumos ficam mais caros, a renda disponível do consumidor tende a ser menor e as margens de lucro acabam contraídas.
“Em momentos assim, a companhia deveria enxugar custos, otimizar sua logística, tomar medidas para sanar as dívidas, melhorar a rentabilidade e crescer em um ritmo que não aumente a alavancagem”, disse Lazarrini. “Provavelmente, a dívida bruta vai bater R$ 1 bilhão, pois os custos dos empréstimos aumentaram. Há ainda as obrigações com pagamentos tributários”, afirmou.
Em caixa (sem contar aplicações financeiras), a companhia tinha R$ 40,6 milhões ao fim do segundo trimestre, como mencionado acima. Apesar do aumento de receitas com a normalização do funcionamento das lojas, o que permite que a operação tenha geração de caixa, essa conta fica negativa com os investimentos em expansão e o pagamento de empréstimos, o que faz o Madero queimar caixa em ritmo acelerado: R$ 79,7 milhões no período - ou seja, o caixa era de R$ 120 milhões em março.
Planos de IPO
No começo do ano, diante da situação financeira delicada, o Madero engavetou o plano de lançar ações para a abertura de capital na B3. Há um ano, o grupo havia protocolado na CVM o prospecto de sua oferta inicial de ações (IPO), com a coordenação liderada - também - pelo BTG Pactual.
“A companhia queria se capitalizar na bolsa, mas acabou cancelando o IPO e teve de se reinventar. Antes, por exemplo, não falava em apostar em delivery, mas no segundo trimestre esse canal já representou 16% da receita”, comentou o analista da TradeMap.
A rede de restaurantes ainda espera uma oportunidade para colocar em prática o plano de IPO. “O Grupo Madero possui uma estrutura de capital adequada para aguardar com tranquilidade uma janela para a realização do IPO no médio ou longo prazos, com uma precificação dentro da expectativa da companhia e de seus acionistas”, comentou a companhia em nota à Bloomberg Línea.
“O plano do Madero é praticamente dobrar o número de unidades, chegando a 500 lojas até 2026. É um plano ambicioso para uma companhia que tem o endividamento como seu principal calo. Isso significa que devem continuar emitindo dívida para financiar a expansão. Essa estratégia é arriscada”, disse Lazarrini.
Covenants ainda no limite
O Madero minimizou o risco de a dívida crescer e atingir a marca R$ 1 bilhão e disse estar constantemente reavaliando processos, em busca de ganhos de eficiência. “Não enxergamos esse risco. Ambos Covenants continuam sendo cumpridos”, afirmou o grupo à Bloomberg Línea sobre o tema.
Covenants são compromissos previstos em contratos de financiamento ou empréstimos cujo descumprimento serve como gatilho para que credores possam exercer certos direitos para se proteger, como a cobrança antecipada da dívida.
No caso do Madero, os covenants tanto dos CRAs emitidos como dos contratos bilaterais - renegociados - com os bancos preveem que a relação entre dívida líquida/Ebitda seja de até 3,0 vezes em 2022 e de até 2,5 vezes em 2023 e que a dívida bruta não supere R$ 1 bilhão em 2022.
Mesmo com o elevado endividamento, o grupo mantém a previsão de fechar o ano com investimentos de R$ 179,7 milhões - a maior parte (R$ 96,2 milhões) para a expansão. “No ano, devem ser abertas 20 novas operações, resultado em 277 unidades ao final do ano”, informou o grupo.
Estratégia de marcas
O grupo aposta na tese de “gourmetização” das hamburguerias como um diferencial no segmento de food service, hoje dominado por redes americanas como McDonald’s e Burguer King.
A operação do Madero tem diversos formatos de restaurantes próprios: são 89 unidades do Madero Steak House, com menu completo, em ruas, shoppings e aeroportos, com ticket médio de R$ 72; outras 77 do Madero Container, com menu reduzido com foco em hambúrguer grelhado, em cidades médias, rodovias e presença complementar em grandes cidades, com ticket médio de R$ 54.
Há ainda 91 lojas Jeronimo, com foco em hambúrguer na chapa, em ruas, drive-thru, rodovias, estações de metrô, aeroportos, shopping e praças de alimentaçao, com ticket médio de R$ 30.
No segundo trimestre, o Madero disse ter apostado na expansão de novas marcas para aumentar seu faturamento: a Dundee Chicken & Burgers, focada em frango frito no balde e burgers, a Ecoparada Madero, complexo gastronômico em contêineres nas estradas, e o novo cardápio do Legno Ristorante Italiano, que é servido no Madero Steak House.
A normalização do fluxo de clientes nos restaurantes, a abertura de novas lojas e o aumento do ticket médio contribuíram para o aumento da receita no segundo trimestre, apontou o BTG Pactual. Os analistas escreveram que a margem Ebitda do Madero no segundo trimestre atingiu 16%, acima dos 12% reportados em 2021, porém, ainda abaixo dos números reportados em 2019 (25%), antes da pandemia.
“De acordo com o management, além dos impactos negativos da pandemia ao longo do ano passado, as margens operacionais do primeiro semestre são sazonalmente menores. Por isso, a retomada da rentabilidade tende a ficar mais aparente nos números ao longo dos próximos trimestre”, avaliou o relatório do banco, projetando uma margem próxima de 19% em todo o ano de 2022.
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