Bloomberg — Tem sido um verão de preferência por ações e títulos de crédito corporativos no hemisfério norte. Mas com uma baixa se aproximando, as ações devem desaparecer enquanto os títulos se fortalecem à medida que o banco central dos Estados Unidos eleva ainda mais os juros e os temores de uma recessão voltam a dominar os mercados mais uma vez.
Depois de um primeiro semestre brutal, ambos os mercados – de renda fixa e variável – estavam preparados para uma recuperação. A faísca foi acesa por lucros resilientes e pela expectativa de que um leve arrefecimento na inflação pudesse fazer com que o Federal Reserve reduzisse o ritmo de seus aumentos de juros a tempo de evitar uma contração econômica.
Um avanço de quase 12% em julho e agosto colocou as ações dos EUA no caminho para um de seus melhores verões já registrados. E os títulos corporativos ganharam 4,6% nos EUA e 3,4% globalmente desde que atingiram o fundo do poço, em meados de junho.
Tendo se movido em conjunto, os dois agora devem divergir, com os títulos parecendo melhor posicionados para estender o rali, já que a corrida para a segurança em um cenário de desaceleração econômica compensará um aumento nos prêmios de risco.
As perspectivas econômicas são novamente nebulosas, já que as autoridades do Fed indicaram que não desejam parar de subir os juros até terem certeza de que a inflação não voltará a subir, mesmo ao custo de alguma “dor” econômica, de acordo com Wei Li. estrategista-chefe global de investimentos da gestora BlackRock.
Para títulos públicos do governo americano, isso significa uma potencial fuga para a segurança que também beneficiaria a dívida de empresas com grau de investimento (investment grade), isto é com melhor nível de classificação de risco de dívida. Mas para ações, é um risco para os lucros que muitos investidores podem não estar dispostos a correr.
“O que vimos neste momento é uma recuperação do mercado de baixa e não queremos persegui-la”, disse Li, referindo-se às ações. “Não acho que estamos fora de perigo com um mês de arrefecimento da inflação. As apostas de um pivô dovish do Fed são prematuras e os ganhos não refletem o risco real de uma recessão nos EUA no próximo ano.”
A temporada de resultados do segundo trimestre fez muito para restaurar a fé na saúde corporativa ds EUA e da Europa, já que as empresas provaram amplamente que a demanda estava robusta o suficiente para repassar custos mais altos. E indicadores econômicos amplos – como o mercado de trabalho dos EUA – se mantiveram fortes.
Mas os economistas preveem uma desaceleração da atividade empresarial a partir de agora, enquanto os estrategistas dizem que as empresas terão dificuldades para continuar aumentando os preços de forma a defender as margens – ameaçando os lucros na segunda metade do ano. Na Europa, a estrategista do Citigroup Beata Manthey vê os lucros caindo 2% este ano e 5% em 2023.
E embora os investidores na última pesquisa global de gestores de fundos do Bank of America (BAC) tenham se tornado menos pessimistas em relação ao crescimento global, o sentimento ainda é de baixa. Influxos para ações e títulos sugerem que “muito poucos temem” o Fed, de acordo com o estrategista Michael Hartnett. Mas ele acredita que o banco central “não está nem perto de terminar” o aperto. Os investidores estarão em busca de pistas nessa frente na reunião anual do Fed em Jackson Hole, nesta semana.
Hartnett recomenda realizar lucros caso o S&P 500 suba acima de 4.328 pontos, escreveu ele em uma nota recente. Isso significaria uma alta de cerca de 2% em relação aos níveis atuais.
Alguns indicadores técnicos também mostram que as ações dos EUA retomarão as quedas. Uma medida do Bank of America que combina a relação entre preço e lucro do S&P 500 com a inflação tem caído abaixo de 20 antes de cada mercado desde a década de 1950. Mas durante as ondas de vendas deste ano, só chegou a 27.
Há uma negociação que pode oferecer um grande suporte às ações. As chamadas ações de crescimento, incluindo as gigantes da tecnologia Apple (AAPL) e Amazon.com (AMZN), têm sido vistas como um paraíso relativo. O grupo liderou a recente alta das ações, e estrategistas do JPMorgan esperam que continue subindo.
Mercado de renda fixa
No mundo dos títulos, as camadas que compõem os custos de empréstimos de uma empresa parecem prontas para entrar nas carteiras dos investidores. Os rendimentos corporativos costumam pagar uma taxa semelhante à oferecida por títulos públicos mais um prêmio para compensar possíveis riscos, como a falência de um mutuário.
Quando a economia vacila, esses blocos de construção tendem a se mover em direções opostas. Embora uma recessão levante preocupações sobre a capacidade das empresas de pagar suas dívidas e ampliar o spread sobre títulos seguros, a fuga para a qualidade em tal cenário deverá amortecer o golpe.
“O potencial dano aos títulos grau de investimento parece limitado”, disse Christian Hantel, gerente de portfólio da Vontobel Asset Management. “Em um cenário de risco, os rendimentos dos títulos do governo cairão e diminuirão o efeito de spreads mais amplos”, disse Hantel, que ajuda a supervisionar 144 bilhões de francos suíços (US$ 151 bilhões).
Esse benefício da queda dos rendimentos do governo no caso de uma desaceleração afeta particularmente os títulos high grade (de menor risco), que têm datas mais longas e oferecem spreads menores do que os títulos com classificação de alto risco.
“Há muito risco ao redor e parece que a lista está ficando cada vez mais longa, mas, por outro lado, se você estiver underweight [abaixo da média do mercado] e até mesmo fora da classe de ativos, não há mais nada que você possa fazer”, disse Hantel. “Temos recebido mais perguntas sobre papéis grau de investimento, o que mostra que em algum momento devemos obter mais janelas de entrada.”
Com certeza, a recuperação do verão tornou os pontos de entrada em títulos corporativos menos atrativos para aqueles corajosos o suficiente para mergulhar de voltar. George Bory, chefe de estratégia de renda fixa da Allspring Global Investments, gestora de recursos de US$ 476 bilhões e defensora de títulos nos últimos meses, acalmou um pouco seu entusiasmo em relação a crédito e títulos sensíveis a taxas, já que os valuations não parecem mais particularmente baratos.
Ainda assim, ele mantém as opiniões otimistas que expressou pela primeira vez no início deste verão, depois que a venda de títulos fez com que os rendimentos voassem para níveis que poderiam até superar a inflação.
“O mundo estava se tornando um lugar mais amigável e isso deve continuar no segundo semestre do ano”, disse ele.
Veja mais em bloomberg.com
Leia também:
Bolsonaro ou Lula: como a eleição afeta o futuro da América Latina
Seca e calor reduzem produção de algodão no Brasil e no mundo e ameaçam preços
©2022 Bloomberg L.P.