Por que nunca tantos deputados decidiram buscar a reeleição como neste ano

Apenas 62 dos 513 representantes dos estados na Câmara não vão tentar ficar mais quatro anos no cargo, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral

Por

Bloomberg Línea — Nunca antes na história deste país tantos deputados federais quiseram continuar na cadeira por mais quatro anos. Historicamente, o índice de deputados que se candidatam à reeleição é considerado elevado, de 80% em média. Mas as eleições deste ano vão representar um recorde.

São 10.271 candidatos a deputado federal nas eleições de 2 de outubro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Trata-se do o maior número desde a redemocratização, em 1985, de acordo com as estatísticas da Câmara dos Deputados. Em 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, haviam sido 8.588 candidatos a deputado.

Entre os mais de 10 mil candidatos estão 451 dos atuais deputados, o equivalente a 88% dos 513 que representam seus estados mais o Distrito Federal na Câmara. É o maior índice de busca pela reeleição desde a promulgação da Constituição de 1988, quando entrou em vigor o sistema eleitoral atual, segundo dados do cientista político Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, compartilhados com a Bloomberg Línea.

Os números consideram as candidaturas registradas até a noite da última quarta-feira (18), 24 horas depois do final do prazo para os candidatos registrarem suas chapas.

Mas isso não significa que os demais 62 deputados federais vão se dedicar a outras atividades sem cargo eletivo a partir de 2023: 45 serão candidatos para outras cadeiras em 2 de outubro, o que significa dizer que apenas 17 dos 513 parlamentares da Câmara não vão disputar a eleição.

De 1990 para cá, o índice médio de candidaturas à reeleição na Câmara dos Deputados é de 80%, conforme cálculos do Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar (Diap), o que representa exatamente 410 parlamentares dos 513. Há quatro anos, o percentual foi de 78,75%.

Antes de 2022, os índices recordes haviam em 1998 (86,35%) e em 2006 (86,16%). Foram respectivamente anos das reeleições de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT), o que pode indicar uma tendência de parlamentares em busca de pegar carona na popularidade dos então presidentes da República.

Follow the money

Para Carazza, que também é pesquisador e autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”, esses números mostram que “os políticos estão confiantes” na reeleição. E por um motivo muito simples em sua análise: dinheiro.

Esta é a segunda vez em que acontecem eleições gerais no Brasil apenas com doações de pessoas físicas aos candidatos, dado que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas em 2015.

A principal fonte de financiamento das candidaturas é o chamado Fundão Eleitoral, composto por dinheiro do Orçamento da União e distribuído entre os partidos conforme o tamanho de suas bancadas na Câmara.

Em 2018, o valor do Fundão foi calculado pelo TSE em R$ 1,7 bilhão. Para as eleições deste ano, a cifra quase triplicou e foi para R$ 4,9 bilhões.

Isso significa que, se nas últimas eleições gerais cada candidato podia gastar até R$ 2,5 milhões, o limite para o pleito deste ano é de R$ 3,1 milhões por candidatura.

Impacto do ‘orçamento secreto’

Outra razão apontada pelo professor da Fundação Dom Cabral para o aumento da busca pela reeleição entre deputados federais é a existência do chamado “orçamento secreto”. Trata-se de uma sistema de distribuição de recursos de emendas parlamentares em que o autor do pedido de envio de dinheiro para os estados e municípios não é identificado.

Oficialmente, o nome dessa modalidade é “emendas de relator”. As emendas parlamentares são fatias do Orçamento da União a que cada membro do Congresso tem direito de enviar para suas bases eleitorais. As emendas “normais”, no entanto, têm um mecanismo transparente. O autor do pedido, o valor e o destino do dinheiro são informações públicas nos sites das Casas Legislativas.

Já o “orçamento secreto” identifica apenas o valor enviado e o destino. Só aparece no site o nome do deputado ou senador que esteja na relatoria do Orçamento no Congresso.

Para 2022, o orçamento das emendas parlamentares foi de R$ 22,1 bilhões, segundo o Portal da Transparência do governo federal. Já o orçamento secreto foi de R$ 16,5 bilhões. E, para 2023, a previsão é que o orçamento secreto fique em R$ 19 bilhões.

“O que percebemos é que o orçamento secreto está sendo direcionado para as bases eleitorais dos parlamentares”, disse Carazza.

A percepção do pesquisador é corroborada pelos dados. Segundo levantamento do jornal O Globo, metade dos R$ 20,7 bilhões das “emendas de relator” destinadas aos municípios entre 2020 e 2021 foi enviada a 466 cidades. Ou seja: ficou com 7,6% dos prefeitos.

Por fim, Bruno Carazza aponta mais uma razão: os 45 dias entre o início oficial da campanha eleitoral e o primeiro turno, em 2 de outubro. É a campanha mais curta desde 1994. “São mecanismos que acabam reforçando a posição de quem já está lá e tem acesso aos cofres.”

Novos deputados com capital político

Para o cientista político João Feres, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e diretor do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), o alto índice de deputados em busca da reeleição é algo que deve ser encarado com “naturalidade”, segundo disse em entrevista à Bloomberg Línea.

“Estou curioso para ver como esse pessoal vai se sair nas eleições deste ano. O Congresso se renovou muito em 2018 e isso contribui para que pessoas que nunca tiveram cargos políticos tentem continuar. São deputados que criaram capital político pela primeira vez”, afirmou.

Segundo dados do Diap, houve 267 novos deputados eleitos em 2018. Isso significa que a taxa de renovação da Câmara foi de 52%, a maior em 20 anos.

Mas esse percentual conta apenas uma parte da história, diz Carazza. Segundo ele, apenas 110 dos deputados eleitos nas últimas eleições eram de fato novos na política, enquanto os demais 157 eram parentes de políticos ou trabalhavam em algum cargo não eletivo, por exemplo.

Onda bolsonarista

O índice mais alto de renovação em 2018 teve relação com a chamada onda bolsonarista, que foi um fenômeno não só no Legislativo como em cargos executivos, com um discurso de negação da política tradicional, ainda que não necessariamente isso fosse sustentado pelos fatos.

Por outro lado, o ex-presidente Lula (PT) ainda enfrentava as acusações da Operação Lava Jato, tanto que, às vésperas do pleito e à frente nas pesquisas, teve a candidatura cassada pelo TSE.

“O que dá para falar desde já é que o efeito arrasto que o Bolsonaro teve na eleição passada não vai acontecer mais. Principalmente dos mais radicais”, afirmou Feres.

“Em 2018, ele se tornou uma opção estratégica, e agora pode ser um liability. Um dos fatores para os quais o candidato à reeleição precisa olhar é o público potencial e avaliar se o Bolsonaro vai dar voto para ele ou não. Na eleição passada, isso não acontecia, porque eram um bando de ‘ninguéns’ da política.”

Para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), qualquer que seja o resultado das urnas, “o próximo Congresso será de centro-direita e conservador”, segundo avaliação expressada na última quinta-feira (18) em evento promovido em São Paulo pelo banco BTG Pactual (BPAC11).

Leia também:

Presidente da Câmara defende novo desenho do teto de gastos

Congresso aprova PEC que amplia benefícios em ano eleitoral