CVC aposta em ‘velho normal’ do turismo e conta com efeito Argentina, diz CEO

Leonel Andrade conta que demanda por viagens ao exterior finalmente se recupera e que empresa tem suporte de investidores para reduzir o endividamento

Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo: movimento de turistas em voos internacionais está em recuperação
20 de Agosto, 2022 | 08:00 AM

Bloomberg Línea — “Falou-se tanto em novo normal, mas o que estamos vendo é o velho normal de volta: quando querem descansar, as pessoas compram um pacote e vão curtir uma praia no Nordeste, uma serra no Sul ou um parque da Disney com as crianças na Flórida.” É dessa forma que Leonel Andrade, CEO da CVC (CVCB3), maior empresa de turismo do país, descreveu o comportamento da demanda do setor com o enfraquecimento da pandemia, em entrevista à Bloomberg Línea.

Os planos dos brasileiros de viajar para o exterior, após dois anos e meio de restrições à mobilidade e de fronteiras fechadas, explodiram. A CVC reportou no segundo trimestre um aumento de 315% nas reservas confirmadas para destinos internacionais na comparação anual. Somente em junho, nove em cada dez reservas foram para destinos no exterior, sendo um dos principais a Argentina.

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As vendas para o país vizinho foram favorecidas pela crise econômica local, que tornou o peso argentino muito mais desvalorizado em relação ao real e tornou as compras mais acessíveis. As reservas para o tradicional destino dispararam mais de 320% no segundo trimestre na base anual.

“O turismo voltou com muita força e vai continuar assim. Acho que 2023 vai ser o ano em que podemos ter um desempenho igual ou superior ao de 2019, antes da pandemia”, projetou o CEO.

Segundo ele, até o segmento de viagens corporativas começa a se recuperar. Tanto as reservas confirmadas como as consumidas cresceram na casa de 30% no segundo trimestre na margem (versus os três primeiros meses do ano) e cerca de 140% na comparação com o mesmo período de 2021.

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Outro desafio para a CVC será melhorar os indicadores financeiros, em particular o endividamento. No segundo trimestre, a dívida bruta somava R$ 891 milhões. Houve queda em relação ao R$ 1 bilhão em março com a amortização em R$ 100 milhões de uma debênture no fim de junho - a operadora havia levantado pouco antes R$ 403 milhões em uma oferta secundária de ações (follow-on), destinando grande parte dos recursos para o reforço do capital de giro e justamente o pagamento de debêntures.

O CEO da CVC disse que a situação está administrável. “O lado bom é que há crédito para a companhia e que o crescimento da receita está sendo mais rápido do que o das despesas.” A maior parte da dívida bruta, o equivalente a R$ 665 milhões, terá vencimento no segundo trimestre de 2023.

Reduzir a alavancagem é uma das principais preocupações de investidores e analistas, algo que se reflete em parte nos preços das ações. A queda acumulada neste ano se aproxima dos 50% e é a quinto pior performance entre os 92 ativos que compõem o Ibovespa - que sobe mais de 6% no período.

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O executivo diz que os eventos culturais e esportivos programados para o fim do ano, notadamente o Rock in Rio (2 a 11 de setembro), o GP de São Paulo de Fórmula 1 (13 de novembro) e a Copa do Mundo do Catar (20 de novembro a 18 de dezembro), devem acelerar o ritmo de crescimento de suas receitas.

Não que a recuperação não esteja acontecendo. A companhia registrou expansão acima de 100% em alguns indicadores operacionais: houve, por exemplo, um crescimento de 124% em reservas confirmadas em comparação com o mesmo período de 2021, totalizando R$ 3,8 bilhões.

A receita líquida disparou 133,5% em 12 meses. “Tivemos uma receita líquida de R$ 270 milhões aproveitando o melhor momento do mercado”, afirmou Andrade.

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O faturamento veio da operação de quase 1.100 lojas franqueadas. “Não é nossa intenção operar lojas. Temos apenas cinco ou sete unidades próprias [o balanço aponta 16], que estão em transição, ou seja, quando o franqueado sai do negócio ou morre, aí assumimos a loja”, disse o CEO.

O processo de digitalização das lojas deve avançar neste semestre. Em outubro, a CVC pretende lançar uma plataforma digital única de vendas, segundo o executivo.

“As lojas terão uma plataforma mais amigável, de pagamento único. Estamos bem posicionados no jogo com o público digital com a plataforma única no app e nas lojas”, afirmou Andrade.

O que dizem os analistas

No mercado, predomina a avaliação de que a CVC tenta reduzir a alavancagem e estabilizar seu caixa antes do vencimento - acima citado - de dívidas a pagar, enquanto a demanda por pacotes de viagem segue aquecida mesmo em um cenário de inflação e juros em patamar elevado.

“A CVC deve ser uma das principais beneficiárias da reabertura econômica, ao mesmo tempo em que explora seus fortes relacionamentos de longo prazo com a fragmentada indústria hoteleira e companhias aéreas no segmento B2B”, apontaram os analistas Luiz Guanais, Gabriel Disselli, Victor Rogatis e Luiz Temporini, da equipe de Equity Research do BTG Pactual (BPAC11), em relatório a clientes.

“Mas ainda vemos grandes desafios e volatilidade (alinhamento entre base de franqueados e crescimento e concorrência online com OTAs – agência de viagens online), enquanto a atual estrutura de capital ainda é uma preocupação, tornando esta uma tese de reabertura mais arriscada”, ponderaram.

“Há sinais de que a CVC está se recuperando. A empresa conseguiu dobrar os preços dos pacotes e a receita no segundo trimestre em relação a um ano antes”, disse Sérgio Castro, analista do TradeMap, em nota.

Ele alertou, no entanto, para o fato de que o Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) ficou praticamente zerado durante o período devido ao aumento nos custos e despesas operacionais.

“A iminência de vencimento das dívidas seria um problema menor se a companhia apresentasse boa capacidade de gerar caixa - o que não é o caso”, alerta Castro.

Em apenas dois dos últimos sete trimestres a CVC conseguiu gerar receita suficiente para cobrir os custos de operação, segundo o analista da TradeMap, citando que o motivo foi o impacto que a redução nos voos e nas viagens internacionais no auge da pandemia teve sobre as operações.

“A empresa provavelmente tentará levantar capital no mercado para honrar o pagamento das dívidas, seja com a venda de novas ações ou a emissão de dívidas. Essas saídas, porém, embutem riscos aos acionistas. Com uma nova oferta de ações, a fatia que possuem na companhia pode ser diluída”, disse.

Além disso, segundo Castro, se a geração de caixa continuar fraca, a companhia pode apenas adiar a solução do problema de solvência, trocando dívida velha por dívida nova.

Em relatório do Bank of America (BAC) sobre o balanço da CVC, analistas citaram que o maior tempo para obtenção de vistos por turistas em destinos populares como os Estados Unidos, bem como a escassez de tripulação e pessoal de apoio em alguns aeroportos no exterior, traz um impacto adicional para o segmento de viagens internacionais.

O banco americano enfatizou, no entanto, que a operação da CVC na Argentina tem apresentado um crescimento “excepcional” nas reservas (+38,2% na comparação trimestral e +300% na anual).

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.