Bloomberg Línea — A VTEX (VTEX), provedora de soluções para empresas de e-commerce, foi um dos unicórnios brasileiros afetados pela virada do mercado para empresas de tecnologia.
Depois de uma Série D de R$ 1,25 bilhão da Tiger Global e da Lond Pine, a VTEX atingiu um valuation de US$ 1,7 bilhão em setembro de 2020. Hoje, a empresa tem um market cap de US$ 735 milhões.
Para o presidente da VTEX, Rafael Forte, no entanto, a queda do valuation não afetou o foco da empresa. “O título de unicórnio não é algo que nos chama a atenção. Isso não mudou nossa forma de trabalhar. Entendemos que isso não é algo relacionado à VTEX, mas ao mercado”, disse em entrevista à Bloomberg Línea (veja a íntegra da conversa mais abaixo).
“A única coisa que podemos fazer é trabalhar para dar ao mercado os sinais corretos de que estamos jogando o jogo que o mercado está enxergando agora. Esperamos que, com isso, as coisas voltem. Eu não acho que vamos voltar a ver empresas de tech com valuations com múltiplos de 100, 110, 150 vezes. Mas não vamos ver empresas de tech com os múltiplos que estão hoje. Está muito aquém.”
Os números recém-divulgados do segundo trimestre mostraram que a empresa se manteve em trajetória de crescimento: houve aumento de 21% do GMV (volume bruto de mercadorias transacionadas) na comparação anual e de 28% em relação ao primeiro trimestre.
“Vemos esse crescimento [da VTEX como algo] bastante positivo dado que o GMV para o e-commerce no Brasil de forma geral caiu 4% no ano contra ano no segundo trimestre”, disseram os analistas do Credit Suisse Daniel Federle e Victor Ricciuti em relatório enviado a clientes.
A VTEX teve uma receita líquida de US$ 38,7 milhões de abril a junho, um crescimento de 25% na base anual. O resultado ficou acima do guidance (projeção) dado pela empresa e superou a estimativa do Credit Suisse, com ajuda do câmbio, segundo os analistas.
Apesar de manter o foco no plano original, isso não significa que a empresa não tenha feito ajustes na operação diante das condições adversas do mercado. A VTEX demitiu 10% de seu pessoal em maio.
“Com as demissões e as outras iniciativas de corte de custos, esperamos uma economia de cerca de 10% até o fim do ano. Os layoffs foram um enxugamento dessas iniciativas derivadas que tínhamos, como pesquisas, que não necessariamente morreram, mas que estão congeladas para colocarmos o foco no nosso core business”, disse o empreendedor.
Ele apontou que a melhora do resultado se deve também a variáveis a que o negócio está exposto, como a taxa de câmbio.
“Grande parte do nosso faturamento vem do Brasil. O câmbio mais barato significa que nosso faturamento em dólar também é maior. Em outro país em que a moeda tem variações fortes, como, por exemplo, a Argentina, trazemos o resultado já com o efeito do dólar”, explicou Forte.
Mercados que mais crescem
Os gastos dos consumidores com varejo por e-commerce na América Latina vão desacelerar neste ano, depois de dois anos de crescimento recorde com a pandemia da Covid-19, segundo o último estudo sobre o e-commerce na América Latina do eMarketer/Insider Intelligence.
Mesmo assim, três dos 10 mercados de e-commerce para varejo que crescem mais rápido no mundo estarão na América Latina neste ano: Argentina, México e Brasil. Singapura, Indonésia, Filipinas e Índia lideram a lista de crescimento mais rápido neste ano, segundo o eMarketer. Mesmo assim, o estudo projeta que o mercado de e-commerce da América Latina vai quase dobrar de tamanho de 2021 até 2026.
Considerando o câmbio neutro, a receita líquida da VTEX cresceu 19,5% no segundo trimestre no ano contra ano, em linha com o guidance de 20%.
A VTEX manteve sua projeção de crescimento de receita entre 24% a 27% em câmbio neutro em 2022, “o que é muito positivo em meio a um ambiente macro desafiador e à fraca expansão do comércio eletrônico”, consideraram os analistas.
Para o terceiro trimestre, a VTEX espera crescer entre 18% a 20% em câmbio neutro, abaixo da estimativa dos analistas. Para conseguir cumprir a orientação de crescimento no ano, a VTEX agora precisará crescer aproximadamente 30% no quatro trimestre na comparação com o mesmo período de 2021.
Para isso, a VTEX pretende apostar em iniciativas como o “unified commerce”, o e-commerce unificado. “A VTEX nasceu como uma plataforma de e-commerce, mas há muito tempo não é mais isso. É uma solução que faz com que os nossos clientes vendam de qualquer canal, de qualquer lugar. A nossa visão sempre foi unificar a capacidade transacional dos nossos clientes em uma única solução”, disse Forte.
A empresa também planeja realizar seu segundo grande evento presencial no ano - depois do VTEX Day em abril, que trouxe o piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton para São Paulo -, o Live Shopping Night. No segundo trimestre, o live shopping representou um crescimento de 80%. No dia 15 de setembro, a empresa pretende convidar seus clientes para venderem por live shopping.
No segundo trimestre, a VTEX teve um prejuízo de US$ 18 milhões, impactada por despesas não recorrentes de US$ 5 milhões. “De forma recorrente, o resultado operacional ficou bastante em linha com o nosso número”, consideraram os analistas do Credit Suisse.
Mesmo com Ebitda negativo, a margem recorrente da VTEX melhorou para -32% (contra -39% no primeiro trimestre).
A VTEX espera atingir o breakeven até o meio de 2023. “Os resultados do segundo trimestre indicam crescimento resiliente e melhoria da lucratividade”, afirmaram os analistas do Credit Suisse. Mas, mesmo com a evolução dos resultados, a VTEX não conseguiu retornar ao valuation que tinha antes de se tornar uma empresa pública (veja o gráfico abaixo).
Como possibilidade para calibrar os preços em um momento de depreciação para empresas de tecnologia, o conselho de administração da VTEX aprovou a análise, em até um ano, de um programa de recompra de ações. A VTEX tem US$ 255 milhões em caixa e avalia investir na própria empresa.
Veja abaixo a entrevista com Rafael Forte, presidente da VTEX no Brasil, editada para fins de concisão e clareza:
Bloomberg Línea: Vocês tiveram crescimento no GMV na contramão do mercado de e-commerce no Brasil. A que atribuem isso?
Rafael Forte: Esse crescimento vem principalmente por causa das soluções que estamos colocando para os nossos clientes. Faz um tempo que vínhamos pesquisando e desenvolvendo coisas que vão além dos produtos que tínhamos. Começamos a pesquisar venda por WhatsApp, tivemos muito sucesso no live shopping, no personal shopper, trouxemos muitos clientes para a omnicanalidade. Vimos isso no caso da Decathlon, marca que investiu muito na integração de loja física com a online. Crescemos mais do que a média do mercado no varejo por causa dessas pesquisas e dessas entregas.
Para conseguir crescer a receita em até 27% no ano, vocês vão precisar correr no quatro trimestre, já que rebaixaram o guidance para o terceiro trimestre, certo?
O terceiro trimestre é resultado do primeiro e do segundo trimestres. O mercado não se faz em um só trimestre e acho que ele vem sofrendo o efeito ao longo do ano. Mesmo com o primeiro e o segundo trimestres em um momento ruim, conseguimos manter o nosso guidance. Revisar um pouco abaixo da expectativa do terceiro trimestre eu não vejo como um mau indicador.
O que pensamos para o terceiro trimestre é resultado do que nós vimos nesses dois meses [julho e agosto]. Uma pequena revisão do Q3 está dentro da normalidade.
Da mesma maneira que o guidance do terceiro trimestre não reflete só esse período mas o longo do ano, não vamos correr no quarto trimestre. Já começamos a fazer ajustes e revisão da estratégia que vão se refletir no quarto trimestre. Temos um grau de confiança de que vamos atingir o guidance do ano.
Muitas dessas ações de eficiência já se tornaram públicas. Colocamos foco em produtos mais chefes, deixando um pouco de pesquisa de lado, e com isso conseguimos reduzir um pouco de custo, o que aqui dentro apelidamos de “high-efficiency mode”.
Estamos deixando de lado essas novas descobertas e focando naquilo que sabemos que está dando certo para poder permitir que os nossos clientes surfem novos canais de venda.
Na teleconferência com investidores foi dito que as demissões se traduziriam em pouco mais de US$ 1 milhão em economia por mês. É isso?
Com as demissões e as outras iniciativas de corte de custos, esperamos uma economia de cerca de 10% até o fim do ano. Os layoffs foram um enxugamento dessas iniciativas derivadas que tínhamos, como pesquisas, que não necessariamente morreram, mas que estão congeladas para colocarmos o foco no nosso core business.
As demissões também foram realizadas para a empresa cumprir a promessa de breakeven em 2023?
Os layoffs foram consequência desse enxugamento e da busca de foco. Havia mais gente nessas áreas e, ao enxugarmos, trouxemos pessoas dessas áreas para o nosso foco, enquanto outras foram demitidas. Existe uma economia com essa medida, mas o grande foco foi criarmos essa busca de eficiência reduzindo o gasto de banda mental com coisas que não são efetivamente o nosso negócio.
Acreditam que vão chegar ao breakeven na metade do ano que vem por quais motivos?
Estamos bastante otimistas e trabalhando até para buscar o breakeven antes da metade do ano que vem.
Nos 22 anos da VTEX, em 18 tivemos Ebitda positivo. Tivemos Ebitda negativo em dois anos em que estávamos expandindo pela América Latina e em outros dois anos de expansão na Europa e nos Estados Unidos.
Apesar de a lucratividade ainda ter vindo negativa no segundo trimestre, nós estamos diminuindo o gap. E isso mostra o quanto temos a mão na companhia. Gostamos de jogar o jogo do Ebitda positivo.
Esperávamos ter um pouco mais de tempo gastando dinheiro, gastando dinheiro nessas pesquisas e descobertas que estamos fazendo, afinal de contas, estamos com bastante caixa. Mas resolvemos antecipar o jogo que sempre fizemos, agora que entendemos o que vale mais a pena. Demos uma enxugada e agora voltamos a buscar trazer resultado. Estou confiante de que atingimos o breakeven até um pouco antes da metade de 2023.
Quem tiver um olhar um pouco a longo prazo, não somente do resultado, mas do caminho percorrido nos últimos trimestres, pode montar uma visão do que nós seremos nos próximos trimestres.
Vocês fizeram um programa de recompra de ações?
Nós estamos com um caixa muito robusto e um mercado muito depreciado, abaixo do que acreditamos ser justo. Essa é uma possibilidade. Acreditamos tanto na empresa que, além dos investimentos previstos e dos M&As (fusões e aquisições) que estudamos, essa é uma possibilidade [de uso do caixa]. Se a gente se dispõe a comprar outras empresas no mercado que fazem sentido para a gente, a nossa empresa também faz muito sentido para nós. Por que não investir mais ainda em nós mesmos?
É uma possibilidade, sim.
E essas possíveis aquisições seriam fora do Brasil?
Olhamos para soluções que fazem sentido, que têm uma sinergia muito grande com o nosso futuro desejado, o unified commerce é uma visão que a gente defende há muito tempo. Também levamos em consideração outros fatores como por exemplo a qualidade do time. Em um momento em que as boas pessoas estão empregadas, a gente também olha para isso, além de complementar portfólio, acelerar estratégia de reforçar o time com pessoas de alta performance.
A gente não pode fechar o olho para soluções locais porque eu acredito e defendo que em termos de digital commerce no mundo a América Latina é a região mais bem preparada.
Olhando para o Brasil, vocês enxergam a VTEX como líder?
Eu acredito que hoje, no segmento em que nos propomos a atuar, que é o de grandes empresas, somos o número um no Brasil. Temos nessa categoria um grande market share. Vemos varejistas mudando de grandes plataformas internacionais para a VTEX (a Hering migrou da Oracle, e a Pernambucanas migrou da Magento). Nos últimos anos temos trazido vários clientes das plataformas ditas globais para cá.
Com a queda do market cap de empresas de tecnologia, a VTEX deixou de ser um unicórnio. Como é isso para você?
Natural. Da mesma maneira que não esperávamos nos tornar um unicórnio, somos uma empresa que sempre se preparou para aproveitar oportunidades. Não corremos atrás do IPO, foi a janela que apareceu.
O título de unicórnio não é algo que nos chama a atenção. Isso não mudou nossa forma de trabalhar. Não mudou o nosso foco. Entendemos que isso não é algo relacionado à VTEX, mas ao mercado.
As curvas de market cap de todas empresas de tech são praticamente as mesmas. É uma reação do mercado. A única coisa que podemos fazer é trabalhar para dar ao mercado os sinais corretos de que estamos jogando o jogo que o mercado está enxergando agora.
Esperamos que, com isso, as coisas voltem. Eu não acho que vamos voltar a ver empresas de tech com valuations com múltiplos de 100, 110, 150 vezes. Mas não vamos ver empresas de tech com os múltiplos que estão hoje. Está muito aquém.
Falamos isso no discurso do IPO: nossa proposta é fazer com que os nossos clientes cresçam mais do que o mercado. O número mostrou isso no segundo trimestre. E se cumprimos esse tipo de coisa, o resto é consequência e talvez possamos voltar a ser um unicórnio ou até um pouco mais.
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