Bloomberg Línea — A Hash, fintech de pagamentos brasileira, divulgou recentemente aos clientes que, “devido às condições de mercado adversas”, está encerrando operações com algumas empresas que atendia. Sem runway (tempo em que consegue operar antes de ficar sem dinheiro), a Hash enxugou as operações, encerrou projetos iniciais e desligou cerca de 55 funcionários. A empresa agora considera ser adquirida, segundo uma pessoa familiarizada com as discussões.
A Hash havia recebido um aporte Série C de US$ 40 milhões liderado pela QED Investors e pela Kaszek em outubro de 2021. Agora, com um cenário mais complexo para captação de late-stage (startups em estágios mais avançados), está mantendo apenas alguns clientes (como Leo Madeiras e Banco Neon), de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto, que preferiu não se identificar porque as discussões são privadas.
Para os clientes cujas operações estão sendo suspensas pela Hash, não serão colocadas novas maquininhas de pagamento nas ruas, mas as transações com as já existentes vão continuar, segundo essa pessoa com conhecimento dos fatos.
João Miranda, o CEO da Hash, fundou a empresa em 2017. Antes, ele tinha sido funcionário da Pagar.me, que foi vendida para a Stone em 2016 (a Pagar.me foi a startup fundada por Henrique Dubugras e Pedro Franceschi quando tinham menos de 18 anos, em 2013; depois da venda, mudaram-se para estudar na Universidade Stanford e criaram a Brex, fintech hoje avaliada em US$ 12,3 bilhões).
Escalando a companhia, a Hash transacionou R$ 150 milhões em 2019. E, no ano passado, a empresa tinha sido selecionada entre as 250 principais fintechs de 2021, segundo o CB Insights.
Agora, em modo de sobrevivência, a startup mantém a operação mínima com os principais projetos para tentar reverter a situação enquanto não consegue uma nova rodada. A Hash considera tanto um novo aporte quanto ser adquirida, segundo fonte com conhecimento do assunto.
A Kaszek, empresa argentina de venture capital que é uma das principais investidoras, não comenta o caso.
Para VCs, o problema é outro
Junto com a Monashees, a Kaszek também investe na mexicana Casai. Sem dinheiro, a startup mexicana para estadias curtas negocia uma fusão com a Nomah, conforme a Bloomberg Línea antecipou.
Monashees também é investidora na ZAK, startup para gestão de restaurantes que considerava até um “down round” (captação com um valor mais baixo de ação do que a rodada anterior) para salvar as operações. A empresa fez demissões ao não conseguir novas rodadas.
Mesmo aqueles que já são grandes estão enxugando custos. Ambas as empresas de VC também são investidoras no MadeiraMadeira, startup de e-commerce com valuation bilionário que na terça-feira (9) se juntou à lista de unicórnios brasileiros que demitiram neste ano. O corte foi de cerca de 3% dos funcionários.
“A decisão faz parte de um movimento da empresa de revisar as estruturas com foco em ganhos de eficiência e priorização de projetos, continuando sua estratégia de crescimento e ganho de escala”, disse o MadeiraMadeira, em comunicado à imprensa.
Santiago Fossatti, sócio da Kaszek, disse que a empresa sempre comunicou proativamente os Limited Partners (LPs) - fundos de pensão, family offices etc. que têm seus ativos geridos pelos VCs, fornecendo capital para as startups - sobre qualquer problema com as investidas.
“Eles não nos telefonam porque nós ligamos antes. Assim como ligamos no começo da pandemia, ajustamos muito com os LPs e, em especial, com os empreendedores”, afirmou Fossatti em evento da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) nesta semana, em São Paulo.
A Kaszek alertou empreendedores de suas startups investidas ainda em dezembro de 2021 que os ventos estavam mudando, em especial para a América Latina. Se os empreendedores tivessem como captar, aconselhou que o fizessem, porque poderia faltar dinheiro. “Todas as maiores companhias em que investimos estão muito capitalizadas e, além do crescimento, têm foco em entregar lucro no curto prazo.”
Para o sócio-fundador da Monashees Eric Acher, conviver com uma empresa que não deu certo é algo normal e cotidiano para os VCs. “As empresas não dão certo por muitos motivos diferentes. É muito único. Tentamos entender o que aprendemos com isso, mas o mais importante para nós é não perdemos a próxima grande empresa que será muito grande”, disse Acher durante o evento.
Fossatti afirma que o maior erro de uma empresa de Venture Capital não é investir em uma companhia que deu errado, mas deixar de investir em uma empresa que deu muito certo. “Cometemos alguns desses erros e um caso claro foi o da dLocal (DLO)”, contou sobre a empresa de pagamentos cross-border uruguaia.
A dLocal, com um modelo de negócios similar ao da Stripe, tem a brasileira Ebanx como um dos principais concorrentes no processamento de pagamentos na América Latina. A fintech fez seu IPO na Nasdaq em junho de 2021, com um valuation de US$ 6 bilhões. Hoje, o market cap é de US$ 9,21 bilhões.
“Falamos com eles em 2012, 2013, 2014, 2015 e não investimos. Como fomos tão burros de não entender o potencial que tinha aquela companhia? Isso é o que tira o sono, deixar passar boas empresas”, disse.
M&As para ‘voltar e tentar de novo’
A bolsa brasileira está há quase um ano sem ver uma oferta pública inicial, diante da virada das condições de mercado. Para a Monashees, tanto um IPO local quanto as bolsas americanas são interessantes para startups. Monashees e Kaszek têm ações na GetNinjas (NINJ3), que estreou na B3 em maio de 2021, com um papel precificado a R$ 20,00. Nesta quinta-feira (11), a ação da empresa era negociada a R$ 3,43 no fechamento.
No fim de junho, a Monashees levantou aproximadamente R$ 8,3 milhões com a venda de 3.239.908 ações de sua participação de 8% e agora detém 1.076.813 papéis da GetNinjas. A Monashees foi uma das primeiras investidoras na GetNinjas, junto com a Kaszek, em 2011.
“A janela fechou por questão de tempo de ciclo, mas a oportunidade continua para IPOs de tech. Estamos no começo da história de IPOs no Brasil. Há muito aprendizado dos investidores sobre como avaliar essas empresas, e dos empreendedores, sobre o que é listar uma empresa. Foi importante ter essa primeira geração”, disse Acher.
Em um momento em que a janela para oferta pública inicial está “complexa”, ele sugere que pode ser interessante ter mais operações de M&As (fusão & aquisição) no portfólio.
Já Fossatti disse que a Kaszek não quer investir em uma companhia e vender. “O que nos move é ajudar a construir algumas das poucas companhias que serão as líderes na América Latina. Queremos sonhar com a empresa que vai valer US$ 10 bilhões. Queremos que todas façam IPO na Nasdaq”, disse Fossatti, embora reconheça que 90% dos empreendedores não chegarão até lá. Por isso, diz que é importante também ter o caminho de IPO no Brasil, além de M&As para “voltar e tentar de novo”.
-- Texto atualizado para corrigir grafia do nome do sócio da Monashees e para atualizar os investidores da ZAK
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