O copo meio vazio do resultado - elogiado pelo mercado - do Banco do Brasil

Aposta do banco estatal em linhas mais rentáveis, como a de cartão de crédito em ‘mar aberto’, veio acompanhada de forte alta da inadimplência no produto

Apesar do aumento dos atrasos de clientes no pagamento do cartão de crédito, o BB espera continuar crescendo nessa linha de produto
11 de Agosto, 2022 | 05:19 PM

São Paulo — As ações do Banco do Brasil (BBAS3) dispararam 4,65% nesta quinta-feira (11), em reação de investidores ao resultado do banco estatal no segundo trimestre, divulgado na noite de ontem.

Analistas elogiaram o aumento da rentabilidade e a revisão para cima do guidance (projeção) anual para os lucros e a carteira de crédito e para baixo das provisões, em cima de números que superaram as estimativas - e o banco já tinha as projeções mais otimistas entre os seus pares.

Mas houve também espaço para preocupação por parte de investidores e analistas, especialmente no tema obrigatório nesta safra de balanços dos grandes bancos de varejo: a inadimplência.

Na teleconferência do Banco do Brasil nesta quinta, um analista do Bank of America destacou em pergunta à direção do banco que o índice de atrasos no pagamento de faturas de cartão de crédito praticamente dobrou em 12 meses, saindo de quase 4% para 8% no segundo trimestre.

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O aumento significativo da inadimplência nessa linha de produto no segundo trimestre ocorreu após o BB anunciar uma investida no chamado “mar aberto”, referência do mercado à estratégia de capturar novos clientes, não-correntistas, que apresentam um risco maior de calote, pois não possuem vínculo anterior nem histórico de transações com o banco. O BB havia tomado essa decisão de ampliar sua presença no segmento de cartões de olho nas maiores margens de lucro associadas ao produto.

Em resposta, executivos do banco estatal descartaram um risco de piora da qualidade de sua carteira de crédito, apontando medidas como o maior controle na emissão de cartões.

No segundo trimestre, o BB lucrou R$ 7,8 bilhões, aumento de 55% em 12 meses e acima das expectativas do mercado, refletindo uma forte geração de receitas, apoiada por ganhos com títulos públicos atrelados aos juros, controle de despesas e resultados de participações acionárias.

O ROE (retorno sobre patrimônio) atingiu 20,6%, maior patamar em 10 anos. Há um ano, esse indicador de rentabilidade estava em 17%.

Durante a teleconferência, o analista do BofA também observou que o BB conseguiu uma taxa de crescimento forte, superior a 50% em cartões, mas ficou em dúvida sobre se o aumento da inadimplência em velocidade maior reduziria o apetite do banco em explorar essa linha de negócio.

Vamos continuar crescendo em algumas linhas que apresentam maior risco e maior margem financeira, no entanto, com um aprendizado contínuo para ajustar modelos de crédito altamente qualificados, fruto de investimentos de muitos anos”, disse o CEO do BB, Fausto Ribeiro.

Gestão do risco de crédito

Ricardo Forni, CFO do BB, acrescentou que a gestão de risco de crédito está atuante, recalibrando modelos de avaliação de risco após o banco ter identificado o avanço da inadimplência no segmento de cartões em um cenário de inflação e juros elevados e consequente corrosão da renda dos consumidores.

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“Acreditamos nos cartões como um dos carros-chefes na evolução da mudança do mix de produtos. O BB demorou um pouco a entrar no ‘mar aberto’, um mercado que tem peculiaridades, em que o perfil do público é diferente. A velocidade com que a inadimplência evoluiu veio antecipada em relação a nossas expectativas, mas já estamos em um trabalho intenso de refinamento dos modelos de crédito para manter a qualidade da carteira como um todo adequeda”, comentou o executivo.

Paula Teixeira, vice-presidente de controles internos e gestão de riscos do BB, complementou citando que a maior inadimplência em cartões é reflexo da estratégia de apostar em linhas mais rentáveis.

É natural que a inadimplência em cartões ocorra numa velocidade mais rápida que a dos demais produtos, pois entramos nesse mercado de buscar novos clientes que não são correntistas. Estamos estudando e revisitando nossos modelos, com uso intensivo de dados de diversos bureaus, para que se faça a calibração e encontre um ponto de equilíbrio. E temos uma estratégia vencedora de cobranças”, disse.

Adolescentes e universitários

O aumento da presença no segmento de cartões de crédito ocorre no momento em que o BB busca atrair mais o público jovem para seus canais digitais. O BB acaba de fechar um acordo com a startup Yours Bank, um banco digital para menores de 18 anos, com opção de aumentar participação acionária na fintech no futuro.

“Queremos rejuvenescer nossa base de clientes para ter perenidade, buscando um posicionamento maior com o público mais jovem. Queremos que o público de 14 a 18 anos tenha uma percepção financeira e que o BB acompanhe eles por toda a sua vida financeira”, disse o CEO do banco público.

Ele citou ainda o foco no público universitário, acima de 18 anos, para a abertura de contas com a instituição, com um crescimento de 56% em seis meses.

UBS e guidance

Além da Geração Z, o banco mais antigo do Brasil, fundado ainda no período imperial, em 1808, vai buscar aumentar o potencial de negócios com clientes do segmento private e de comércio exterior por meio de parcerias e oferecer soluções para correntistas no exterior.

O CEO destacou que a BB Securities assinou carta de intenções não vinculante com o UBS para aprofundar as discussões sobre potencial acordo comercial de prestação de serviço de gestão de patrimônio offshore e expertise em investimentos para clientes private.

Aém da inadimplência no segmento de cartões e da nova parceria, a apresentação do balanço do BB para os analistas trouxe uma revisão positiva de guidance para o crescimento da carteira de crédito do banco em 2022, entre outros indicadores. Veja a seguir as principais mudanças de guidance:

  • Lucro líquido de R$ 27 bilhões a 30 bilhões (versus R$ 23 bilhões a 26 bilhões anteriormente)
  • Crescimento do lucro líquido de 13,0% a 17,0% (11,0% a 15,0%)
  • Crescimento da carteira de 12,0% a 16,0% (8,0% a 12,0%)
  • Crescimento das receitas de tarifas de 6,0% a 9,0% (4,0% 8,0%)
  • Despesas de provisão de R$ 14,0 bilhões a 17,0 bilhões (de R$ 13,0-16,0 bilhões).

A visão de analistas

Analistas do Bradesco BBI e da Ágora Investimentos destacaram que o o lucro do BB ficou acima da estimativa de consenso de mercado.

“O resultado com intermediação financeira (NII) apresentou outra forte expansão, uma vez que os ganhos de tesouraria foram beneficiados pela remuneração do passivo, enquanto o teto de remuneração da caderneta de poupança beneficiou os custos de captação.”

“Além disso, as despesas de provisão ficaram abaixo do esperado, devido a uma reavaliação das linhas de crédito originadas nos últimos dois anos, enquanto o custo do risco se deteriorou apenas 0,10 ponto percentual, em linha com nossa estimativa”, destacaram em relatório a clientes.

A equipe de analistas do Bradesco BBI e da Ágora também mencionou que as receitas com a cobrança de tarifas apresentaram um forte desempenho, refletindo uma melhor gestão de ativos e operações de crédito/garantia, enquanto as despesas operacionais permaneceram “amplamente sob controle”.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.