Por que o compartilhamento de jatos se tornou a nova aposta do setor aéreo

Anac facilita propriedade compartilhada de aeronaves, que podem ser divididas por até 16 cotistas, e mercado amplia oferta. Entenda como funciona

Jato executivo PC-24, que será apresentado na Labace, maior feira de aviação de negócios da América Latina, nesta semana em São Paulo
07 de Agosto, 2022 | 12:46 PM

São Paulo — Um jatinho para chamar de seu. O sonho de consumo de muitos brasileiros endinheirados está mais próximo - ou menos distante - graças ao desenvolvimento do mercado de compartilhamento de aeronaves, com um empurrão providencial da agência reguladora do setor, a Anac. Empresas especializadas fazem planos para explorar as oportunidades, que devem ser um dos destaques da edição deste ano da Labace, a maior feira de aviação de negócios na América Latina, que será realizada nesta semana em São Paulo.

É o caso da Amaro Aviation, empresa de aviação executiva que trabalha com compartilhamento de aeronaves e gestão de frota. Marcos Amaro, CEO e fundador da companhia, revelou à Bloomberg Línea o plano de aquisição de novos aviões, de olho no interesse crescente de pessoas físicas e de empresas de setores como varejo, energia e franquias em adquirir cotas de aeronaves.

“Hoje o mercado brasileiro é composto por cerca de 700 jatos executivos. Menos de 1% é de aeronave compartilhada. Nos EUA, são cerca de 10 mil jatos, e metade disso é de avião compartilhado. Ou seja, o potencial no Brasil é enorme”, disse Marcos Amaro, que é filho do empresário Rolim Amaro, fundador da TAM Linhas Aéreas, que faz parte da Latam Airlines há cerca de 15 anos.

A Avantto, concorrente da Amaro Aviation, diz que há faltam jatos particulares novos para compra no mercado e que isso tem levado clientes de alto poder aquisitivo a procurar cada vez mais o serviço de compartilhamento de aeronaves executivas.

PUBLICIDADE

“Se antes [da pandemia] o investimento em um jato Phenom 300 seria da ordem de R$ 50 milhões, com a compra de cotas para compartilhamento esse valor cai para R$ 6,3 milhões. Isso sem contar a importante redução dos custos mensais”, explicou Rogério Andrade, CEO da Avantto.

Em outubro de 2021, entraram em vigor as novas regras para o modelo de compartilhamento de aeronaves após a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) publicar a Instrução Suplementar (IS) nº 91-013A, norma que detalha orientações sobre como obter a certificação, os prazos e a documentação.

Em fevereiro, acabou o prazo para que operadores que atuam com compartilhamento apresentassem a documentação. “A nova regulação possibilita a venda da fração de uma aeronave”, afirmou o CEO da Amaro.

A nova norma permite que o valor da aeronave seja dividido em até 16 cotas. “Os custos fixos são rateados, e o investimento se torna melhor de acordo com a necessidade de cada cotista. Gostamos de trabalhar com um 1/8 da aeronave, equivalente a 125 horas de utilização por ano”, disse.

Antes da nova regra, os interessados em adquirir cotas de uma aeronave eram obrigados a formar uma cooperativa. “A nova regulamentação avançou. Agora você pode obter o registro aeronáutico brasileiro (RAB) como pessoa física e declarar no Imposto de Renda”, afirmou o executivo.

Até 32 cotistas para um helicóptero

As novas regras preveem ainda limitação de 32 cotas para helicópteros, definição de responsabilidades legais sobre a operação das máquinas e exigências mais rigorosas para o treinamento dos pilotos, a manutenção de aeronaves e os sistemas de segurança operacional.

“Nós oferecemos há muitos anos o compartilhamento de aeronaves e sabemos o quanto essa certificação é importante para fomentar o setor que está em plena expansão”, disse o CEO da Avantto.

PUBLICIDADE

Segundo os empresários do setor, a regulamentação brasileira de compartilhamento de aeronaves passou a seguir regras semelhantes às adotadas pela autoridade de aviação civil dos Estados Unidos, a FAA (Federal Aviation Administration), mas com adaptações à realidade nacional.

Parcerias com grandes companhias

A indústria de aviação executiva espera um aumento expressivo em adesões ao novo modelo, acompanhado de mais investimentos. A Amaro Aviation, por exemplo, conta com duas aeronaves na frota compartilhada: um jato executivo PC-24 e outro um PC-12 NGX, da fabricante suíça Pilatus Aircraft. O plano é dobrar o número nos próximos anos, adquirindo outros PC-24 e PC-12 NGX.

A empresa planeja também estrear na aviação regional com a marca fantasia Alfa Air, pendente de aval da Anac. Para isso, anunciou quatro aquisições: um Phenom 300E, da Embraer, que deve chegar à frota em 2024, e três aeronaves Grand Caravan EX, da Cessna, cujas entregas devem ser no segundo trimestre de 2023. O plano é buscar parcerias com as principais companhias aéreas.

“Podemos oferecer às líderes do mercado a nossa operação para ajudá-las na distribuição da própria malha aeroviária delas, incrementando o número de municípios atendidos”, disse Amaro.

Custo mensal mais baixo

A Avantto, que divulga ter mais de 450 usuários ativos e realizar mais de 1.400 decolagens mensais (entre jatos e helicópteros), estima que o compartilhamento de aeronaves pode representar uma economia de até 95% na aquisição de uma aeronave e de até 90% na despesa mensal.

“A opção por voar a partir de um investimento com custos mais racionais atende a uma demanda moderna em que o conceito da posse deixa de ser tão essencial”, avaliou Andrade.

A fila de espera por uma aeronave nova chega a mais de dois anos. O executivo disse que a pandemia fez a indústria aeroespacial retrair as linhas de produção, e a retomada foi lenta por causa dos processos complexos de produção de peças. A quebra das cadeias de suprimentos globais afetou a produção e a manutenção dos aviões, com drástico aumento na demanda por aeronaves usadas.

“Em 2021, mesmo com toda a crise causada pela pandemia, houve um aumento de 58% em relação ao ano anterior no volume de horas voadas nas aeronaves administradas pela companhia. Já em comparação com o ano de 2019, pré-pandemia, esse aumento foi de 30% no volume de voos.”

Como funciona o modelo

Outra player no segmento de compartilhamento de aeronaves no Brasil é a Prime You, que conseguiu a nova certificação no mês passado.

O proprietário da cota pode escolher o período e a data em que deseja utilizar a aeronave. No caso dos jatos da Prime You, eles são compartilhados por três cotistas, disse Marcus Matta, CEO e fundador.

“No modelo de propriedade compartilhada, mesmo que a aeronave esteja em manutenção ou até mesmo voando com outro cotista, o usuário do sistema pode ter a sua disposição outra aeronave da frota para voar”, explicou. Além disso, a empresa cuida da gestão da aeronave, incluindo a contratação de tripulação, o serviço de hangar, a manutenção e a gestão.

Segundo o CEO da Prime You, destinos de lazer no sul da Bahia e no litoral dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo estão entre mais frequentes, enquanto deslocamentos mais curtos são utilizados para viagens de negócios e para evitar engarrafamentos de carros e buscar segurança no trajeto.

(Atualiza às 18h30 no dia 9/8 com informação de que a Prime You recebeu a nova certificação)

Leia também

Terminal VIP do Aeroporto de Guarulhos será construído com capital externo

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.