Bloomberg Opinion — O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, insiste que o mercado de trabalho apertado nos Estados Unidos não é o principal culpado pela alta inflação atual; em vez disso, ele aponta outros fatores como os preços das commodities, os problemas da cadeia de abastecimento e a guerra na Ucrânia. Em vez de ser uma fraqueza, ele afirma que a demanda por trabalhadores escassos é um sinal de que a recessão ainda não chegou. Por mais correto que ele possa estar em ambas as afirmações, a persistente escassez de trabalhadores pode ser um problema muito grande no longo prazo.
Durante dois anos antes da pandemia – e nos últimos 11 meses –, as vagas de emprego excederam o número de pessoas procurando trabalho. Tem sido um fenômeno não visto em dados desde o ano 2000. No curto prazo, isso pode ser saudável, proporcionando um impulso raro e muito necessário nos salários e persuadindo pessoas, como os desempregados, a voltar ao mercado de trabalho. Ao aumentar a oferta de trabalhadores, a demanda em excesso acaba.
Contudo, desta vez, a parte saudável não está acontecendo. Os salários estão subindo, mas não há pessoas suficientes voltando para a força de trabalho. Em junho, a taxa de participação da força de trabalho adulta era de cerca de 62%, ante 67% em 2000 e equivalente ao nível de meados da década de 1970. Isso faz com que nos perguntemos se os Estados Unidos estão passando por uma escassez de trabalhadores a longo prazo, o que, se for verdade, poderia minar o potencial produtivo do país.
Os EUA se orgulham de sua ética de trabalho, um zelo cultural refletido em políticas sociais como a exigência de um emprego para receber vale-alimentação do governo e bônus fiscais para mães solteiras empregadas. No ano passado, o Congresso americano encerrou a expansão do crédito fiscal por filho – que tirou cerca de 3,7 milhões de crianças da pobreza – com a preocupação de que isso poderia levar uma pequena fração dos pais a trabalhar menos. Então, por que não há mais pessoas trabalhando?
A demografia é um obstáculo fundamental: os baby boomers estão envelhecendo e deixando a força de trabalho, o que deve ocorrer até 2029, quando os últimos fizerem 65 anos. Uma composição geracional desequilibrada da força de trabalho está além da influência política; mesmo que alguns baby boomers posterguem sua aposentadoria, isso não vai impedir os problemas gerais.
Mas a força de trabalho também tem problemas com a própria fraqueza estrutural. Muitas pessoas enfrentam barreiras para o emprego que não conseguem remover sozinhas.
As mulheres, por exemplo, poderiam participar mais se os EUA adotassem políticas – como licença remunerada, assistência infantil gratuita e o direito ao trabalho em meio período – que a maioria dos países industrializados adota há 25 anos.
Negros também enfrentam obstáculos bem documentados, como a discriminação durante a contratação, castigos desproporcionais na escola e encarceramento desproporcional. Pessoas com deficiência normalmente precisam de acomodações razoáveis que os empregadores são legalmente obrigados a oferecer.
Também temos o caso dos imigrantes. Nos EUA, são 45 milhões deles – 17% da força de trabalho. No entanto, nos 36 anos desde que o Congresso adotou a Lei de Controle e Reforma da Imigração de 1986, os legisladores não resolveram os problemas enfrentados por futuros imigrantes que querem trabalhar, as regras de vistos que limitam a capacidade de trabalho dos atuais imigrantes e o limbo legal de grandes grupos como os de filhos de imigrantes legais que ainda não receberam seu green card.
É fácil culpar a pandemia pela atual escassez de trabalhadores, mas isso não explica os problemas antigos na participação deles na força de trabalho. Os ventos desfavoráveis da evolução da demografia podem explicar o fenômeno, mas não oferecem uma solução sustentável.
Se os EUA desejam evitar uma escassez mais longa, deveriam analisar quais políticas abordar para melhorar o panorama. O histórico do país envolve oferecer benefícios e infligir punições, mas este é um problema que não será possível resolver dessa forma. Talvez encontrar trabalhadores seja simples – basta dar uma chance a quem quer trabalhar.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Kathryn Anne Edwards é economista na Rand Corp. e professora na Pardee Rand Graduate School.
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