Bloomberg — As sanções econômicas lideradas pelos Estados Unidos contra Moscou são um erro político que aumenta o risco de uma ameaça nuclear, afirmou o embaixador Celso Amorim, principal conselheiro de política externa de Luiz Inácio Lula da Silva.
Amorim, que liderou o Ministério das Relações Exteriores durante os dois mandatos de Lula, alertou para os perigos de isolar uma economia “tão grande e estratégica” quanto a da Rússia, explicando por que o ex-presidente não endossaria tais posições diplomáticas se eleito em outubro.
Pela primeira vez desde a crise do mísseis de Cuba entre EUA e a ex-União Soviética, nos anos 1960, Amorim diz estar preocupado com um risco nuclear real. “Toda semana sai um artigo sobre o uso de arma nuclear. Acho uma irresponsabilidade não se buscar a paz de maneira mais efetiva.”
Quase seis meses após a Rússia invadir a Ucrânia, o conflito na Europa Oriental continua longe de seu fim, com países membros da Otan mantendo o envio de armas a Kiev e impondo grandes sanções econômicas a Moscou.
Em maio, Lula causou polêmica ao dizer à revista Time que Volodymyr Zelenskiy, da Ucrânia, e Joe Biden, dos EUA, compartilham parte da culpa pela guerra, pois acredita que os dois líderes não conseguiram negociar mais com Moscou.
Amorim agora vê as armas nucleares como uma ameaça tão tangível quanto as do clima, da desigualdade social e econômica e da pandemia. As sanções também estão fortalecendo os laços entre Moscou e Pequim, acrescentou.
“Não tenho nada contra a China, pelo contrário, mas não consigo entender o interesse dos países ocidentais, especialmente dos Estados Unidos, em fortalecer a relação China e Rússia”, disse o embaixador em entrevista à Bloomberg, em São Paulo, esta semana.
Segundo o ex-chanceler, o sentimento anti-Ocidente pode se materializar de uma forma ou de outra nas próximas décadas. “Não tem condição de isolar a Rússia”, disse. “Ou você vai transformá-lo num país cujo rancor com o ocidente vai ser cada vez maior, ou concomitantemente, vai fazê-lo se aproximar cada vez mais da China.”
Lula, se eleito, poderia assumir um papel de liderança nas negociações de paz globais, afirmou o mais longevo chanceler brasileiro, sinalizando que o país retomará sua política externa de neutralidade e resolução pacífica de conflitos.
Na América Latina, o petista reorganizaria o Mercosul, ao mesmo tempo em que restabeleceria relações diplomáticas normais com a Venezuela, assim como o presidente eleito Gustavo Petro está fazendo na Colômbia.
“Como é que vai fazer um programa para a Amazônia sem a Venezuela?”, afirmou. “Ter relações diplomáticas não significa aprovar um governo.”
Isso demarcaria o afastamento da política externa adotada pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo governo se juntou aos EUA e uma dúzia de outros países ao não mais reconhecer Nicolás Maduro como presidente da Venezuela.
Imagem do Brasil
Um dos mais urgentes desafios de Lula, no entanto, seria reconstruir a imagem do Brasil no exterior depois de ter sido atingida pelas posições polêmicas de Bolsonaro sobre meio ambiente, pandemia, direitos humanos e racismo, disse Amorim.
Isso exigiria não apenas palavras, mas gestos concretos, como a nomeação de enviados especiais capazes de realizar discussões de alto nível sobre agenda climática e de direitos dos povos indígenas com outros ministros e chefes de Estado, disse ele. “Talvez também uma carta do presidente Lula falando a líderes mundiais”, citou.
“Atravessaremos essa ponte quando chegarmos lá”, respondeu Amorim, ao ser questionado se voltaria ao Ministério das Relações Exteriores. Ele disse que Lula saberá escolher a pessoa certa para o cargo.
“Eu jamais me recusarei ao que o presidente Lula achar que precisa, mas ninguém é indispensável”, respondeu. E brincou: “Se o Lula for eleito e me der uma sala no fundo do Planalto e me chamar para tomar um cafezinho de vez em quando eu estou feliz.”
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