São Paulo — As perspectivas são favoráveis para o setor de consumo de alta renda. Dois dos maiores grupos de shoppings centers dedicados a esse estrato da população - Iguatemi (IGTI11) e Multiplan (MULT3) - apresentaram expectativas de crescimento para o segundo semestre, além de resultados trimestrais que mostram, em alguns casos, números até superiores aos patamares pré-pandemia.
A aposta tem respaldo em projeções de gastos maiores dos consumidores com eletrodomésticos (como TVs e smartphones 5G, por exemplo) e artigos esportivos (como camisas de seleções) com a Copa do Mundo do Catar, em novembro e dezembro, e a temporada de promoções com a Black Friday.
Executivos das duas companhias expressaram à Bloomberg Línea uma dose de otimismo ainda com a nova rodada de liberação de programas de transferência de renda, como o Auxílio Brasil, ainda que os riscos de recessão da economia mundial ensejem alguma dose de cautela.
“Apostamos no segundo semestre como datas importantes o Natal, a Black Friday e a Copa do Mundo. Há sempre a corrida para comprar TV e artigos esportivos e isso gera fluxo na praça de alimentação e nos restaurantes. Essa é a fotografia da oferta e da demanda, mas há também cautela nessa visão. Ainda estamos em um cenário de juros elevados e inflação, embora o ambiente econômico seja saudável”, disse o CFO do Iguatemi, Guido Oliveira, à Bloomberg Línea.
No segundo trimestre, o lucro líquido ajustado de R$ 55,4 milhões (+166,7% em base anual) divulgado pelo Iguatemi foi impactado pela onda de correção negativa das ações do setor de tecnologia. A companhia tem uma participação acionária de 11,2% na Infracommerce (IFCM3), cuja ação acumula queda de 61% no ano. Com o tombo, o Iguatemi registra um prejuízo líquido de R$ 133,305 milhões.
“Vamos manter nossa participação na Infracommerce, pois o cenário de alta de juros é momentâneo, e acreditamos na recuperação das cotações”, disse Oliveira.
Na Multiplan, a redução da margem Ebitda refletiu o peso de maiores despesas com processos jurídicos e com marketing, principalmente com eventos culturais, como a exposição sobre as obras de Van Gogh. Houve ainda despesas para promover um novo shopping no Rio e margens menores na locação de shoppings e torres comerciais. Os juros elevados também freiam a valorização das propriedades.
Para o CFO da Multiplan, Armando d’Almeida Neto, há sinalizações de continuidade do aquecimento das vendas do varejo de luxo no último trimestre com eventos fora de época do porte da Copa do Mundo, em novembro e dezembro.
“Nos dois primeiros dias de agosto, já sentimos o início de um otimismo para o segundo semestre. Os programas de auxílio vão incentivar a economia, e a inflação pode ficar mais controlada. Estamos cercados de recordes de vendas nos melhores trimestres de nossa história”, explicou.
O fluxo de veículos nos shoppings da Multiplan também aumentou no segundo trimestre, com receita de estacionamento de R$ 61,3 milhões no período, um aumento de 91,3% na base anual e de 13,1% em relação ao segundo trimestre de 2019, pré-pandemia, conforme as operações e a programação dos eventos retornaram ao seu ritmo habitual.
O lucro líquido da Multiplan quase dobrou em 12 meses, para R$ 172,6 milhões no trimestre, alta de 84%, beneficiando-se da maior receita líquida, apesar das despesas financeiras mais elevadas, em consequência das taxas de juros mais altas comparadas aos níveis de 2019. O primeiro semestre bateu recorde com lucro líquido de R$ 344,1 milhões (+145,7% em um ano e +66,1% em relação a 2019).
Os lucros apresentados reforçaram a leitura de que o setor está virando a página da pandemia, amparado pela expansão do consumo de artigos de luxo e a maior demanda por marcas internacionais, um segmento social que costuma sustentar o nível de renda mesmo em períodos de choques externos. O percentual de lojistas em atraso com o aluguel nos shoppings caiu em relação ao período de rigor nas medidas de isolamento social e restrições à mobilidade na crise sanitária.
A volta da realidade de shoppings lotados se reflete nos balanços. Taxas de crescimento de receitas na casa dos dois dígitos refletem a melhora do fluxo de consumidores e a redução da inadimplência com a locação das unidades, afastando-se dos picos da pandemia. Há ainda a tendência positiva para elevar o faturamento em momentos históricos, como a realização de um campeonato mundial de futebol no verão do hemisfério sul, segundo analistas.
A visão de analistas
Um relatório da XP destacou que a Multiplan apresentou resultados fortes e praticamente em linha com estimativas, impulsionados por um aluguel mesmas lojas (SSR) mais forte do que o esperado, atingindo +59,5% vs. 2T19, representando um crescimento real de +2,5% vs. 2019 e +19,9% vs. 2T21.
“A receita de locação vinda dos shoppings cresceu +49,6% em relação a 2019, impulsionada pelo efeito do reajuste do IGP-DI (+55,6% no período)”, comentou a equipe de analistas da XP.
“Além disso, a receita de estacionamento atingiu patamares sólidos de R$ 61,3 milhões (+13,1% vs. 2019 e +91,3% vs. 2T21), e o fluxo de veículos atingiu 95,3% dos níveis de 2019, abrindo espaço para novas melhorias nos próximos trimestres. Dito isso, a receita líquida veio forte, atingindo R$ 437 milhões (+58% A/A e +34% vs. 2T19), e majoritariamente em linha com estimativas”, diz o relatório, que reforça o papel da Multiplan como preferido do setor, com recomendação de compra e preço-alvo de R$ 28,00/ação.
Mutiplan e Iguatemi não devem ser os últimos a entregar resultados positivos. “Todo o setor deve apresentar uma recuperação significativa das vendas, com manutenção da taxa de ocupação e um indicador melhor de inadimplência líquida, o que resultará em um aumento da geração de caixa, crescimento de SSR e redução dos descontos. Entretanto, os empreendimentos com público de alta renda e mais maduros devem apresentar crescimento de vendas acima da média devido à resiliência de consumo”, disse o analista Raul Grego, da Eleven.
A JHSF (JHSF3) divulga resultado no próximo dia 11, após o fechamento do mercado.
Para Lana Oliveira Gomes dos Santos, especialista em renda variável da Acqua Vero Investimentos, a economia ainda enfrenta um cenário macroeconômico desafiador para o setor de consumo e gastos discricionários, com alta inflação e taxas elevadas de juros, mas já se pode observar uma certa recuperação impulsionada pela poupança das famílias (em especial as de alta renda).
“Alguns indicadores operacionais do Iguatemi já mostram não apenas a recuperação, mas a superação dos níveis pré-covid dos indicadores operacionais da empresa. O indicador de vendas na mesma loja (SSS), por exemplo, cresceu 31% em relação ao mesmo trimestre de 2019. Além das vendas, o Iguatemi reduziu em 2,3% sua inadimplência nos aluguéis, indicando que conseguiu colocar em dia muitos débitos atrasados dos lojistas neste trimestre”, disse Gomes.
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