Bloomberg Opinion — Junto com algumas mudanças menos bem-vindas, a pandemia de covid-19 trouxe a muitos americanos um alívio das pressões do tempo. O tempo médio de sono aumentou cerca de 10 minutos por dia em 2020, e o tempo dedicado a atividades esportivas e de lazer aumentou cerca de 32 minutos, segundo a Pesquisa Americana sobre o Uso do Tempo realizada pelo Departamento de Censo em nome do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos.
Dados lançados recentemente para 2021 mostram uma aparente reversão (embora não totalmente) para as normas pré-pandemia. Há alguns problemas de comparabilidade porque a pesquisa de 2020 foi interrompida pelo início da pandemia. Além disso, há diferenças sazonais na atividade de lazer, e o Departamento de Estatísticas do Trabalho acabou publicando apenas os resultados de maio a dezembro.
Mas esses problemas não são tão grandes: as comparações de 2019-2020 têm como base dados de maio a dezembro de ambos os anos, e os números trimestrais disponíveis para o tempo dedicado à TV mostram um grande pico no inverno de 2020-2021 e depois uma queda no quarto trimestre de 2021 que levou o índice ao patamar mais baixo de todos os quartos trimestres desde 2007 – uma mudança que deixou sua marca nos preços das ações da Netflix (NFLX), da Walt Disney (DIS) e outros.
Um problema mais sério com essas estatísticas de tempo, principalmente a modesta tendência de crescimento no tempo de lazer que eles apresentavam mesmo antes da pandemia, é que a população dos EUA continua envelhecendo. Idosos têm muito mais tempo de lazer que todos os outros, o que poderia estar impulsionando o aumento do tempo de lazer em geral.
Com certeza, se você fizer a separação por faixa etária, não está claro que houve qualquer aumento no tempo de lazer desde a primeira pesquisa de uso do tempo em 2003. Das faixas etárias menores para os quais o Departamento de Estatísticas do Trabalho oferece dados históricos, metade (aqueles com 25-34 anos, 55-64 anos e 65 anos ou mais) apresentaram aumento no tempo de lazer desde então e metade (aqueles com 15-24 anos, 35-44 anos e 45-54 anos) apresentaram diminuição. A maioria das mudanças foram tão pequenas que poderiam ser apenas erros de amostragem. Mas esse não é o caso do grupo com o maior declínio no tempo de lazer desde 2003, e que já tinha a menor parcela de tempo desde o começo.
Estou falando da faixa etária de 35 a 44 anos, que normalmente têm filhos pequenos e estão em uma fase decisiva e estressante de suas carreiras. Em 2003, eu fazia parte desse grupo e lembro que me sentia sobrecarregado quase constantemente. Juro que vai melhorar: as medidas de bem-estar subjetivo indicam que, nos EUA e em muitos outros países, o índice se desvaloriza quando as pessoas estão do meio para o final de seus 40 anos e logo depois começa a melhorar.
Enquanto isso, as pressões sobre os americanos de 35 a 44 anos parecem estar piorando. Eles perderam mais de 16 minutos em média de tempo de lazer diário desde 2003 – nem a pandemia significou descanso.
Para onde esse tempo perdido foi? Principalmente para trabalho, sono e filhos. Confira o que aconteceu desde 2003 com as 12 categorias abrangentes nas quais o Departamento de Estatísticas do Trabalho divide o uso do tempo (os números deveriam somar zero, mas isso não acontece devido a arredondamentos).
O aumento do tempo dedicado a cuidados pessoais parece positivo, mas há ressalvas. Trata-se principalmente do aumento do tempo de sono, que na contabilidade da pesquisa inclui “períodos de insônia”, e vem crescendo desde 2019 devido ao aumento de 4,8 minutos no tempo de “autocuidado relacionado à saúde”, que se deu claramente devido à pandemia e não é um acontecimento positivo.
Quanto ao tempo dedicado ao trabalho, ele inclui o tempo de deslocamento ao trabalho – que caiu 5,4 minutos de 2019 a 2021 graças à mudança para o trabalho remoto induzida pela pandemia. Isso significa que o tempo de trabalho não relacionado a deslocamento para pessoas de 35 a 44 anos de idade aumentou quase 25 minutos desde 2003. Enquanto isso, o aumento do tempo gasto para cuidar e ajudar familiares foi inteiramente dedicado aos filhos, que ocuparam 11,4 minutos a mais por dia em 2021 do que em 2003, ao passo que o tempo gasto para cuidar de outros familiares caiu.
Do outro lado da balança, foram 12 minutos a menos por dia dedicados à compra de produtos e serviços, certamente um resultado da ascensão do comércio eletrônico. Esse efeito é aparente em todas as faixas etárias, embora os americanos de 35 a 44 anos tenham empatado com os de 55 a 64 anos no que diz respeito às maiores economias de tempo. A queda no tempo gasto em atividades organizacionais, cívicas e religiosas, o que não parece ser um acontecimento tão importante, é aparente e estatisticamente significativo em todas as faixas etárias, exceto para americanos de 65 anos ou mais, mas é de longe a maior para o grupo de 35 a 44 anos.
Chegamos ao tempo de lazer. Os 16 minutos perdidos podem não parecer muito, mas essa é uma média diária que chega a até 98,6 horas por ano. Multiplicando essa média por 43,4 milhões de americanos na faixa etária em meados de 2021, chegamos a quase 4,3 bilhões de horas de lazer perdidas no ano passado. Agora parece bastante.
Se você observar o gráfico que mostra o tempo de lazer dessa faixa etária ao longo dos anos, os números vêm caindo principalmente desde 2012. O que poderia ter causado isso? Meu palpite é que esse é um efeito secundário dos males econômicos do país durante e imediatamente após a Grande Recessão, quando a maioria dos que agora têm entre 35 e 44 anos estavam na faixa dos 20 e poucos anos e estavam começando a vida adulta. Tentando começar, na verdade: o terrível mercado de trabalho forçou muitos a voltar para os estudos, para a casa dos pais e/ou atrasou a compra de casas e a constituição de famílias. Desde então, esses americanos vêm tentando correr atrás do prejuízo, o que causou certo caos em suas rotinas diárias.
Vendo pelo lado positivo, isso pode representar uma recuperação no tempo de lazer de futuros jovens de 35 a 44 anos que não enfrentaram adversidades econômicas durante seus 20 anos. Contudo, por enquanto, isso significa que os americanos nessa faixa etária realmente estão especialmente pressionados pelo tempo. Então, seja gentil com aquele conhecido que está entre os 35 e 44 anos. Ofereça ajuda com seus filhos.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Justin Fox é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre negócios. Foi diretor editorial da Harvard Business Review e escreveu para a Time, Fortune e American Banker. É autor de “O Mito dos Mercados Racionais”.
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