Bloomberg Opinion — Muitas pessoas detestaram a proposta do Google (GOOGL) de permitir que e-mails de campanhas políticas evitem ser direcionados para a caixa de spam de usuários do Gmail. A controvérsia surgiu depois que o Google solicitou à Federal Elections Commission (FEC, na sigla em inglês), órgão regulador eleitoral dos Estados Unidos, uma orientação sobre a legalidade de um “programa piloto” para facilitar o contato das organizações políticas com os eleitores. A FEC prorrogou o prazo para comentários públicos até 5 de agosto, e as respostas até agora deixam claro que a ideia não tem muitos adeptos entre os usuários do Gmail.
Alguns exemplos:
“Sinceramente, não quero nenhum e-mail que mencione política ... até mesmo se vierem de meus próprios familiares ... alguns parentes até estão bloqueados por conta de seus comentários políticos”.
“Por favor, não permita que o Google desative o filtro de spam para e-mails de campanhas políticas. O exagero grosseiro do discurso político é um grave desestímulo à participação política”.
“A aprovação do pedido do Google perpetuará práticas de campanha predatórias que inundaram todos os partidos políticos com escândalo na última década”.
Deu pra perceber o descontentamento.
É verdade que a desativação do filtro seria apenas temporária – bloquear ou cancelar inscrições seria fácil – mas a revolta é generalizada. No entanto, a ideia do Google traz virtudes que são facilmente ignoradas. Portanto, proponho um meio termo que atenderia aos interesses de todos.
Atualmente, os filtros de spam do Google aplicáveis a e-mails sobre política são os mesmos usados para outras mensagens. Se um candidato ou partido envia uma mensagem que o algoritmo não aprova, ela vai para a caixa de spam. A proposta do Google é que os e-mails de grupos políticos verificados, aprovados ou não pelo algoritmo, irão para as caixas de entrada do Gmail. Cada mensagem seria acompanhada por um aviso sobre seu conteúdo político, e haveria uma maneira simples para o destinatário enviar todos os e-mails futuros da mesma entidade para a caixa de spam com um único clique.
O spam é o pior fardo do universo dos e-mails. Segundo um documento do Google protocolado na FEC, cerca da metade do tráfego global de e-mails é spam. A empresa afirma que seus filtros bloqueiam o lixo eletrônico indesejado a uma taxa de 10 milhões por minuto.
O problema que o Google está tentando resolver é que muitos desses e-mails bloqueados envolvem a captação de recursos por parte de candidatos e partidos políticos, o que significa que eles dizem respeito a assuntos relacionados à democracia.
Mas e daí? Spam é spam... certo?
Talvez. De acordo com um estudo muito discutido sobre o ciclo eleitoral de 2020 elaborado por quatro cientistas da computação no estado americano da Carolina do Norte, o algoritmo do Gmail sinalizou os e-mails do Partido Republicano como spam com muito mais frequência do que e-mails do Partido Democrata. Quanto mais próxima a eleição, maior foi a disparidade. O efeito da decisão do usuário de ler o e-mail em questão – geralmente um determinante importante para spam – foi insignificante.
Talvez os resultados do estudo sejam apenas ruídos. Ou talvez os apelos do Partido Republicano, se vistos por um olhar neutro, simplesmente pareçam mais spam do que os enviados pelos democratas. Mas isso é especulação. Veja bem, um olhar anedótico sobre o conteúdo de minha própria caixa de entrada, que não é do Gmail, sugere que ambos os partidos são semelhantes no que diz respeito aos disparates risíveis enviados. Embora a pesquisa conclua que os algoritmos de spam do Google tendem a favorecer a esquerda (nas palavras dos autores), ela também constata que os filtros usados pelo Outlook e pelo Yahoo tendem a favorecer a direita.
Eu acredito que o Google está tentando resolver um problema genuíno. Mas também acredito que há uma solução melhor.
O problema genuíno não é se os algoritmos são tendenciosos, mas a rápida limitação das ferramentas que os candidatos usam para levar suas mensagens aos eleitores. A democracia não se trata apenas das votações. Boa parte dela se trata da participação no debate público e da ponderação de argumentos e provas.
Tradicionalmente, os candidatos fazem parte desses argumentos, levando suas opiniões aos eleitores. Mas como isso deve ser feito hoje em dia? A mala direta física está morrendo. Os comícios tendem a atrair não os eleitores curiosos, mas aqueles cujas decisões são imutáveis. A cobertura jornalística das campanhas frequentemente se dedica mais a quem está liderando as pesquisas que aos relatos detalhados das mensagens dos partidos.
O e-mail é a galinha dos ovos de ouro.
Quase todo mundo tem um. A maioria das pessoas olha sua caixa de entrada com frequências Alguns até são viciados. Se você vai falar diretamente com os eleitores, este é o fórum mais óbvio. Parabéns ao Google por reconhecer abertamente seu papel em permitir essa conversa.
No entanto, todos nós odiamos spam, e a maioria das mensagens de campanhas é lixo eletrônico. Para encontrar uma saída, vamos voltar aos comentários do público sobre a proposta do Google. Eu analisei cerca de 500 ou 600. Diversos comentários ofenderam a mesma boa ideia: a empresa deve criar uma pasta no Gmail que não se trate de uma caixa de entrada nem de uma caixa de spam. Ela pode se chamar, digamos, “política” ou “campanhas”, e todas as mensagens de candidatos e partidos ficariam ali. Assim, lê-las ou ignorá-las ficaria a cargo do usuário.
Já que o Google esta fazendo um programa piloto, por que não dar uma chance para este? As mensagens não seriam marcadas como spam e mesmo assim a caixa de entrada do usuário fica intacta. Todo mundo sai ganhando.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Stephen L. Carter é colunista da Bloomberg Opinion. Ele é professor de Direito na Universidade de Yale e escreveu mais recentemente o livro “Invisible: The Forgotten Story of the Black Woman Lawyer Who Took Down America’s Most Powerful Mobster”.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Como brasileiros transformaram este mercado de R$ 6,5 bilhões na Irlanda
O que o índice Big Mac revela sobre o preço do dólar no Brasil
©2022 Bloomberg L.P.