Bloomberg Línea — Foi um pouco antes da pandemia que Cindhy Tello, de 26 anos, resolveu buscar uma transformação na sua vida: mudar de cidade, país e continente para estudar inglês por um ano em Dublin, capital da Irlanda.
Formada em Comércio Exterior em uma faculdade do sul do Brasil, ela mirou o curso exatamente no local em que sabia ter mais chances de conseguir um visto de trabalho no futuro.
“Comprei o pacote de estudante, mas no meu caso foi porque ele permite trabalhar. Uma carga horária menor, mas melhor do que nada”, contou.
Tello foi mais uma dos 27.192 brasileiros morando na Irlanda em 2019, de acordo com o Departamento de Estatísticas irlandês. O número de residentes é tão expressivo que o país ocupa o primeiro lugar entre as nacionalidades estrangeiras em Dublin.
A facilidade em conseguir um visto de estudante e a possibilidade de trabalhar enquanto se estuda, motivos citados pela brasileira, se somam à própria comunidade de jovens imigrantes que compartilham moradias, dicas e uma vida social intensa na ilha verde.
O setor de cursos de inglês contribui com cerca de 1,2 bilhão euro (R$ 6,5 bilhões) anualmente para a economia irlandesa, emprega mais de 3.000 trabalhadores em tempo integral e, entre 2016 e 2020, registrou mais de 250 mil estudantes internacionais chegando ao país, segundo uma pesquisa da companhia especializada em educação Ruban Company.
Desse total, 75% eram brasileiros. Os mexicanos vinham em segundo lugar, com 10%.
O estudo aponta ainda que o mercado mostrava uma forte tendência de crescimento antes da pandemia e, embora fortemente impactado pelas restrições da Covid, se recuperou rapidamente nos meses seguintes.
Do estudo ao trabalho
Dos brasileiros que chegam à Irlanda inicialmente para o estudo do idioma, a maioria é do sexo feminino (62%) e tem entre 28 e 37 anos (53%), segundo a Ruban Company.
Tiago Mascarenhas é o brasileiro fundador da Seda College, escola de inglês para não-nativos na capital irlandesa. Nascido no interior de São Paulo, ele imigrou para a Irlanda para estudar o idioma e, em 2009, abriu a empresa que hoje tem escritórios em nove países europeus.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o empresário contou que, ao receber milhares de alunos estrangeiros que passaram pelas salas de sua escola ao longo dos anos, percebeu outra oportunidade de negócio: a assessoria financeira dessas pessoas, que chegam como estudantes e tendem a ficar como residentes permanentes.
“Muitas dessas pessoas não falam o idioma do banco em que elas estão tentando abrir uma conta e acabam enfrentando muita dificuldade com a aprovação por serem imigrantes. Percebi uma demanda, joguei no Google ‘como abrir um banco digital?’ e comecei o processo”, relatou.
Segundo ele, os bancos tradicionais que atendem na Europa são “conservadores” quando o assunto são imigrantes, o que dificulta a abertura de contas por jovens estrangeiros que querem movimentar dinheiro para fora do país ou podem fechar a conta rapidamente ao voltarem a seus países de origem.
O banco digital vinculado à escola de Mascarenhas deve abrir as primeiras 200 contas testes no fim de agosto, com expectativa de atingir 10 mil contas abertas até o final do ano. Segundo ele, o objetivo é atender principalmente brasileiros que chegam à Europa para estudar e que podem, no futuro, continuar com a instituição financeira ao escolher ficar à procura de trabalho.
Recebendo dinheiro no exterior
Segundo a RemessaOnline, com dados obtidos com exclusividade pela Bloomberg Línea, as remessas originadas no continente europeu com destino ao Brasil aumentaram em 276% do primeiro semestre de 2021 até o mesmo período de 2022. O número de clientes captados pela empresa cresceu em percentual similar, enquanto os valores movimentados em reais subiram 48%.
Os valores dizem respeito apenas às operações de brasileiros que estão vivendo na Europa com vínculos econômicos mantidos com o país.
A demanda crescente por esse tipo de serviço tem se mostrado uma oportunidade de negócios para diferentes fintechs e companhias. Além da própria RemessaOnline, plataformas como a Wise, a Western Union e a Cloudbreak atuam nesse segmento.
Outra maneira de fazer transferências é por meio de alguns bancos digitais, com uma transferência bancária, ou pelos Correios - em que o estudante ou trabalhador vai até uma agência para receber ou, se estiver no exterior, mandar dinheiro físico para o Brasil.
A Irlanda tem um dos salários mínimos mais altos da Europa, acima de países como Portugal e Espanha. O valor é no mínimo 10,50 euros, ou cerca de R$ 55, por hora trabalhada.
Com as mudanças no regime de trabalho por causa da pandemia e com a desvalorização do real frente a moedas como o dólar e o euro, as remessas de brasileiros que vivem no exterior têm batido recordes. Em maio, foram registrados US$ 345 milhões de receitas de transferências pessoais, segundo dados do Banco Central. Em fevereiro de 2019, as transferências haviam somado US$ 193 milhões.
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