Bloomberg — A eventual manutenção a partir de 2023 do Auxílio Brasil de R$ 600, que custa cinco vezes mais que o antigo Bolsa Família, é um fator de risco potencializado pela possibilidade de este valor elevado se tornar permanente dentro de um arcabouço fiscal não conhecido, de acordo com Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e economista da Asa Investments.
O Brasil se aproxima das eleições de outubro com os dois candidatos líderes nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o atual, Jair Bolsonaro, prometendo manter, a partir de 2023, o Auxílio Brasil ampliado.
Ambos também sinalizam que vão revogar, ou alterar, a regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas do governo à inflação.
“A gente está fazendo este grande aumento da despesa fiscal sem saber quais as regras fiscais em que ele estará contido”, diz Bittencourt, que atuou no Tesouro Nacional a partir 2003 e chefiou o órgão entre maio e outubro de 2021.
Ele calcula o gasto anual do novo programa em R$ 150 bilhões, cinco vezes mais do que os cerca de R$ 30 bilhões do extinto Bolsa Família, criado por Lula em 2003. Bolsonaro elevou os gastos sociais e desonerou impostos destinados a aliviar a inflação em tentativa de reverter o favoritismo do petista, que lidera todas as pesquisas eleitorais.
“Só sabemos que a despesa vai subir, mas não sabemos se terá um limitador, pois os dois principais candidatos já sinalizaram que podem ou acabar com o teto de gastos ou modificá-lo”, diz Bittencourt.
Lula pragmático
O ex-secretário do Tesouro diz que, se Lula for eleito, o mais provável é que ele conduza um governo pragmático na área econômica. Apesar das propostas de mudanças do ex-presidente, o pragmatismo vai se impor devido ao quadro externo, hoje mais turbulento do que em 2003, quando Lula assumiu seu primeiro mandato como presidente.
“Não vamos ter ventos favoráveis vindos do exterior, e a gente vai estar no final do maior ciclo de aperto monetário do regime de metas de inflação. Não vejo muito espaço para a condução da politica fiscal e econômica que não seja pragmática”.
Bittencourt diz que “não compra pelo valor de face” a ideia de que Lula repetirá seu desempenho na economia visto em seus primeiro mandato - que foi largamente elogiado pelos mercados. “Estou vendo um cenário em 2023 muito diferente de 2003″.
Ele afirma que haverá menos espaço fiscal, além de parâmetros e graus de liberdade muito diferentes. Na área monetária, o economista lembra que hoje o BC é independente, o que também não ocorria naquela época e limita o espaço para eventuais intervenções na economia.
Além disso, os sinais são de que dificilmente o PT mudará a regra do teto de gastos ainda no primeiro ano de governo, segundo Bittencourt. Ele acredita que uma discussão sobre um novo arcabouço fiscal aconteceria ao longo de 2023, mas com uma nova regra implementada só em 2024.
Antes de mudar o teto, poderia haver uma espécie de pedido “waiver”, de perdão ou adiamento de uma dívida, em relação ao limite das despesas para viabilizar o primeiro ano de governo com certas despesas fora do teto mas, neste caso, Bittencourt avalia que o governo precisará de responsabilidade.
“O limite para um ‘waiver’ seria para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 reais”. Isso significaria um gasto extra de R$ 60 bilhões. “Mais do que isso, soaria arriscado”.
Debate fiscal nas eleições
O grande problema, segundo o ex-secretário do Tesouro, é que a discussão sobre a necessidade de limitar o crescimento de gastos de forma a evitar o aumento da dívida pública está ausente do debate eleitoral, o que ajuda a ampliar a incerteza entre os investidores.
A incerteza fiscal vale não apenas para um eventual governo do PT, mas também para o caso de Bolsonaro ser reeleito. “Ninguém quer se comprometer com a regra fiscal, pois se entende que gera desgaste político. E esta visão deixa quem financia o governo em situação de desconforto”, diz ele.
Para Bittencourt, o Brasil precisa de uma regra fiscal para limitar os gastos públicos, o que não invalida uma discussão sobre as âncoras que estão em vigor hoje. O ex-secretário avalia que uma revisão do teto poderá ser bem recebida, desde que ela não prescinda de uma limitação crível do crescimento das despesas, fazendo uma distinção entre os gastos vistos como mais eficientes e os menos eficientes, e sinalizando uma redução do endividamento.
“Nossa dificuldade maior não está na foto que a gente tira desse final de 2022, mas na incerteza a partir de 2023, porque a gente não sabe quais são as regras do jogo”.
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