Por que o Itaú decidiu investir em startups neste país da América do Sul

CEO do banco no Uruguai reforça relevância de ancorar expectativas de juros e acredita que o agro deve impulsionar economia

Banco brasileiro sugeriu que está pensando em lançar um suporte específico para startups uruguaias no mundo
20 de Julho, 2022 | 05:06 PM

Bloomberg Línea — O Banco Itaú (ITUB4), um dos principais do setor financeiro no Brasil e na região, observa que a atual alta das taxas de juros é algo que “continua sendo necessário para o ajuste das expectativas” de inflação, disse Andre Gailey, CEO do Itaú no Uruguai, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Por ser temporária, essa taxa não gerou mudanças nos fluxos de caixa das empresas ou de pessoas físicas em termos de investimentos”, disse o executivo durante a entrevista com Andrés Tafernaberry, gerente geral adjunto do setor de banco de atacado da instituição.

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Em todo caso, o Itaú disse que a volatilidade da taxa de câmbio e dos preços internacionais das commodities levou a um aumento dos instrumentos de hedge por parte das empresas. “O que estamos vendo no primeiro semestre é um recorde no uso de volumes de negociação de derivativos”, disse Tafernaberry.

O banco brasileiro espera que tanto o agro quanto o setor de construção civil impulsionem a economia uruguaia neste ano e no próximo, embora também esteja preparando um “suporte específico” para startups uruguaias que buscam crescer na América Latina, disse Gailey, que também é CEO regional do Itaú para a Argentina e Paraguai.

No Uruguai, a empresa visou expandir o negócio de fintech através da compra de 30% da Prex e da Paigo, embora na Argentina o banco tenha anunciado o desinvestimento de sua carteira digital Ank. Sobre o assunto, Gailey disse que a decisão foi “específica” em vista das dificuldades em tornar a operação rentável. “Após analisar o cenário global, o cenário local específico e as regras locais e fazer projeções, vimos que as chances de tornar a operação da Ank rentável eram muito baixas”, disse ele.

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A entrevista a seguir foi editada para fins de extensão e clareza.

Bloomberg Línea: Como o Itaú avalia a alta nas taxas por parte do banco central do Uruguai?

Andre Gailey (A.G.): Consideramos o aumento das taxas positivo no sentido de que é algo necessário ancorar as expectativas de inflação e reduzi-las a níveis que estejam dentro da meta e que tornem a inflação no país sustentável no longo prazo. Há um desafio de uma inflação que é parcialmente importada por conta da inflação no mundo, mas ainda é necessário aumentar as taxas para ajustar as expectativas em cada país. Além disso, a estratégia está bem alinhada com os bancos centrais de todo o mundo e, para não gerar arbitragem, é necessário que o Uruguai siga a tendência da região e – neste caso – do mundo.

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BL: São esperados mais aumentos de taxas?

Agustín Tafernaberry (A.T.): O banco espera mais alguns aumentos nas taxas. É importante que fiquemos em uma situação de taxas reais positivas para ancorar as expectativas. Acreditamos que o banco central continuará nessa linha e até manterá a estratégia no próximo ano, a fim de conseguir uma redução na inflação.

CEO do Itaú no Uruguai e gerente geral adjunto do setor de banco de atacado informaram que o banco oferecerá um “suporte específico” para startups.

BL: Como seus clientes estão reestruturando suas carteiras de investimento com a valorização do peso?

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A.G.: Primeiramente, consideramos a situação temporária e, após este ciclo de commodities e com o aumento das taxas por parte do Fed, as coisas devem se normalizar no segundo semestre. As empresas estão orientadas para o longo prazo. claro que há empresas que aproveitam o momento específico das taxas, mas em geral, os fluxos continuam normais, tanto para as empresas importadoras quanto exportadoras. No que diz respeito às pessoas físicas, quem recebe em pesos também está seguindo normalmente sua vida. Quem investe em dólares atualmente mantém seus investimentos. Por ser temporária, essa taxa não gerou mudanças nos fluxos de caixa das empresas ou de pessoas físicas em termos de investimentos.

A.T.: No que diz respeito ao comportamento de nossos clientes, eles estão usando cada vez mais instrumentos de hedge. Esses fluxos internacionais que estamos vendo, essa volatilidade regional, geram mais posições de hedge e uso de instrumentos para capturar positivamente os movimentos. Já tivemos de tudo. No início do ano, tivemos o dólar a 44 pesos. Chegamos a 39 pesos e agora estamos em 41. O mercado claramente mostra oportunidades e o que vemos no primeiro semestre é um recorde no uso de volumes de negociação de derivativos.

A.G.: É muito importante que as empresas tenham uma política de hedge para não serem afetadas pela volatilidade da moeda ou das commodities no mercado internacional e para poderem planejar melhor suas receitas e fluxos de caixa.

BL: Como vocês veem a evolução da demanda por crédito no setor privado uruguaio?

A.T.: Está muito boa e muito forte. Há muitas áreas para desenvolver e crescer. Podemos falar de infraestrutura, comércio, agro. Vemos várias linhas de negócios do banco com significativa demanda de crédito por parte dos clientes. Particularmente no mundo corporativo estamos liderando o crescimento do mercado de crédito, com níveis de crescimento muito bons. Também temos que reconhecer que os níveis de taxas que tínhamos e temos no momento ainda são muito atraentes.

BL: O nível atual também?

A.T.: Além do fato de que os mercados ajustaram as taxas, se você observar o nível regional ou internacional, nossas taxas são positivas.

A.G.: No âmbito de pessoas físicas, também vemos uma demanda que continuou forte no primeiro semestre. O efeito da inflação deve reduzir um pouco a demanda no segundo semestre, mas vemos um mercado bastante consistente que vai crescer significativamente em 2022.

BL: Dentro das empresas, vocês acreditam que há algum setor mais forte que outro?

A.T.: O agro e a construção civil são dois destaques. Os recentes anúncios do governo sobre obras de infraestrutura serão muito importantes a partir de agora.

A.G.: O agro, que influencia direta e indiretamente com a parte dos maquinários e de irrigação. Há um forte investimento no setor, que, em nossa opinião, manterá um bom nível de atividade no país tanto em 2022 como em 2023. O agro será um forte motor para o crescimento do país nos próximos dois anos.

BL: O Itaú anunciou a aquisição de um percentual da Paigo, da Prex e da Resonance. Qual foi a intenção?

A.G.: A idéia é entrar em mercados onde temos pouca presença, principalmente o mercado de baixa renda e de origem digital, no qual o banco vem testando as águas, mas ainda não teve muito sucesso. Essas empresas têm experiência em oferecer empréstimos digitais e abrir contas 100% digitais para um público diferente do Itaú. Acreditamos que essa é uma forma de complementar o portfólio do banco e de investir na inclusão financeira no longo prazo.

BL: Há outras compras previstas no Uruguai?

A.G.: Estamos sempre observando as oportunidades e analisando nossa estratégia. Sempre estamos fazendo negociações.

BL: Vocês poderiam compartilhar o valor das aquisições?

A.G.: Não. A quantia é privada. Compartilhamos apenas o percentual. Acreditamos que é importante dizer que foi um percentual relevante – 30%. É muito mais que um investimento financeiro. É um investimento estratégico, uma aliança de proximidade e proximidade, onde acreditamos que há possibilidades de trabalho conjunto e crescimento conjunto na região.

BL: Na Argentina, vocês anunciaram que pararam de investir na Ank, mas estão comprando algumas fintechs no Uruguai. Isso se deve ao fato de que a matriz vem focando em países mais estáveis?

A.G.: A decisão da Ank está exclusivamente relacionada à capacidade de tornar rentável o investimento específico na Ank. Após analisar o cenário global, o cenário local específico e as regras locais e fazer projeções, vimos que as chances de tornar a operação da Ank rentável eram muito baixas Por isso, tomamos a decisão de avaliar os possíveis caminhos estratégicos para a Ank. Mas continuamos com uma forte operação do banco na Argentina e até mesmo com a Prex, que também tem presença no país.

BL: Vocês notaram alguma mudança nas regras durante o processo?

A.G.: É uma empresa que testou diferentes caminhos, coisas que outras empresas do setor não fizeram e que geraram boas percepções para os clientes. Mas era muito difícil tornar o investimento rentável. Foi uma análise específica relacionada com o projeto em si..

BL: Sobre a Resonance, a aquisição múltipla gerou concorrência com outros bancos locais. Qual é a estratégia do Itaú no mercado de pagamentos com PDV??

A.G.: Vemos a aquisição múltipla de uma forma muito saudável porque gera uma melhor experiência para o cliente, que, com apenas uma solução pode passar qualquer tipo de cartão, melhorando assim a experiência tanto para o vendedor quanto para o consumidor. Também cria mais concorrência dentro do mercado de pagamentos. Para nós, é um passo adiante na direção certa. O banco, como um dos principais players do setor, vem investindo precisamente para poder crescer em aquisições múltiplas, alcançar mais negócios e oferecer melhores soluções a nossos clientes.

BL: Vocês acreditam que o Uruguai precisa de financiamento de empresas de tecnologia, ou esses fundos não são visados no país?

A.G.: Criamos um Núcleo Tech – uma área dedicada a atender empresas de tecnologia como clientes. Essa é inclusive uma área de apoio para fintech do país. Através dela, oferecemos produtos de crédito específicos para empresas de tecnologia, para investir em seu crescimento e capacitá-las para crescerem ainda mais. A Núcleo Tech tem alianças com vários institutos no Uruguai, e no segundo semestre do ano vamos lançar um suporte específico do Itaú para startups e empresas de tecnologia uruguaias pela América Latina. Entendemos que é um mercado diferente com necessidades diferentes e criamos uma frente específica para atender às necessidades desses clientes.

BL: Podem falar um pouco mais sobre a proposta?

A.G.: Garanto que vamos avisar sobre o lançamento.

BL: Além do ocorrido na Argentina com a Ank, o Itaú anunciou algumas demissões na Colômbia. O Uruguai deve passar por cortes?

A.G.: No Uruguai, fomos o único banco privado que aumentou significativamente o número de funcionários nos últimos 12 meses. Estamos investindo no crescimento de nossos negócios em todas as frentes: atacado, varejo e tesouraria. No país, só temos planos de investimento para o futuro.

BL: Na Argentina, espera-se mais inflação e alguns analistas estão até falando sobre desvalorização. Vocês notaram movimentos de seus clientes no país?

A.G.: A situação macroeconômica da Argentina é um desafio para os clientes, os bancos e o próprio governo, que está trabalhando para encontrar um equilíbrio na situação. Até que a inflação possa ser claramente controlada, isto afetará a vida das pessoas. Estamos confiantes de que o governo irá abordar o ponto principal – o déficit fiscal – a fim de encontrar um equilíbrio no longo prazo e controlar a inflação.

BL: O Brasil está em ano de eleições. Qual é a posição do banco perante a eleição que se aproxima?

A.G.: Não damos nossa opinião sobre os candidatos ou partidos, apenas sobre as políticas públicas. A opinião do banco é que o governante brasileiro deve manter o controle dos gastos do Estado com relação ao teto da dívida e à gestão econômica institucional do país. Não temos opinião sobre candidatos ou partidos.

BL: Não há um favorito entre Lula e Bolsonaro?

Itaú: O banco trabalha sempre com qualquer que seja a escolha da população e não tem opinião sobre os candidatos.

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Gonzalo  Charquero

Jornalista uruguaio especializado em cobertura política. Gonzalo foi editor da Actualidad no El Observador e cronista no jornal El País.