Para este unicórnio, custos são como unhas. Se crescem, é preciso cortar

Startups de delivery de rápida entrega, como a Jokr, que opera a Daki no Brasil, adotam medidas de contenção em um momento em que investidores buscam rentabilidade

Compras em supermercados se tornam prioridade e sustentam pedidos de entregas da startup Jokr na América Latina
19 de Julho, 2022 | 10:49 AM

São Paulo — Empresas de delivery precisam de uma grande base de clientes, porque a margem da transação é pequena. Há o custo da logística, com o pagamento aos entregadores. Foi por isso que a Jokr, grupo de quick delivery de supermercado da qual a startup brasileira Daki faz parte, recentemente deixou as operações nos Estados Unidos e na Europa para focar apenas na América Latina.

A empresa - que foi avaliada em mais de US$ 1 bilhão depois de uma rodada de US$ 260 milhões em dezembro do ano passado, com um ano de existência - elegeu a região latino-americana como mais atrativa para o delivery porque os entregadores ganham menos do que nos Estados Unidos e na Europa, segundo o cofundador German Peralta.

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No mundo desenvolvido, a operação do negócio é mais complexa. Os custos do delivery estão relacionados com o salário dos entregadores. “Um entregador em Nova York ganha US$ 25 a hora, enquanto na América Latina não ultrapassa US$ 4 a hora. Os tíquetes são bem maiores nos Estados Unidos, mas o delta não é tão grande”, disse Peralta, em entrevista à Bloomberg Línea.

Além de a matemática do negócio não fazer sentido para a startup, há maior competição nos Estados Unidos e na Europa, o que significa mais gastos com marketing para posicionar a marca.

“Nós operávamos em duas cidades na Europa e em Nova York e Boston e era muito caro sob uma perspectiva de marketing”, disse. Com o fim das operações nos Estados Unidos, cerca de 50 funcionários foram demitidos. No Brasil, a Daki disse que cortou 16 pessoas.

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Por causa das margens apertadas, é preciso operar com uma base grande de clientes - ou seja, ter escala - para o negócio fazer sentido. Startups de delivery são levadas a fazer promoções e a dar descontos para crescer a base, queimando dinheiro. Dinheiro que vinha de capital de risco.

Mas a alta de juros em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos, está fazendo com que os investidores se voltem a ativos menos arriscados. Por isso, o dinheiro disponível para startups que queimam muito caixa está cada vez menor, como explica o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Roberto Kanter. “Aquela época de dinheiro a custo zero acabou”, pontuou.

Para Peralta, a Jokr foi feliz em captar uma Série B em dezembro passado, pouco antes de o mercado esfriar. “Temos com o que nos segurar para os próximos meses. Acho que nosso time tem sido muito disciplinado sobre gestão de dinheiro desde o princípio.”

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“Nós não estamos patrocinando clubes de futebol, carros de Fórmula 1 ou celebridades. Estamos focando no nosso negócio, que acho que é a maneira correta de gastar o dinheiro dos nossos investidores”, afirmou, alfinetando players como a Kavak, que patrocina a seleção mexicana de futebol e tem uma parceria com o piloto Sérgio Perez, que está na Fórmula 1.

Questionado sobre se a Jokr considera alguma rodada que não a avaliará mais como unicórnio - down round -, o cofundador alegou que a empresa não precisa captar agora. “Acho que se fôssemos nos posicionar agressivamente, captaríamos. Mas tivemos sorte de levantar uma boa rodada há pouco tempo.”

Inflação e os custos de delivery

As empresas de delivery, que são altamente dependentes do número de consumidores, até hoje optaram por aumentar sua base. Agora, com o capital mais escasso, elas passam a buscar maior rentabilidade, segundo Kanter. O professor avalia que essa busca por rentabilidade será refletida no aumento das taxas para o consumidor - algo que já tem sido notado há alguns meses.

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Mas, para Peralta, o preço do serviço depende de cada produto. “Frutas e vegetais têm preços muito locais e dependem dos custos de inflação local. Mas produtos importados vão mudar o preço de acordo com a cotação do dólar”, disse.

Ele afirmou que a Jokr não está aumentando as taxas de entrega. “Se o preço da carne está subindo no mercado, vai subir na loja. Mas acredito que nossa posição é boa em relação aos custos, porque se você vai ao supermercado, você gasta com gasolina ou transporte público para ir e voltar. Nós temos o mesmo preço do supermercado, mas entregamos na sua porta”, disse.

O outro lado da moeda, segundo Peralta, é que em um momento de recessão as pessoas reduzem ou deixam de fazer atividades de lazer que exigem despesas. “Em uma recessão, você provavelmente não vai viajar de férias, não vai a um restaurante, o que significa que muda seu comportamento para comprar do supermercado.”

Isso a Jokr consegue perceber pelos dados dos usuários: de acordo com o executivo, se antes os clientes pediam produtos de supermercado apenas dois dias da semana, agora são três.

Em direção ao equilíbrio

Kanter acredita que empresas que eram dependentes do “cheap money”, ou seja, do dinheiro barato, só vão conseguir ser rentáveis se tiverem uma base enorme de clientes.

“Essas empresas vão ter que mudar a sua forma de agir, vão ter que pensar em um modelo de negócio com menor escala, com menor número de clientes, buscando mais rentabilidade. Mas é importante lembrar que isso é sempre transitório. É o ciclo natural da economia e vale para todos. Não existe expansão que seja para sempre, assim como não existe retração que seja eterna”, afirmou.

Peralta diz que a Jokr tem um plano para atingir o breakeven, o ponto de equilíbrio entre ganhos e despesas.

“Estamos em um momento em que os custos brutos já estão sendo cobertos pelo que estamos ganhando com as entregas. Nessa indústria, primeiro você tem que pagar pelo produto, ter dinheiro para pagar pelos custos. Depois, tem que pagar pelo custos de descarte - produtos que quebram, por exemplo - e pagar os entregadores. Isso é o que chamamos de margem de contribuição 2″, explicou.

Depois, há os custos de serviço ao cliente, gateways de pagamento e custos adicionais como comprar camiseta para os entregadores. “Para isso, já atingimos o ponto de equilíbrio. Agora, estamos gastando o nosso dinheiro construindo uma melhor ferramenta e posicionando as nossas marcas [Daki e Jokr] e contratando as melhores pessoas no mercado. Para esses custos fixos, ainda não atingimos o breakeven, mas temos um plano claro para chegar lá. Se vendermos mais, podemos pagar esses custos.”

Peralta acredita que, neste momento de retração, startups precisam construir negócios sustentáveis. “Fundadores precisam lembrar que estamos aqui para construir negócios sustentáveis. E não é algo que o fundador precise olhar sozinho. Precisamos ecoar os unit economics para a empresa, porque as melhores ideias vêm dos lugares menos esperados.”

“Sempre vai ter alguém que vai levantar a mão e dizer de onde podemos cortar custos. Há a famosa frase de que custos são como unhas. Se crescem, precisamos cortar.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups