São Paulo — A redução do poder de compra das famílias brasileiras, um dos efeitos do ciclo de alta dos juros, piorou as perspectivas do varejo voltado para o consumidor de média e menor renda. Um dos reflexos é o tombo das ações de redes como Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3) desde o segundo semestre do ano passado na B3. Em reação a esse cenário negativo, as varejistas tentam atrair clientes apostando no tradicional parcelamento por meio de suas próprias financeiras.
Às vésperas do início da divulgação de balanços do segundo trimestre no Brasil, analistas esperam ver o impacto negativo da inflação de custos e da desaceleração do comércio eletrônico nos resultados financeiros.
Nesta segunda-feira (18), a presidente do conselho de administração da Magalu, Luiza Helena Trajano, tornou-se um dos principais assuntos nas redes sociais ao divulgar um vídeo em que anuncia a oferta de crédito pré-aprovado para mais de 10 milhões de clientes como incentivo ao fechamento de negócios por meio do velho e tradicional carnê.
A campanha tem como alvo clientes da empresa que se adequam aos critérios de concessão de crédito estabelecidos pelo próprio Magalu e pela financeira do grupo, a LuizaCred, segundo nota divulgada pela companhia.
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“Este movimento do Magalu ocorre no contexto de alto endividamento das famílias, de inadimplência com viés de alta, além do maior rigor do sistema financeiro na hora da concessão de crédito”, disse Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls, à Bloomberg Línea.
“Magalu e Via são muito dependentes do crédito. Com o início do pagamento de benefícios como o Auxílio Brasil, as varejistas buscam atrair essas famílias que podem gastar mais quando os valores dos programas sociais começarem a ‘pingar’ em suas contas”, afirmou.
O aperto monetário, que fez o juro básico da economia saltar de 2% ao ano em março de 2021 para 13,25% ao ano em 17 de junho passado, tem dificultado a tomada de crédito por pessoas físicas e empresas, impulsionando os indicadores nacionais de atrasos de pagamento e de calote.
Em maio, o Brasil bateu recorde com 66,6 milhões de inadimplentes, o maior nível desde o começo da série histórica iniciada em 2016, segundo um indicador divulgado pela Serasa Experian. Na comparação anual, houve aumento de 4 milhões de negativados. O maior volume de dívidas está no segmento de bancos e cartões, com 28,2% do total. Em seguida estão as contas básicas como água, luz e gás, com 22,7%. Em terceiro ficam os setores de varejo e financeiras, com 12,5% cada um.
“Grande parte dos brasileiros depende de crédito para continuar a consumir. Em um momento como o atual, a tendência é que as empresas cortem suas linhas. Mas nós sabemos, por meio de nosso sistema de dados e análise, que há mais de 10 milhões de clientes na nossa base que têm todas as condições de honrar seus compromissos”, disse Frederico Trajano, CEO do Magalu, em nota.
E se os clientes acabarem atrasando suas prestações? “Ainda é cedo para dizer se a estratégia do Magalu vai dar certo, porque temos que esperar a resposta do consumidor. A companhia assume um risco calculado de financiar esses clientes com dificuldades de obter crédito, apostando na premissa de que o consumidor de baixa renda costuma honrar seus compromissos, pois não quer ver seu nome sujo”, diz o sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Já o grupo Via, dono de grandes marcas como Casas Bahia, Ponto e Extra.com.br, tem focado no crescimento do banQi, a conta digital da companhia, com quase 5 milhões de contas abertas em três anos. No período, as transações por meio do Carnê Digital somaram R$ 1,2 bilhão e, em menos de um ano do lançamento do empréstimo pessoal, a conta ofereceu mais de R$ 273 milhões em crédito.
De janeiro a março deste ano, o banQi realizou seis vezes mais transações em relação ao mesmo período de 2021, segundo a empresa, o que serve como uma amostra da demanda de consumidores. “A conta digital da Via segue em crescimento contínuo. O foco é garantir a inclusão financeira dos consumidores por meio de uma conta digital gratuita, oferta de produtos de crédito e da conexão com a Casas Bahia em suas lojas, e-commerce e marketplace”, diz nota da varejista divulgada no início do mês.
Balanços: o que esperar
Os resultados financeiros do Magalu e da Via saem apenas em agosto, mas especialistas no setor do varejo dizem esperar ver o impacto negativo do aumento de custos na rentabilidade das companhias, com o e-commerce apresentando desaceleração de crescimento e até prejuízo.
“Em relação às varejistas que atendem públicos de média e baixa renda, devemos ver uma continuidade de um bom crescimento de vendas vs. 2021, mas ainda enfrentando algum desafio de rentabilidade frente à inflação de custos e demanda fragilizada para repasse para preços”, observou a XP Investimentos em relatório assinado pelo estrategista-chefe e head do research Fernando Ferreira, a estrategista de ações Jennie Li e a analista Rebecca Nossig.
Os analistasd dizem que, no comércio eletrônico, a expectativa é a de continuidade de uma dinâmica de lucro pressionado por margens ainda apertadas e aumento de despesas financeiras devido à alta dos juros.
“Em e-commerce, esperamos uma dinâmica de resultados semelhante ao do primeiro trimestre, com recuperação do varejo físico, enfraquecimento do canal online de estoque próprio e desaceleração de crescimento do marketplace devido ao cenário macro desafiador, à base de comparação desafiadora e ao ajuste de canais frente à normalização do consumo fora de casa”, escreveram.
Os especialistas da XP apontam exceções na próxima safra de balanços do setor, com destaque positivo para redes de varejo voltadas para o público de alta renda, atacarejo e farmácias. “Esperamos ver resultados mistos para os nomes de consumo discricionário, com o destaque positivo sendo novamente as varejistas de alta renda, que vem surpreendendo com resultados acima das expectativas mesmo frente ao cenário macroeconômico mais desafiador”, citaram.
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