Bloomberg Línea — O mercado de mobilidade urbana se tornou um dos mais desafiadores da economia com a alta de até 30% nos preços dos combustíveis no último ano, no caso da gasolina. Nas grandes capitais, a fase dos grandes descontos para atrair clientes - mediante forte queima de caixa - virou prática do passado. Os preços da líder Uber chegam a se aproximar dos cobrados por taxistas em aplicativos como o da 99 ou nas ruas em horários de pico da demanda, por causa do sistema de preço dinâmico. E isso mesmo com uma operação que há alguns anos já tem larga escala para reduzir custos fixos.
Mas, apesar dessas condições adversas, há espaço para crescer nas grandes cidades brasileiras. Ao menos essa é a aposta da startup americana - com origem na Sibéria, na Rússia - inDriver, que tem o status de unicórnio. Ou seja, foi avaliada em pelo menos US$ 1 bilhão antes da pandemia.
O aplicativo de mobilidade urbana aposta no diferencial de oferecer a motoristas e passageiros a chance de negociarem os valores por corrida previamente, por meio do app. Mas o modelo, chamado pela companhia de negociação por oferta e demanda, ainda não caiu nas graças dos usuários, por um simples motivo, segundo o diagnóstico da própria startup: a equipe de vendas enfrenta dificuldades para apresentar o processo de negociação como uma vantagem aos motoristas.
A inDriver cobra uma taxa fixa de 9,5% sobre o valor total da corrida para os motoristas no Brasil, que conseguem visualizar o cálculo do ganho líquido por corrida com o desconto antes de aceitarem, além da avaliação do passageiro, pontos de embarque e desembarque e distância. Na Uber, as taxas variam conforme a distância e o tempo: em geral, ficam entre 15% e 50%, segundo estimativas.
A companhia alcançou o status de unicórnio em uma rodada concluída com US$ 150 milhões em investimentos da Insight Partners, da General Catalyst e da Bond Capital no início de 2021, o que levou o seu valuation para US$ 1,23 bilhão. Apesar da redução da liquidez do mercado, há a expectativa de uma nova rodada ainda no segundo semestre, segundo o porta-voz da companhia.
“O que oferecemos como principal vantagem é o acesso a informações antes de iniciar a corrida, tanto para o motorista como para o passageiro”, disse Thyerry Mendes, líder em aquisição de motoristas da inDriver, em entrevista à Bloomberg Línea. “Mas às vezes o motorista não entende muito bem como funciona e temos que explicar que isso significa, sim, um benefício.”
A inDriver tem sede no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, e operações em 45 países. O aplicativo foi o quarto mais baixado na categoria de viagens no Brasil em 2021, segundo levantamento da consultoria de dados Data.Ai, atrás da Uber (UBER), da 99 - que pertence à chinesa DiDi - e do Waze, da Alphabet (GOOG), a holding do Google. Já na Colômbia e no Peru, o inDriver foi o líder em downloads da categoria; e ocupou a terceira posição no México.
Concorrência com gigantes
A inDriver começou o período de testes no Brasil pela cidade de João Pessoa, na Paraíba, para avaliar a viabilidade da operação no país. Conforme Mendes, o objetivo foi fugir da concorrência de outros aplicativos já consolidados nas principais capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Depois de quatro anos no país e com a expansão para 120 cidades, a companhia está fazendo campanha no Rio de Janeiro e em São Paulo neste ano na tentativa de trazer mais motoristas, com ações de marketing nas duas capitais para apresentar a proposta do aplicativo.
No México e na Colômbia, por exemplo, a inDriver tem um market share maior, pelo fato de serem “países mais simples” em termos de alcance da concorrência, segundo Mendes. Neste ano, a companhia começou a operar também em Buenos Aires, na Argentina, em junho.
Diferentemente das concorrentes, a inDriver oferece serviços de transporte intermunicipal e de fretes e cargas acima de 20kg.
Momento delicado
Os motoristas de aplicativos de transporte têm trabalhado em um ambiente mais desafiador com a alta dos preços dos combustíveis, o que reduz as margens de ganhos. Em São Paulo, maior cidade da América Latina e uma das mais movimentadas do mundo para a Uber, 25% dos motoristas da plataforma e da concorrente 99 pararam de trabalhar do início da pandemia até o fim do ano passado, segundo a Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo, a Amasp.
Os aplicativos de mobilidade urbana vêm perdendo apelo nos últimos anos também em razão de dificuldades no relacionamento com motoristas, como a disputa sobre o vínculo trabalhista.
O MPT (Ministério Público do Trabalho) abriu uma investigação em maio para apurar indícios de manipulação da jurisprudência trabalhista sobre reconhecimento de vínculo de emprego em 350 acordos envolvendo oito aplicativos de transporte e de entregas e motoristas e entregadores, segundo revelação da Bloomberg Línea. Do total, 133 são da Uber (UBER) e 131 da 99.
A espanhola Cabify, por exemplo, encerrou as operações no Brasil em junho de 2021 citando os impactos da pandemia. A empresa continuou operando em outros nove países da América Latina.
Já nesta semana, uma reportagem do jornal inglês The Guardian e do francês Le Monde noticiou que a Uber tentou fazer lobby com políticos e desrespeitou leis como parte dos esforços para se expandir globalmente de 2013 a 2017, recebendo assistência de políticos incluindo o presidente francês Emmanuel Macron.
Em um comunicado divulgado logo após a publicação dos relatórios pelos jornais europeus, a Uber não negou nenhuma das alegações e deu destaque às mudanças que foram feitas desde que Dara Khosrowshahi foi nomeado CEO em 2017.
O executivo da inDriver disse que, ainda que a Uber esteja mais descolada das concorrentes por ter sido pioneira e formadora desse mercado, a disputa tem sido acirrada. “O mercado hoje está bem dinâmico, porque o passageiro quer pagar menos e procura um serviço de qualidade.”
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