Congresso aprova PEC que amplia benefícios em ano eleitoral

Emenda que será promulgada autoriza o governo federal a gastar R$ 41,2 bilhões sem passar pelo teto de gastos

Depois de dois turnos em um único dia na Câmara, Congresso aprova emenda constitucional
13 de Julho, 2022 | 08:49 PM

Bloomberg Línea — O Congresso aprovou nesta quarta-feira (13) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite ao governo federal ampliar seus gastos em até R$ 41,2 bilhões até o final deste ano. O texto foi aprovado em dois turnos nesta quarta (13) pela Câmara dos Deputados depois de ter sido aprovado pelo Senado. Agora, será promulgado e publicado no Diário Oficial da União.

A PEC cria um “estado de emergência” provocado pela “elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”. O objetivo é autorizar ao governo federal a fazer gastos orçamentários sem se submeter ao teto de gastos e nem ficar limitado pela legislação eleitoral, que proíbe a criação de programas sociais em anos eleitorais.

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Com o “estado de emergência”, o governo também não precisa se submeter à regra de que só podem ser criados créditos extraordinários no orçamento “para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”.

A justificativa apresentada pelo governo foi atenuar os efeitos da inflação e oferecer ajuda aos mais pobres. O Brasil tem hoje 33 milhões de pessoas que passam fome, segundo estudo da Rede Penssan publicado no mês passado. Mais de 60 milhões de brasileiros estão em insegurança alimentar (não fazem todas as refeições por dia), segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).

A PEC prevê o aumento do Auxílio Brasil, versão bolsonarista do Bolsa Família, criado no governo Lula (PT), de R$ 400 para R$ 600 por mês. Também será criado um “auxílio gás” equivalente ao valor médio do botijão de gás de 13 quilos e o pagamento de um benefício de R$ 1 mil a caminhoneiros, sob a justificativa de atenuar os impactos do aumentos dos preços dos combustíveis e derivados de petróleo.

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Todas as medidas vão até o dia 31 de dezembro deste ano.

Sem intervalo

A PEC foi aprovada nos dois turnos nesta quarta porque a Câmara aprovou um requerimento de “quebra de interstício”: pelo Regimento da Câmara, a Casa precisa esperar duas sessões entre os turnos de votação de PECs. No caso da emenda do estado de emergência, os deputados decidiram não esperar as duas sessões.

O texto foi aprovado depois do que foi considerada uma manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O primeiro turno de votação havia sido marcado para a terça-feira (12), mas, depois de queda na internet da Casa, a sessão foi suspensa para ser retomada nesta quarta.

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Os partidos de oposição disseram que a manobra foi feita para garantir a aprovação do texto sem os pedidos de destaque (votação de trechos e de propostas em separado em relação ao texto principal) — a Polícia Federal informou, na manhã desta quarta, que, a pedido de Lira, abriu uma “investigação preliminar” sobre a queda na internet da Câmara.

Para a oposição, a principal motivação da PEC é o desempenho do presidente Bolsonaro nas pesquisas eleitorais. Ele tem ficado atrás do ex-presidente Lula (PT) em todas as pesquisas pelo menos desde março do ano passado.

Impacto fiscal

Para a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que acompanha as contas públicas federais, a emenda constitucional “aumenta o risco para as contas públicas no médio prazo e sinaliza falta de compromisso com a disciplina fiscal”, conforme relatório sobre a PEC divulgado no dia 6 de julho.

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E mesmo que as medidas da emenda se encerrem em dezembro deste ano, elas terão reflexos no ano que vem, segundo a IFI. O aumento do Auxílio Brasil, por exemplo, terá impacto de R$ 7,7 bilhões nas contas federais do ano que vem, além dos R$ 89 bilhões já previstos com o pagamento de R$ 400 reais por mês.

A visão é compartilhada pelo mercado. A economista-chefe do HSBC, Ana Madeira, disse em entrevista à Bloomberg que a aprovação da PEC obrigará o Banco Central a elevar a taxa Selic a 14%. “Mesmo que a PEC fale em benefícios temporários, a gente sabe que é difícil revertê-los”, disse ela.

Risco eleitoral

A promulgação ainda pode ser considerada um risco para a campanha de Jair Bolsonaro. Para a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo e professora de Direito Financeiro da FGV Élida Graziane, a PEC viola a legislação eleitoral e as restrições constitucionais aos créditos extraordinários. Primeiro por violar a regra de mudanças nas regras eleitorais a menos de um ano das eleições e depois por criar um benefício social em ano eleitoral, o que pode ser considerado abuso de poder, conforme escreveu em artigo publicado pelo site Consultor Jurídico (ConJur) na terça-feira (12).

Ou seja: a aprovação da emenda constitucional pode ser usada como justificativa para ações de investigação judicial e ações de impugnação de mandato no Tribunal Superior Eleitoral, na opinião da professora.

Os argumentos do artigo foram usados pelo procurador da República Lucas Furtado, do MPF no Tribunal de Contas da União, numa representação contra a PEC. Ele pede que o TCU avalie se as ações governamentais que vierem a ser implantadas com base na nova emenda da emergência desrespeitam as regras orçamentárias e de responsabilidade fiscal.

Ele também pede à corte de contas “alertar com urgência” o presidente Jair Bolsonaro “acerca dos riscos atinentes ao desatendimento às normas de responsabilidade fiscal e às consequências eleitorais relativas à possibilidade de impugnação de mandato eletivo e de abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade”.

Para o procurador, a emenda do estado de emergência é “flagrantemente inconstitucional”.

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Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.