Bloomberg Línea — A menos de três meses do primeiro turno, a campanha eleitoral no Brasil entra na reta final. É um período em que, dadas as incertezas, tradicionalmente aumenta a volatilidade nos preços dos ativos. Mas que pode trazer algum alívio e uma valorização dado o viés de cautela que predomina no mercado diante da pouca visibilidade que há sobre a pauta econômica dos dois candidatos que lideram as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. É o que afirma Carlos André, CEO da Santander Asset e da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
“Pode haver alguma surpresa positiva, não necessariamente do resultado, mas das pautas econômicas que os candidatos eventualmente apresentem. Não me surpreenderia se alguma notícia trouxesse um ânimo para o mercado, porque o viés hoje é mais de cautela do que de otimismo”, disse André em entrevista à Bloomberg Línea, da sede do banco espanhol (SANB11) no Brasil, em São Paulo.
André está à frente da Santander Asset há oito meses, desde outubro de 2021. Depois de 37 anos de Banco do Brasil (BBAS3), foi convidado a liderar a gestora como parte do plano estratégico do banco de priorizar a frente de investimentos, do varejo até o private banking. As medidas incluem do reforço da distribuição, mudança em assessoria ao cliente até melhorias na plataforma e no aplicativo. O time de assessores de investimento vai mais do que triplicar até o início de 2023, em reação a um movimento iniciado há alguns anos por corretoras que apostaram nesse modelo para se expandir.
A gestora conta com cerca de R$ 300 bilhões em ativos sob gestão e perto de 500 fundos abertos para captação. O objetivo é avançar no volume sob gestão, na captação e na contribuição de receitas para o resultado do grupo - que é consolidado na Santander Asset Global. O banco no Brasil se beneficia na medida em que é o distribuidor e o administrador e é remunerado por tais serviços.
“Há um plano do banco de crescer em investimento, com o suporte da Santander Asset global, que fica em Madri”, disse o executivo, que assumiu em maio o comando da Anbima.
Confira a seguir a entrevista, que foi editada para facilitar a compreensão:
Como o investidor está se posicionando no cenário atual? Há espaço para ativos além da renda fixa?
Como qualquer asset ligada a banco aqui no país, a Santander Asset tem uma concentração em estratégias de renda fixa. É uma composição que vinha mudando até meados do ano passado com a queda nas taxas de juros e um movimento de maior exposição a estratégias internacionais. Passamos a colocar na grade no Brasil fundos que antes só estavam disponíveis na Santander Asset lá fora.
Contratamos um time de modelos quantitativos e, neste ano, passamos a empregar de fato essa tecnologia para o lançamento de produtos e para compor estratégias que possam tirar proveito do conhecimento. ESG também está crescendo aproveitando o fato de que na Europa o produto existe há mais tempo e daí importamos e adotamos os modelos que já funcionam lá fora nesse tema.
Mas, por mais que se trabalhe o investidor para a diversificação, o efeito retrovisor ainda é muito potente. O cliente, quando olha o extrato e percebe que aplicou 100 e agora tem 95, fica assustado e muitas vezes se precipita. É natural porque o custo de oportunidade ficou muito mais alto. Tem havido uma concentração maior, em captação, nas estratégias de renda fixa, em especial nas que possuem algum componente de crédito privado, como debêntures, tanto em fundos como previdência.
Isso tem acontecido não só conosco como na indústria de fundos como um todo. Segundo os dados da Anbima, praticamente em todos os meses houve captação negativa tanto de renda variável como de multimercados. E, na renda fixa, há muita concentração em captação em estratégias com crédito privado, em que se consegue entregar uma rentabilidade adicional para o cliente e, ao mesmo tempo, acompanhar esse movimento de subida das taxas de juros.
Quando há ainda uma trajetória ascendente de curva de juros, as estratégias em cima do movimento da curva de mercado ficam mais difíceis, especialmente quando há pouca visibilidade de como estará daqui a seis meses. Quando há um entendimento de que se chegou ao pico e que, provavelmente, a tendência será de queda dali para a frente, gestores costumam tirar proveito da baixa da curva.
A tendência de diversificação fica ameaçada e em suspensão por mais tempo com os juros mais altos ou pode voltar a ganhar força em breve?
O conceito de diversificação que veio nos últimos anos principalmente por causa de juros mais baixos, no patamar de um dígito, veio para ficar, em maior ou menor grau. É natural haver uma alocação maior em estratégias de renda fixa em um ambiente em que a classe entrega retornos mais favoráveis. Mas não vejo mudança no conceito de diversificação, e não só para o varejo como também para investidores institucionais, na busca por ativos internacionais e de globalização da carteira.
Vamos passar um, dois anos, com maior concentração em renda fixa, mas isso não quer dizer que outras estratégias não vão crescer também, como os próprios multimercados, que conseguem operar bem em diversos ambientes. Assim que houver maior visibilidade no cenário tanto global como local, deve haver reação também dos mercados acionários.
Há uma tendência de retomada de multimercados, dado que gestores estão acostumados a lidar com essa situação?
Sim, é verdade. Os primeiros meses de 2022 foram os melhores para multimercados em muitos anos. Mas, quando o investidor decide analisar a performance, está olhando para o período de 12 meses. Em maio e também em junho, começamos a perceber a reversão desse movimento de resgates em multimercados, já com entrada líquida de recursos. E por quê? Porque a indústria [de multimercados] teve um primeiro semestre muito positivo.
As estratégias de ações têm menos visibilidade ainda em um momento mais difícil para os fundos. Até teses que parecem mais óbvias - estamos em um ciclo de commodities, como petróleo - não necessariamente funcionam aqui, porque não é a cotação que define o preço de algumas ações, como é o caso da Petrobras (PETR3, PETR4), que acabou influenciada por outros fatores também. O momento macroeconômico também é mais desafiador e há a dúvida sobre até que nível vai a inflação...
Qual a visão de vocês? A inflação já chegou ao pico e começa a ceder ou ainda é cedo?
No cenário de Brasil, quem não olhar o filme vai pensar que a situação não está tão ruim. A nossa previsão é que o país terá um crescimento positivo em 2022, ao redor de 1,5%, com uma inflação em torno de 7%, 7,5% - havia quem apontasse que poderia terminar em dois dígitos. Realizamos revisões para baixo por questões de impostos [a desoneração dos combustíveis]. Ainda é um nível alto, mas não é 10%.
Do lado fiscal, provavelmente o resultado será próximo do zero a zero, ligeiramente positivo. Tem a trajetória de juros a 13,75%, que é a nossa visão [para o fim do ano], e essa sim preocupa. Mas não parece uma fotografia tão feia quando se analisa isoladamente.
Mas, quando se olha para a frente, achamos que 2023 terá crescimento próximo de zero, com a taxa de juros caindo, até porque deve haver um arrefecimento do nível de inflação. E os desafios fiscais, que continuam a ser o calcanhar de Aquiles até que o mercado tenha visibilidade de atividade, inflação e trajetória da dívida em relação ao PIB.
E isso tudo em um contexto global em que há incertezas também sobre inflação, juros e se a economia americana vai entrar em recessão ou não.
Com qual cenário base vocês trabalham? Haverá recessão nos Estados Unidos?
A atividade nos Estados Unidos vai ficar mais fraca, mas ainda não achamos que será uma recessão, na definição clássica de dois trimestres seguidos com retração. Mas é algo que deve ser acompanhado na medida em que o Fed seguir com o aperto monetário, e a recessão pode ser um remédio dependendo do nível de inflação. Trabalhamos com os Fed funds a 3,5% ao fim deste ano e 4,0% em 2023.
Na carta de junho aos investidores, vocês dizem que estão cautelosos. Ainda não é hora de aproveitar oportunidades na bolsa?
Tivemos algumas estratégias no começo de ano com baixa exposição ao risco no geral no que diz respeito a Bolsa local. Trabalhamos com o que chamamos de neutralidade - para ligeiramente negativo. O mesmo vale para juro local. Em boa parte do ano, ficamos quase fora do mercado, ligeiramente tomados, com a visão de que os juros poderiam subir mais.
Tivemos mais convicção, e foram estratégias que se mostraram vencedoras, em juros lá fora, em Treasuries [os títulos do Tesouro americano]. Tínhamos desde o começo do ano a visão de que haveria uma correção para cima e que os Treasuries reagiriam. Isso nos ajudou bastante em estratégias de multimercado, nos fundos de alocação.
Mas temos uma posição em geral mais defensiva nas outras estratégias. Em bolsa lá fora, até o fim do ano passado, como parte do mercado, tínhamos uma visão mais construtiva. O crescimento não seria tão afetado pela inflação, e a alocação em ativos lá internacionais seria uma boa estratégia de diversificação. Mas começou o ano, percebemos que isso não ia acontecer e começamos a zerar posições. E permanecemos assim.
Estamos, eu diria, bastante leves em relação a exposição a risco. Acompanhamos para ver se surgem oportunidades, como no mercado de juro local, quando vai ser o fim do ciclo. Pode ter alguma oportunidade na parte mais curta da curva, porque a longa tem uma influência maior das questões fiscais. Se isso não ficar mais claro, é difícil pensar em uma inclinação menos acentuada lá na frente.
E estamos acompanhando bem de perto o mercado de emissão de dívida corporativa localmente. É um mercado ainda funcional, ou seja, temos muita demanda por parte dos gestores, porque tem entrado dinheiro, e, ao mesmo tempo, as empresas estão vindo a mercado e os spreads estão se comportando de uma maneira saudável, o que é positivo para o mercado se desenvolver. Mas, quanto mais perto estiver das eleições, por causa das incertezas, pode haver mais dificuldades. E vale para tudo.
Qual o impacto que as eleições podem ter para os preços dos ativos?
Pode haver alguma surpresa positiva, não necessariamente do resultado, mas das pautas econômicas que os candidatos eventualmente apresentem. Não me surpreenderia se alguma notícia trouxesse um ânimo para o mercado, porque o viés hoje é mais de cautela do que de otimismo. Qual a pauta que pode vir? Há espaço para especulação. Por outro lado, o baseline dos dois candidatos que estão à frente nas pesquisas e que podem ir para o segundo turno todo mundo conhece e já teve a experiência.
Diante desse viés de cautela localmente, o que vocês estão oferecendo para o investidor não só que já está com patrimônio no banco como aquele que pretendem atrair?
Atendemos em parte uma demanda de alocação estrutural, e aí os instrumentos de renda fixa nas suas variantes trabalham bem no cenário atual, dados os níveis das taxas de juros. Percebemos uma receptividade maior dos investidores em multimercados, em estratégias quantitativas, fund of funds, alguns com gestores que tiveram bom desempenho no primeiro semestre. Temos procurado alavancar isso.
No cenário internacional, esperamos uma estabilidade maior em taxa de câmbio e em mercados externos para que possamos voltar a oferecer de forma mais incisiva os nossos fundos offshore - temos uma variedade com diversificação tanto de região como de classe de ativos.
O que fica para trás é a renda variável. Neste ano, não vai ser o momento de fundos de ações, a menos que haja alguma novidade tanto do lado de fora, no sentido de trazer fluxo de investidor estrangeiro, como vimos no começo do ano, especialmente depois do conflito.
Qual o foco da estratégia? Atrair mais o investidor de varejo ou private?
Temos um trabalho forte no segmento de clientes que aqui se chama Select, que são os afluentes, abaixo do private banking. São clientes com R$ 100 mil em investimentos [ou renda mensal igual ou acima de R$ 10 mil]. Estamos reformulando o time de assessoria com bastante foco nesse segmento. Pretendemos em um primeiro momento mais do que triplicar o número de assessores, que atualmente está próximo de 350, para algo perto de 1.200 até o começo do ano que vem. Isso nos dará mais musculatura e mais alcance.
No caso de clientes que já estão conosco, isso nos permitirá oferecer um atendimento mais próximo e mais proativo, na medida em que o número de clientes por assessor diminui. E nos permitirá também ser mais agressivos e trazer clientes que não estão hoje no Santander.
E vamos também expandir a oferta de fundos de terceiros, não só da Santander Asset, não só para os clientes do private banking como para outros segmentos de varejo.
Há planos de oferecer criptoativos para os clientes?
Temos estudado o assunto com atenção, mas não há nada concreto ou na linha ‘prestes a lançar’. Como instituição financeira, temos uma grande preocupação com o reputacional e com a responsabilidade que temos no tratamento aos nossos clientes. É uma realidade que parece que chegou, especialmente para o público mais jovem - pesquisas da Anbima mostram esse interesse maior.
Eventualmente, clientes transferem recursos para outras plataformas para aplicar em criptoativos e isso pode ser uma oportunidade que está sendo perdida. Mas é um mercado ainda em amadurecimento e há um risco fiduciário importante. Se uma plataforma quebra - algumas ficam só no exterior -, o investidor não tem a quem recorrer: não tem Banco Central ou regulador. Lá na frente, quando o mercado estiver mais maduro, talvez isso represente uma oportunidade para as instituições financeiras, porque elas têm um lado reputacional importante e uma preocupação fiduciária com os clientes.
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