Crise será teste de darwinismo para bancos e fintechs, diz CEO do Inter

Competição menos feroz já permite redução do custo de aquisição de cliente, conta João Vitor Menin em entrevista à Bloomberg Línea

João Vitor Menin, CEO do Inter
08 de Julho, 2022 | 03:45 PM

Bloomberg Línea — O momento econômico adverso, com juros em alta no mundo desenvolvido e no Brasil e consequente encarecimento do custo de capital e do crédito, tem impactado bancos digitais e fintechs. Um dos efeitos mais evidentes é a forte queda nos preços das ações, mas há também riscos de perdas crescentes com inadimplência. Para o CEO do Inter (INTR), João Vitor Menin, o momento atual e os próximos anos vão representar o que define como teste de darwinismo do mercado de bancos digitais e fintechs, em que players menos capitalizados ou diversificados ficarão pelo caminho.

“Somos uma empresa de growth [crescimento]? Sim. Precisamos levantar capital agora? Não. Se pensarmos nos próximos 12, 18, 24 meses, eu digo que haverá um darwinismo, separando empresas bem posicionadas, que têm receita e geram caixa, das que buscavam crescer a qualquer custo”, disse o CEO em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea.

Segundo ele, o momento atual já faz desaquecer a competição, com reflexos positivos em indicadores do Inter. “Na medida em que vemos os nossos competidores tirando o pé, podemos também reduzir os investimentos em mídia, propaganda. Já estamos fazendo isso no terceiro trimestre e avaliamos que vamos continuar a crescer em número de clientes e chegar a 24 milhões, que é quase um guidance [projeção] que demos para o mercado.“

O setor financeiro passa já também por um movimento de consolidação, como atestam dois negócios anunciados nesta sexta-feira (8): a compra de 50,1% da Avenue pelo Itaú Unibanco (ITUB4) e do Andbank e da Ksas pela Creditas.

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O Inter concluiu a sua migração da B3 para a Nasdaq no último dia 23 do mês passado. Desde a estreia na bolsa americana de empresas de tecnologia, a acão perdeu cerca de 25%. Na bolsa brasileira, a queda havia sido superior a 80% em 12 meses. Para o CEO do Inter, o momento é de reforçar as bases para o crescimento da companhia em diferentes verticais de negócios e de mostrar os resultados e a tese de negócios aos investidores enquanto as condições de mercado não melhoram.

Confira abaixo a entrevista com João Vitor Menin:

Como o ambiente de juros mais altos tem impactado os negócios do Inter?

O Inter sofre, sim, com o momento de juros mais altos nos Estados Unidos e no Brasil. Há um movimento de migração para a renda fixa e muitos fundos vendem ativos, o que acaba nos impactando. Mas isso é uma coisa. É uma dinâmica que está dada e é muito difícil nós mudarmos. Trabalhamos para mostrar aos investidores o valor da companhia, mas sofremos com esse pano de fundo.

Mas o outro pano de fundo é o do nosso negócio. Falamos muito internamente, até para manter a motivação dos times, que é preciso separar a percepção que se tem sobre a nossa ação da percepção sobre o negócio, que está em um momento muito bom por alguns motivos. E isso nos deixa mais tranquilos mesmo neste momento em que a ação é negociada no valor mais baixo dos últimos anos.

O nosso negócio sofre muito menos do que as fintechs. Somos muito mais um banco digital: somos regulados, atendemos aos requisitos de capital de Basileia e temos depósitos, conta, diversos serviços - ou seja, não somos monoproduto.

E, por outro lado, o momento pode nos favorecer. No momento em que esse frenesi da competição perde força, fica mais barato adquirir cliente, por exemplo. Nós não somos um banco disposto a queimar caixa para adquirir clientes: no momento em que concorrentes param de fazer isso, a disputa melhora.

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Somos uma empresa de growth [crescimento]? Sim. Precisamos levantar capital agora? Não. Se pensarmos nos próximos 12, 18, 24 meses, eu digo que haverá um darwinismo, separando empresas bem posicionadas, que têm receita e geram caixa, das que buscavam crescer a qualquer custo. Vejo o momento como positivo.

O Inter tem apostado em diferentes “avenidas” de crescimento. Quais se mostram mais resilientes neste momento?

Quando falamos deste momento difícil, com juros altos, não são só as ações que são impactadas. Inflação tem a ver com perda de renda, que aumenta a inadimplência. O fato de termos construído um banco digital que tem uma combinação de metade das receitas de produtos bancários, como crédito, com metade das receitas de serviços, como shopping, seguros, investimentos, nos faz ter uma operação equilibrada, algo que se mostra ainda mais importante neste momento de juros mais altos e inadimplência. Isso nos ajuda a passar por este momento de maior aversão a risco.

Você acaba não sendo percebido como o principal player da vertical. Se pensam só em cartão de crédito, é o Nubank (NU); se pensam só em investimentos, a XP (XP). Se temos um pouco de produtos e serviços de cada categoria, não há a percepção de que somos o winner [vencedor] da vertical. Mas, por outro lado, nos enxergam como um player com mais diversificação e maior resiliência na adversidade.

O que os números dos dois primeiros trimestres mostram? Alguma vertical tem surpreendido?

É a vertical dos serviços não-bancários. Neste momento de aversão ao risco, é natural que os bancos segurem mais o crédito e cresçam mais devegar. Por outro lado, a parte de serviços, em que não há inadimplência nem necessidade de capital regulatório, pode crescer mais.

Em serviços, há três frentes que puxam o crescimento das receitas no QaQ [trimestre contra trimestre]: o nosso shopping, que é o marketplace; a nossa área de seguros e a de investimentos.

Em crédito, dá para ganhar participação de mercado ou é momento de cautela?

É possível, sim. Nós temos uma vantagem sobre as fintechs: o nosso custo de funding é muito baixo, algo próximo a 50% do CDI, e diversificado. Temos milhões de clientes que têm depósitos conosco. No negócio de crédito, se você tem um funding baixo, consegue acessar bons clientes com o mesmo spread e ganhar share.

O segundo ponto é que a nossa carteira é muito colaterizada [com garantias]. Temos cinco grande produtos de crédito: imobiliário, consignado, pequenas e médias empresas, agronegócio e cartão de crédito. Os quatro primeiros contam com garantias reais. E cartões representam a nossa menor parte. A nossa inadimplência cresce menos do que a de bancos com carteiras com cartão de crédito.

Isso nos permite ganhar share neste momento mais hostil, considerando que temos uma base menor. Temos 7%, 8% dos clientes no Brasil, mas não temos 7%, 8% nem de cartão nem de imobiliário ou consignado. Podemos ganhar share sendo mesmo mais seletivo na concessão.

Na medida em que o Inter cresce e ganha mercado, o crescimento tende a desacelerar até pelo efeito-base. O banco vai conseguir manter o ritmo dos últimos anos?

Na verdade, o efeito-base ajuda. Nós começamos o ano de 2022 depois de termos adicionados 8 milhões de clientes em 2021. Terminamos com 16 milhões. Neste ano, nós não vamos dobrar para 32 milhões de clientes. Mas a base de clientes que já estão consumindo nossos produtos e serviços, ficando mais maduros [no relacionamento], passa a ser proporcionalmente maior em relação ao total.

Em 2021, metade dos nossos clientes havia sido adicionado havia poucos meses. Neste ano, não. Temos milhões de clientes com 12, 18, 24 meses de relacionamento. Cada vez mais, a base de clientes maduros vai ser maior em relação ao número de clientes totais.

Por outro lado, os novos clientes acabam sendo mais diluídos em relação à base total. Gastamos muito para adquiri-los, o que é normal porque são novos, e eles consomem menos produtos e tipicamente aqueles sobre os quais há poucas informações de behaviour [comportamento], como histórico de pagamentos.

Quando temos uma base de clientes mais madura, a capacidade de rentabilização é maior. E isso deve continuar a acontecer nos próximos 12, 24 e 36 meses, com a diluição dos custos fixos. E levar a rentabilidade da operação para cima, melhor do que vimos nos últimos trimestres.

Vemos o ARPAC [receita média mensal por cliente ativo, na sigla em inglês] melhorando e o cost of service caindo nos últimos trimestres. Quando vemos esses dois movimentos em razão dos dois fenômenos - clientes mais maduros e diluição dos custos com a base maior -, temos o que se chama de alavancagem operacional, o que nos leva a um botton line melhor, qualquer que seja a métrica.

Você mencionou que o CAC (custo de aquisição por cliente) está em queda também. Isso é uma tendência?

Sim. Nós nunca fomos aquela fintech monoproduto que recebeu uma rodada de investimento e gastou tudo em propaganda. Nós já tínhamos um CAC mais barato. Mas, na medida em que vemos os nossos competidores tirando o pé, podemos também reduzir os investimentos em mídia, propaganda. Já estamos fazendo isso no terceiro trimestre e achamos que vamos continuar a crescer em número de clientes e chegar a 24 milhões, que é quase um guidance [projeção] que demos para o mercado.

Como é que o movimento de entrada no mercado americano dialoga com a melhora desses indicadores?

Em quatro, cinco anos, um espaço relativamente curto de tempo, desde que decidimos ser um banco digital, conseguimos chegar a 20 milhões de clientes, uma receita próxima a R$ 6 bilhões, em um ambiente muito competitivo. Vamos lembrar que há cinco anos tinha banco grande fazendo propaganda contando que abria mil agências novas. Nós conseguimos quebrar essa fase de rebentação no Brasil.

Isso nos motiva a pensar que podemos fazer o mesmo em outros países. Qual o nosso secret sauce? Tecnologia. Ser 100% nativo na nuvem, é ter todos os produtos e serviços no app, que tem uma nova versão a cada 40 dias, algo que bancos brasileiros e americanos não fazem.

Mas, para ter sucesso no mercado americano, acreditamos que temos que começar pelo nicho. Elegemos o nicho dos imigrantes para começar. E, de novo, começamos com serviços, não com crédito. Não temos perdas nem exigências de capital regulatório. É um projeto asset light, como o mercado chama. Consideramos que temos chances de obter sucesso com essa jornada.

Qual o impacto previsto desse investimento no resultado do Inter?

Haverá um impacto pequeno em despesas, mas, sendo uma operação em dólar, pode ajudar o nosso resultado, não em 2022, mas em 2023 em diante.

As units do Inter caíram mais de 80% em 12 meses antes da migração para a Nasdaq. Como têm sido as conversas com investidores?

Neste momento de selloff [onda vendedora], estamos mais próximos dos investidores para mostrar tudo o que estamos conversando, em um nível de profundidade muito maior. Contratamos um novo RI que fica nos Estados Unidos, porque temos muitos investidores que são estrangeiros. Mostramos a tese, os resultados, para onde estamos caminhando, mas tem horas em que é preciso esperar o tempo passar. No momento em que perceberem isso, verão a oportunidade da empresa com um bom ponto de entrada. Temos resultados melhores hoje do que há alguns anos com um valor da ação mais baixo.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.