Bloomberg Línea — A Creditas, fintech brasileira de crédito com garantia, acertou uma extensão de US$ 50 milhões com o Andbank e outros investidores de sua rodada Série F de US$ 260 milhões, que havia sido liderada pela Fidelity e foi realizada em janeiro deste ano. A extensão, que será usada para comprar a licença do Andbank no Brasil, eleva o montante da rodada para US$ 310 milhões, mas ao mesmo valuation de sete meses atrás: US$ 4,8 bilhões.
“Temos um plano claro para atingir o breakeven em um prazo de um ano. E estamos crescendo 3,2 vezes comparado ao ano passado. Dada a nossa rentabilidade, os investidores olharam para a gente”, disse Sergio Furio, CEO e fundador da Creditas, em entrevista à Bloomberg Línea.
A avaliação da Creditas costumava ser baseada em um múltiplo de seis vezes o capital levantado, de acordo com o estudo Panorama de Venture Capital na América Latina da Endeavor e da Glisco Partners. Enrico Del Río, diretor de Inteligência da Endeavor México, disse que, em 2022, essa relação teria ajustes e desafios. Geralmente, uma startup capta sempre a um valuation maior, mas, no caso da Creditas, a rodada ficou estável, em um cenário de um mercado mais restrito para o investimento de risco e em que tem se tornado mais frequente justamente o movimento contrário.
Foi o caso da Klarna, fintech mais valiosa da Europa, que deve receber uma rodada da Sequoia que a avaliará a um valor sete vezes menor, passando de US$ 45,6 bilhões para US$ 6,5 bilhões. A própria Fidelity também reduziu o valuation da Reddit e da Stripe, duas startups que financia.
Carlos Ramos de la Vega, diretor de Venture Capital da LAVCA (Associação para o Investimento de Capital Privado na América Latina), disse em entrevista anterior à Bloomberg Línea que, devido ao contexto, as avaliações atuais podem ser modificadas e acrescentou que “unicórnios têm que crescer para poder justificar essa avaliação nos próximos trimestres e colocar o capital que têm para trabalhar da forma mais eficiente”.
Compra do banco
A compra do banco no Brasil será por R$ 500 milhões em dinheiro. “Não é [que vamos] virar banco. São novas fontes de captação. Passamos a ser donos de um banco e esse banco vai complementar nossas fontes de financiamento e depósito para sermos mais eficientes na captação, aumentarmos a margem e reduzirmos o custo ao cliente”, disse Furio.
O banco vai ajudar a Creditas a também aumentar a carteira de crédito. O Andbank, de Andorra, atua no segmento de private banking e tem mais de US$ 30 bilhões sob gestão, com mais de 70 escritórios em 11 países e 1.200 funcionários. O grupo europeu lançou recentemente uma operação de capital de risco - chamada de Actyus - para investir em startups incluindo fintechs, proptechs (mercado imobiliário) e blockchain.
O banco está presente no Brasil desde 2011 e administra R$ 8 bilhões com uma equipe de cerca de 150 pessoas em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
A Creditas já tem uma licença de SCD (Sociedade de Crédito Direto) no Brasil, mas com o negócio agregará a licença bancária para ampliar, com o Andbank, a captação de depósitos para empréstimos com colateral (garantia). Hoje, a Creditas atua dessa forma captando no mercado de capitais como FIDC.
Recentemente, a empresa fez o IPO (oferta pública inicial) de seu fundo imobiliário na bolsa brasileira.
Mesmo com a Creditas como novo controlador, o Andbank continuará atuando com private banking e gestão de ativos como uma entidade independente. Sergio Furio reforçou que a Creditas não vai virar banco, mas usará o Andbank para captar no mercado de capitais.
Competindo com a Loft
Fundada pelo espanhol Sergio Furio, a Creditas nasceu no Brasil em 2012 com o propósito de oferecer crédito com garantia (usando carros e imóveis como colateral) a juros mais baixos para pessoas que não conseguiam financiamento com os bancos tradicionais. Atualmente, a empresa oferece um número maior de produtos, como empréstimo de capital próprio, financiamento de automóveis e consignados.
Com a nova transação, a Creditas espera crescer em depósitos como fonte adicional de financiamento e trabalhará com o AndBank em fundos imobiliários, renda fixa e crédito imobiliário.
A compra do banco ainda precisa ser aprovada pela autoridade antitruste brasileira (Cade) e a Autoridade Financeira de Andorra (AFA), além do Banco Central do Brasil.
A Creditas também levantou US$ 150 milhões por meio de equity conversível para comprar a Kzas, um marketplace de crédito imobiliário. Em parceria com os bancos, a Kzas oferece a incorporadoras e corretores um produto de crédito para compra de imóveis.
O marketplace de crédito imobiliário B2B2C foi fundado em 2019 por Roberto Nascimento, Eduardo Muszkat e Rodrigo Costa. A Creditas não divulgou os valores da aquisição, que garante uma saída para a Redpoint Eventures, empresa de capital de risco que, segundo o Estadão, estava vendendo suas participações em um momento em que o fundo foi desmembrado.
“É um marketplace aberto para incorporadores oferecerem ao cliente”, disse Furio. Segundo o executivo, o financiamento imobiliário é um mercado de R$ 50 bilhões. Em um momento de alta de juros, segundo ele, faz sentido entrar na operação de crédito imobiliário para aprender. “Temos que aprender muito e o momento de aprender é agora que o mercado esfriou. Vamos aprendendo aos poucos para chegar ao mercado bilionário, com pensamento de longo prazo para aos poucos fazer bem feito”, disse.
Hoje a Creditas faz parte de um grupo abrangente de 76% das startups unicórnios que adquirem ou se fundem com uma empresa em seu país de origem, segundo a Endeavor e a Glisco Partners.
A fintech também vai aplicar o dinheiro na Voltz Motors, fabricante de motos elétricas que recentemente abriu uma fábrica em Manaus. A Creditas já tinha investido R$ 100 milhões em 2021 e agora adiciona mais R$ 50 milhões.
Apesar do ambiente mais desafiador com maior inflação e taxa de juros mais elevadas, que desaceleram a economia, Furio disse que a empresa está ampliando as receitas para R$ 820 milhões no primeiro semestre, um crescimento de 3,2 vezes em relação ao mesmo período no ano anterior.
Preparação para um inverno de unicórnios
A Creditas conta atualmente com mais de 4 mil funcionários em São Paulo, Barueri, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Valência (Espanha) e Cidade do México (México).
Depois que a Bloomberg Línea publicou uma matéria sobre as recentes demissões em unicórnios brasileiros, três pessoas familiarizadas com o assunto disseram que os cortes foram bem maiores do que os 11 desligamentos que a Creditas reportou. Segundo essas pessoas, as vagas e as promoções teriam sido congeladas e cerca de 9% da empresa - de 300 a 400 pessoas - teria sido mandada embora.
Mas uma pessoa familiarizada com o assunto que preferiu não se identificar disse que, de janeiro a abril, o tamanho do time da Creditas se manteve constante, embora sem crescimento na equipe, e que, se comparado com o ano passado, houve aumento do tamanho. Essa pessoa afirma que as contratações nos últimos quatro meses compensaram as saídas.
Segundo essa pessoa, desde o começo deste ano mais de 100 pessoas deixaram a empresa, seja por decisão própria ou por desempenho ruim em análises de performance. “Há novas contratações, inclusive algumas acontecendo antes dos desligamentos, já que a Creditas prevê as pessoas que irão sair”, disse.
Essa pessoa afirmou ainda que fevereiro e março foram meses recordes de contratação na Creditas, com quase 600 novos funcionários. Já em abril e maio houve menos contratações porque a empresa já tinha feito as substituições para aqueles que iriam sair por causa da alegada má performance.
Segundo essa pessoa familiarizada com as discussões, os movimentos de demissões não têm relação com as novas captações de recursos, uma vez que a empresa já estaria capitalizada.
A Creditas está finalizando a migração da contabilidade BR GAAP para IFRS (modelo internacional para divulgação de resultados) e publicará os resultados correspondentes ao primeiro trimestre de 2022 juntamente com os números do segundo trimestre de 2022, bem como um reconciliação de contas históricas através do IFRS.
Até hoje, a Creditas já captou mais de US$ 829 milhões com fundos de capital de risco.
-- Matéria atualizada para corrigir o valor pago pela operação brasileira do Andbank
Leia também:
Itaú acerta compra de 50,1% da Avenue e entra em investimento nos EUA ao varejo