São Paulo — Confirmando a tendência de queda nos investimentos de venture capital que a CB Insights apontou globalmente, as startups brasileiras receberam um volume 44% menor nos primeiros seis meses de 2022 em comparação com o mesmo período no ano passado, segundo dados da plataforma de inovação Distrito. Considerando só o late-stage (Séries D em diante) a correção foi ainda mais brutal: -68%.
“Ninguém sabe se a China vai voltar a produzir, ninguém sabe sobre a guerra na Ucrânia e a escalada de juros do Fed. O cenário é de cautela. Não existe cenário positivo”, disse Gustavo Araújo, CEO e cofundador do Distrito.
Isso já impactou unicórnios da América Latina. É possível ver unicórnios que não são mais unicórnios - como a Vtex (VTEX), por exemplo, que atingiu o valuation bilionário em 2020 depois de uma rodada de US$ 225 milhões e hoje, listada na NYSE, tem um market cap de US$ 603 milhões. Mas mesmo os unicórnios que ainda são privados já não são mais unicórnios, segundo Araújo, que afirma que as empresas estão tentando se segurar para não captar e precisar fazer um “down round” (rodada com uma avaliação menor).
“Teremos muitos down-rounds no late-stage, o que penaliza investidores, executivos que têm equity, todo mundo”, disse. É o caso da Klarna, fintech sueca que pode receber um aporte da Sequoia a um valuation sete vezes menor do que era avaliada, segundo informações do Wall Street Journal.
“O primeiro semestre caiu em relação ao ano passado principalmente pelo impacto do late-stage. Isso foi uma surpresa para nós, a gente esperava que os dados mostrassem uma correção maior no early, mas não, o mercado continua investindo”, disse Araújo.
Ele explica que o late-stage precisa ter valuation e múltiplos similares com empresas pares de capital aberto, mas isso não é cobrado das empresas de early e seed. Este pode ser um motivo pelo qual o early-stage ainda não tenha sido tão impactado com redução nos investimentos.
Contra o primeiro semestre de 2021, os investimentos Seed (anjo, pré-Seed e Seed) da América Latina tiveram um crescimento de 86% nestes primeiros seis meses de 2022. O early-stage (Série A e B) teve um crescimento de 14% em relação ao primeiro semestre do ano passado, saindo de US$ 1,2 bilhão para US$ 1,4 bilhão.
Para os estágios mais iniciais, o impacto do novo cenário macroeconômico veio na diligência e na cobrança para fundadores.
2021 pode ter sido “ponto fora da curva”
No primeiro semestre de 2022 foram US$ 2,9 bilhões investidos em startups da América Latina, segundo o Distrito. Em termos de transações, foram 21% menos acordos de investimento no primeiro semestre deste ano em relação ao primeiro semestre de 2021 (de 416 para 327).
Se comparado ao segundo semestre de 2021, a queda é de 34% no volume e 17% nas rodadas, sinalizando um momento de maior restrição para investimentos de risco.
“É como se estivéssemos em um veleiro sem vento. Está todo mundo esperando para ver o que vai acontecer”, disse Isabelle Araújo, investidora da MVP Ventures, com sede no Vale do Silício, em conversa com a Bloomberg Línea no mês passado.
O CEO do Distrito disse que a previsão inicial de que este ano a América Latina veria cerca de US$ 10 bilhões investidos não acontecerá. Ele estima que pode ser que este ano retroceda ao que foi visto em 2020, quando US$ 4,4 bilhões foram investidos na região.
Contra 2020, o primeiro semestre de 2021 cresceu (327 negócios contra 263 em 2020). Araújo aponta que ano passado foi um ano recorde, mas a tendência ainda é de crescimento considerando 2020.
Segundo o Distrito, os dois primeiros meses de 2022 ainda tiveram o mesmo perfil do ano anterior, muito por conta de rodadas que já tinham sido feitas no ano passado, mas que foram anunciadas no primeiro trimestre desse ano. Mas, desde fevereiro, o montante investido na região vem decaindo com a guerra na Ucrânia e os lockdowns da China.
Em relação ao tíquete médio por estágio, os cheques de Seed praticamente dobraram em dois anos para cerca de US$ 2 milhões neste 2022. “Deve ter uma redução nesse tíquete médio de acordo com o cenário, esse tíquete não deveria estar tão alto como está”, disse o CEO do Distrito.
Os setores que mais receberam investimentos no primeiro semestre de 2022 foram fintech (US$ 1,3 bilhão) seguido de varejo e Recursos Humanos.
Os investidores mais ativos do semestre por numero de deals foram Bossa Nova Investimentos (39), Domo (10), Iporanga (6), Maya Capital (4) e Y Combinator (4) para rodadas Seed. Valor Capital (7), SoftBank, Endeavor (4) e ONEVC (4) foram os maiores investidores de early-stage na região.
Ligeira queda de M&As
Segundo o Distrito, o ecossistema viu 10 M&As (fusões e aquisições) no primeiro semestre, 7% menos do que no ano passado, quando foram 118 no período. “Ficou praticamente estável. Nossa análise é que M&A tenderia a continuar estável ou até aumentar porque você tem várias startups mais fragilizadas.”
Os dados do Distrito apontam retração na compra por grandes corporações. Em 2020, as grandes empresas representavam 60% das transações em M&A. No primeiro semestre de 2021, as corporações foram responsáveis por 43% dos deals na América Latina e no primeiro semestre de 2022 essa porcentagem caiu para 22%.
Em comparação, há mais startups scale-ups comprando outras startups early, segundo o Distrito. Entre os setores que tiveram M&As no semestre destacam-se fintech (22), edtech (16), saúde (14), marketing (8), cadeia de suprimento (7) e recursos humanos (6).
A maioria das startups compradas é B2B.
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