Por que os multimercados voltaram a ganhar espaço na carteira do investidor

Com retorno acima da renda fixa graças à performance no book de juros, fundos da categoria apresentam retomada das captações em bancos e corretoras

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Bloomberg Línea — Há um fenômeno em curso no mercado de capitais brasileiro. “Esquecido” por alguns anos na era de juros baixos, os fundos multimercados têm voltado a ganhar espaço nas carteiras dos investidores em um cenário já bem conhecido pelos gestores, de juros elevados e incertezas macroeconômicas.

De acordo com especialistas de BTG Pactual, Itaú Unibanco, Santander Asset e XP Investimentos ouvidos pela Bloomberg Línea, esses fundos voltaram a mostrar uma retomada das captações.

Um dos principais motivos é o retorno apresentado, que tem superado com folga o desempenho do CDI. Os retornos chegam a quase 63% no acumulado deste ano até metade do mês de junho em alguns fundos multimercados, acima da variação de 5,42% do CDI no período, segundo levantamento feito pela plataforma de informações de mercado Quantum Finance a pedido da Bloomberg Línea.

É o caso do “BTG Pactual Economia Real Feeder FIC Multimercado”, do BTG Pactual WM, que teve retorno de 62,77% no ano até 17 de junho. Nos últimos 12 meses, os ganhos chegaram a quase 68%. Confira os fundos multimercados com melhor desempenho no primeiro semestre:

FundoRetorno em 2022*Retorno em 12 meses*
BTG Pactual Economia Real Feeder FIC Multimercado62,77%67,65%
Trend Commodities FI Multimercado41,63%61,26%
Crusader Investimento no exterior FIC Multimercado Crédito Privado35,78%44,82%
Systematica Blue Trend Advisory Investimento no exterior FIC Multimercado35,73%34,70%
Vista Multiestratégia Advisory FIC Multimercado35,70%43,53%
CSHG Allocation SPX Raptor CSHG Investimento no exterior FIC FIM Créd. Priv35,56%44,43%
XP Macro Plus FIC FIM29,86%37,88%
ASA Hedge FIC Multimercado28,38%35,21%
Redpoint Eventures 2 Seleção FIC Multimercado27,53%33,23%
SPX Nimitz Feeder FIC Multimercado23,86%30,31%

*Dados até 17/06/2022

Fonte: Quantum Finance

O levantamento considera fundos com ao menos 200 cotistas ao fim do período. No caso de fundos “espelhos” (que investem nos mesmos fundos “master”), entrou no estudo apenas o mais antigo.

Vale destacar que o levantamento serve apenas para dar uma referência ao investidor, mas é preciso lembrar que retornos passados não são garantia de rentabilidade futura.

Início de tendência?

Ainda que a captação líquida no acumulado do ano esteja negativa, com investidores buscando ativos de renda fixa – com menor risco e com retornos atrativos diante da Selic acima de 13% ao ano –, corretoras e bancos consultados sinalizam que há um início de tendência de reversão do cenário.

É uma jornada gradual. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os multimercados encerraram o primeiro semestre com resgates de R$ 61,8 bilhões, ante captações líquidas da ordem de R$ 90 bilhões no mesmo período de 2021.

De acordo com Rogério Calábria, superintendente de produtos de investimento do Itaú Unibanco, os investidores têm começado a olhar para os multimercados como uma estratégia para conseguir atravessar o atual cenário turbulento.

No Itaú Unibanco, os fundos multimercados, que representavam 20% da captação bruta em janeiro deste ano, saltaram para 33% em abril e 39% em maio.

“Quando analisamos a atribuição de performance dos principais produtos da nossa prateleira, praticamente todos conseguiram obter resultados positivos no book de juros neste ano, tanto local quanto internacional – movimento que também foi capturado pelos produtos de renda fixa ativo”, diz.

No ano até maio, o retorno médio dos multimercados oferecidos na plataforma do Itaú Unibanco era de 7,38% (o equivalente a 170% do CDI), com 76,7% da “prateleira” ganhando do CDI no período.

Calábria destaca ainda a flexibilidade de gestão desses fundos, que permite uma exposição em outros mercados, como Bolsa (tanto direcional quanto valor relativo), moedas e outros.

Na XP Investimentos, Rodrigo Sgavioli, head de alocação e fundos, diz identificar um movimento semelhante. “Vimos o auge dos resgates em dezembro de 2021 e em janeiro deste ano. De lá para cá, também por causa de uma performance acima da média de muitos dos gestores, o nível de resgate veio reduzindo até virar um número positivo nas últimas semanas”, conta.

A preferência tem recaído sobre multimercados de estratégia macro e multimercado livre, diante de um resultado considerado acima do esperado. Em 2022, o IHFA, índice de referência para a indústria de hedge funds (o equivalente da categoria), apresenta ganhos de 8,32%, ante variação de 5,42% do CDI.

À Bloomberg Línea, Carlos André, CEO da Santander Asset Management e presidente da Anbima, disse ter percebido desde maio e principalmente em junho uma reversão da tendência de resgates líquidos em estratégias de multimercados.

“Esses primeiros meses do ano foram os melhores que vimos para os multimercados [com relação ao retorno] nos últimos anos”, disse André, com a ressalva de que o comportamento do investidor de varejo tradicionalmente é guiado pelo “retrovisor” no momento de decidir pela alocação.

Já no BTG Pactual, a analista de fundos de investimento Juliana Machado diz ver um movimento ainda tímido de retomada das captações.

Os números ainda estão começando a esboçar uma recuperação, mas talvez ainda seja muito cedo para vermos um início de tendência”, diz. Machado justifica apontando o cenário de alta dos juros, que tem levado os investidores a buscarem aplicações mais conservadoras.

Para a analista do BTG Pactual, contudo, a conjuntura é benéfica para a aplicação nesses fundos, principalmente devido ao que descreve como maior agilidade, conhecimento e possibilidade de montar posições dos gestores, conseguindo aproveitar o movimento de fechamento da curva de juros (a redução das projeções dos juros futuros).

Horizonte de longo prazo

Para investidores que querem montar posição em fundos multimercados, Sgavioli, da XP, afirma que é preciso tomar decisões com foco no longo prazo, para períodos acima de três anos. “É preciso ter consciência no que está entrando e que se deve deixar o gestor fazer o seu trabalho.”

Especialistas apontam que é importante selecionar gestores com histórico de retornos consistentes e reputação, com foco em uma equipe sólida e controle de risco.

Na construção do portfólio, a fatia alocada nesses fundos varia de 5% a 30% na XP, a depender do perfil de risco do cliente. É possível fazer tanto posições estruturais, diz, quanto táticas, desde que respondam a ciclos mais longos.

Sgavioli conta, por exemplo, que no meio do semestre aumentou a exposição à estratégia macro porque estava com visão construtiva sobre como os gestores iriam conseguir capturar o movimento de alta dos juros nos Estados Unidos e a queda das bolsas no exterior.

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