São Paulo — O governo brasileiro decidiu investigar cinco empresas do setor de turismo - CVC (CVCB3), Decolar, 123 Milhas, Max Milhas e Viajanet - por falhas no atendimento aos consumidores durante a pandemia de covid-19. O caso, ainda sem previsão de data de julgamento, pode resultar em punições, como o pagamento de multa no valor de até R$ 13 milhões. As empresas dizem que aguardam notificação, prometem colaborar com as apurações e que trabalham para prestar melhor atendimento aos clientes.
O processo administrativo, aberto em 27 de junho, é conduzido pela Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e foi motivado pela queixas de consumidores sobre a prestação dos serviços durante a crise sanitária.
“A Senacon busca apurar possíveis infrações ao Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito a cancelamentos, remarcações, reembolsos e reaproveitamento de créditos de viagens e reservas”, diz nota do Ministério, acrescentando que as cinco agências apresentaram o maior número de queixas registradas na plataforma Consumidor.gov.br, durante a pandemia.
Entre os principais problemas relatados estão: dificuldade para alterar ou cancelar o contrato/serviço e a dificuldade ou atraso na devolução de valores pagos, reembolso e retenção de valores, cita a nota. Procuradas pela Bloomberg Línea na última sexta (1°), as empresas disseram que não foram notificadas e comentaram a decisão da Senacon:
- CVC: “A CVC ressalta que segue políticas de viagens conforme a legislação vigente. A empresa preza pelo respeito e transparência com todos os seus clientes e parceiros e segue com seus canais de atendimento à disposição para quaisquer dúvidas”
- Decolar: “A Decolar mantém constante diálogo com os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, incluindo a Senacon, visando o aprimoramento contínuo de suas práticas de atendimento aos clientes”
- 123Milhas: “Se a questão está ligada ao atendimento inadequado a alguns consumidores durante a pandemia, queremos ressaltar que somos os primeiros interessados em esclarecer o assunto, que buscamos permanentemente seguir a legislação vigente”
- Max Milhas: “A MaxMilhas permanece à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários. Atuamos de forma constante na melhoria e aprimoramento de seus serviços, prezando pelo cuidado e transparência na relação com seus clientes”
- Viajanet: ”Desde já, ressaltamos que a empresa dispõe de contínuo diálogo com a Senacon e os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, aspirando aperfeiçoamento constante de suas práticas de atendimento”
Após a notificação, a próxima etapa é a defesa das empresas, informou o Ministério da Justiça.
O órgão do governo identificou dois momentos de pico nos números de reclamações ao longo de 2020 e 2021: o primeiro a partir de abril de 2020, com o início das restrições para o setor de turismo em função da pandemia; o segundo, um ano depois, quando as empresas deveriam começar a reembolsar os consumidores que tiveram, por exemplo, viagens canceladas.
Análise
O diretor de relações institucionais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Igor Britto, disse à Bloomberg Línea que a Senacon deverá identificar práticas lesivas aos direitos dos consumidores, pois o volume de queixas é significativo. “Se tantas pessoas registraram reclamações, é quase impossível que não seja um problema verdadeiro”, pontua.
Ele lembra que regras aprovadas no início da pandemia permitiram o cancelamento de viagens sem a devolução obrigatória dos recursos. “Os clientes tinham de remarcar seus voos ou receber créditos. Foram muitos voos cancelados. Agências e companhias aéreas prestaram um péssimo atendimento aos clientes, com os calls centers não resolvendo os problemas dos consumidores”, relata Britto.
O advogado acrescenta que houve ainda um “jogo de empurra”, em que agências que vendiam passagens evitavam se responsabilizar pelos transtornos causados pelo cancelamento de voos. “Existe a responsabilidade solidária: se uma companhia aérea cancela um voo, a agência que comercializou o bilhete também é responsável e não pode recusar atendimento ao consumidor”, afirma o diretor do Idec.
Na avaliação de Britto, a investigação da Senacon pode revelar quão vulnerável está o cliente de plataformas que compram milhas e emitem passagens aéreas para terceiros, como a 123Milhas e Max Milhas. “O modelo dessas empresas não é transparente, pois não é regulamentado no Brasil, o que abre margem para práticas abusivas. O Estado tem de entender como funciona esse mercado e identificar as situações capazes de gerar prejuízos ao consumidor”, diz o advogado.
O diretor do Idec evita arriscar se a Senacon vai acabar aplicando uma multa às empresas ou apenas firmando um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta). “Elas têm um prazo de 10 dias para prestar esclarecimentos à Senacon ou serão enquadradas por crime de desobediência. A Senacon tem muitos processos e não tem uma equipe tão grande para dar conta”, detalha Britto.
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