Por que investidores ainda estão otimistas com startups da América Latina

Companhias da região receberam investimento recorde no primeiro trimestre, mantendo otimismo quanto ao crescimento e à resiliência

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Bloomberg Línea — As empresas de capital aberto sofreram um grande reajuste em seus valuations, o que inevitavelmente afeta as empresas de capital fechado, segundo Carlos Ramos de la Vega, diretor de venture capital da Associação para Investimento de Capital Privado na América Latina (LAVCA, na sigla em inglês).

Em entrevista à Bloomberg Línea, Ramos afirma que o impacto desta crise será mais pronunciado em startups em estágios avançados de investimento, o que coincide com o que dizem os especialistas no espaço empreendedor, que também preveem consequências menores para startups em estágios iniciais.

Entretanto, diante de uma possível queda nos valuations e em meio à cautela entre os fundos de venture capital, Ramos assegura que a LAVCA continua otimista sobre o que o futuro reserva.

“Sempre haverá altos e baixos a curto prazo nos mercados, mas a médio e longo prazo, como é a natureza do capital, continuamos otimistas”, disse ele.

Segundo ele, o otimismo da LAVCA tem como base vários fatores: mais dinheiro disponível de fundos locais, nos chamados fundos de oportunidade; o histórico de investimento na região, que impulsionou o espaço empreendedor, e a maturidade operacional dos empreendedores.

Investimento de venture capital continua firme

O primeiro trimestre deste ano foi o quarto maior em termos de investimento de venture capital na América Latina. Nos primeiros meses de 2022, foram investidos US$ 2,8 bilhões em 190 transações. A partir deste momento, segundo Ramos, começamos a ver uma tendência de investidores focados em startups em fase inicial.

Enquanto no ano passado 49% da concentração de capital estava na fase avançada, o capital dominante atualmente está na fases seed, pré-série A ou série A, que concentra 39% do capital total investido a nível regional.

Ramos diz que a região está voltando a se focar nos estágios mais iniciais, como fazia anteriormente em face da cautela do mercado. Contudo, isso não significa que não haverá mais unicórnios. Até o momento, este ano, cinco deles surgiram na América Latina: Betterfly, Habi, Dock, Nowports and Kushki.

“Os unicórnios ainda são importantes”, disse Ramos.

Isso ocorre graças à tração do mercado latino-americano em termos de investimentos de venture capital, disse.

“O recorde do ano passado serviu muito para proporcionar visibilidade global da América Latina como região. E não apenas dos principais países, que sempre estiveram em evidência, mas por exemplo, há a abertura de capital da dLocal [do Uruguai]; as rodadas de financiamento para empresas de educação no Equador, ou a rodada recorde para a Venezuela que vimos para o super aplicativo Yummy, que arrecadou mais de US$ 40 milhões; todos esses exemplos mostram que os investidores estão interessados na América Latina em nível regional”.

Além disso, o otimismo da LAVCA é apoiado pelo fato de que várias empresas internacionais de capital de risco estão lançando fundos especificamente focados na América Latina, principalmente em São Paulo e na Cidade do México, disse Ramos.

“Isso dá um certo senso de convicção nos mercados, e uma permanência que vai muito além de alguns trimestres quando houver flutuações no mercado”.

Fundos de oportunidade

Além da permanência de fundos de investimento estrangeiros, os fundos locais estão lançando fundos de oportunidade na região.

Os fundos locais conseguiram levantar uma quantia significativa em 2021, o que coloca fundos como Valor Capital, Kaszek e Monashees em uma boa posição, afirmou Ramos.

Estas empresas estão lançando fundos de oportunidade com capital de crescimento destinado a apoiar empresas dentro de sua carteira na qual investiram em um estágio inicial. “O objetivo é ajudá-las a superar os obstáculos que terão nos próximos trimestres, para que vejamos um ecossistema crescente e resiliente”, disse.

Estes fundos latino-americanos – cuja tese de investimento tem como foco estágios iniciais – criam outros fundos para continuar apoiando as startups mais promissoras em sua carteira em estágios mais avançados e afirmar seus direitos proporcionais de participação em rodadas subsequentes.

“Normalmente o fundo semente inicial não é criado para ter a capacidade econômica de investir quantias maiores”, explica Ramos.

O especialista em venture capital explica que, no caso da Kaszek, investidora do Nubank, a empresa estaria interessada em investir em rodadas subsequentes do neobanco, mas na época não tinha um fundo de oportunidade.

Um fundo de oportunidade é um segundo veículo ou uma alternativa com a qual os fundos podem maximizar o retorno financeiro. E, do lado dos empreendedores, eles podem ter a confiança de voltar aos investidores que os apoiaram desde os estágios iniciais e pedir um pouco mais de liquidez”, diz ele.

Na América Latina, os fundos de oportunidade se tornaram populares. A Kaszek, por exemplo, lançou um fundo do tipo com US$ 450 milhões no ano passado.

Portanto, enquanto alguns fundos globais talvez estejam suspendendo investimentos de capital de crescimento na América Latina, os fundos de oportunidade poderiam ser uma opção para substituí-los nos próximos trimestres.

Empreendedores mais experientes

O cenário empreendedor da América Latina já existe há cerca de uma década, e alguns empresários lançaram com sucesso mais de uma startup. Segundo Ramos, estes possuem grande poder de barganha e maior capacidade operacional devido à sua experiência.

“Vimos uma participação cada vez maior de empreendedores que já são operadores conhecidos e agora estão lançando uma segunda ou terceira iniciativa”.

Isto os ajuda a ter o apoio dos investidores, que, por sua vez, auxiliam na arrecadação de mais capital no estágio inicial, explica.

Ramos acrescenta que a resiliência da esfera empresarial latino-americana e também a maturidade do talento, tanto técnico quanto operacional, é um dos fatores que ajudaram na maior convicção, não apenas por parte dos investidores que entram no espaço latino-americano, mas também por parte dos investidores de capital de crescimento que entram em estágios iniciais.

Segundo ele, esse talento experiente faz com que os investidores se sintam mais confiantes no retorno financeiro.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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