Bloomberg Línea — O ranking do varejo farmacêutico vai mudar no segundo semestre. O grupo RaiaDrogasil (RADL3) segue na liderança, mas o segundo lugar será ocupado pela Pague Menos (PGMN3), ao oficialmente incorporar a Extrafarma em 1º de agosto. A aquisição, anunciada em maio do ano passado, recebeu o aval do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), com restrições, no último dia 22 de junho.
A nova Pague Menos passará a contar com cerca de 1.600 lojas e receitas brutas anuais estimadas em R$ 10,5 bilhões.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO da Pague Menos, Mário Queirós, revelou que a companhia deve fechar cerca de 10% das lojas antes pertencentes ao grupo Ultra. Além disso, novas aquisições estão no radar da varejista, mas com foco agora em startups conhecidas como healhtech, que estão em processo de seleção com um fundo de corporate venture capital (CVC) criado para essa finalidade.
Estão na mira, por exemplo, startups que possam ajudar a capturar ainda mais sinergias da integração da Extrafarma. Para liderar a frente estratégica, a companhia contratou como diretor de M&A (fusões e aquisições) Rodrigo Pirajá, ex-gerente de M&A da Hapvida (HAPV3). “Ele trabalhou no Hapvida na fusão com a NotreDame. E chega para acelerar as nossas aquisições de pequenas empresas”, contou Queirós.
A companhia espera capturar ganhos de sinergias estimados entre R$ 180 milhões e R$ 275 milhões, acima dos R$ 150 milhões a R$ 250 milhões originalmente calculados na época do anúncio, um ano atrás. O centro de distribuição (CD) da Extrafarma em São Paulo vai permitir, segundo o CEO, reduzir em 40% a distância entre as lojas. Segundo ele, isso permitirá a redução de custos de frete. “Era um sonho ter um CD em São Paulo”, diz o principal executivo da companhia com sede no Ceará.
“Adquirimos 399 lojas. Por exigência do Cade para manter as condições de concorrência, temos que vender 8 unidades. Das 391 que ficam, cerca de 10% serão fechadas nos próximos meses porque têm baixíssima performance e não dá para recuperar ou porque estão próximas de uma loja nossa, que tem potencial de absorver”, disse o executivo.
Para obter a aprovação do Cade, a Pague Menos se comprometeu a vender oito unidades da Extrafarma no Nordeste. A rede Bruno Farma (Drogaria Ultrapopular de Itapipoca) apresentou a maior proposta e levou esses ativos, um negócio que será oficializado em julho, segundo o CEO.
A Pague Menos vai pagar cerca de R$ 700 milhões pela compra da Extrafarma. Queirós diz que o valor exato ainda será calculado, considerando ajustes em estoques e fluxo de caixa. “No dia 31 de julho, faremos o pagamento da primeira das três parcelas. Serão 50% à vista, de imediato. Depois serão 25% um ano depois, e outros 25% dois anos depois. O capital de giro vai ter algum ajuste insignificante em relação ao que assinamos há um ano, mas deve ficar muito próximo dos R$ 700 milhões”, disse.
Não está descartado um “rebranding” no futuro. O CEO conta que, no primeiro ano da aquisição, não poderá mexer na marca adquirida. Queirós afirma, no entanto, que a tendência é identificar o grupo mais como um hub de saúde do que como uma farmácia, o que significa possivelmente o abandono do “farma” em suas marcas. “Ainda estamos estudando essa questão, ouvindo os clientes.”
Expansão antecipada em 3 anos
O CEO da Pague Menos diz que a compra da Extrafarma antecipou em três anos o plano de expansão da rede. A rede pretende encerrar 2022 com a abertura total de 120 novas lojas, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com foco nos consumidores das classes B, C e D. Os estados de São Paulo e Minas Gerais também devem receber novas unidades.
É uma expansão em linha com o movimento do próprio setor. A RaiaDrogasil, por exemplo, projeta a abertura de 260 unidades ao longo de 2022. Segundo o CEO, a chamada “interiorizados negócios ainda é uma alavanca de crescimento para a companhia, mencionando oportunidades de aberturas de lojas em estados importantes do agronegócio, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Queirós revelou que a companhia pretende avançar na digitalização dos canais de venda, adicionando mais produtos e serviços em seu ecossistema de saúde, como testes rápidos de diagnóstico, um dos destaques de seu faturamento durante as ondas de Covid-19. Em janeiro, com a proliferação dos casos da variante ômicron, a empresa vendeu mais de 500 mil exames de Covid-19.
Veja principais trechos da entrevista:
O Cade concedeu o prazo de 180 dias para a Pague Menos vender oito unidades, uma exigência para aprovar a compra da Extrafarma. Quando a companhia fará isso?
Esse prazo é pro forma [formalidade]. Normalmente, as empresas não apresentam um comprador na primeira visita ao tribunal do Cade. Nós já fomos com o comprador e devemos fechar ainda em julho, até o meio do mês. Queremos pegar as chaves da Extrafarma no dia 1º de agosto. Nosso acordo com o grupo Ultra prevê que a Pague Menos assuma imediatamente no primeiro dia útil do mês subsequente ao cumprimento das condições precedentes.
Só apareceu um comprador, a rede Bruno Farma, para os ativos?
Quando tivemos conversas preliminares com o Cade, levamos uma lista de oito possíveis compradores. Todos cumpriram as exigências do Cade. Foi a questão comercial que decidiu: a que deu a melhor proposta levou. É um valor irrisório. São apenas oito lojas e vamos vender sem os estoques. É só uma cessão de pontos. As lojas a serem vendidas têm que continuar funcionando, porque tem que existir um concorrente naquela região.
Agora que a Pague Menos conseguiu o aval do Cade, como será a conclusão do negócio e a captura de sinergias com a integração?
No dia 31 de julho, faremos o primeiro pagamento, da primeira parcela. São três parcelas, 50% logo à vista, de imediato. Depois 25% um ano depois, e 25% dois anos depois. A compra foi anunciada citando um valor de R$ 700 milhões, mas deve ter um pequeno ajuste em estoque e fluxo de caixa. O capital de giro vai ter algum ajuste em relação ao que foi assinou há um ano. [O valor final do negócio] deve ficar muito próximo de R$ 700 milhões, um ajuste para cima ou para baixo, mas também insignificante.
A gente está adquirindo 399 lojas, mas temos que vender 8 unidades para cumprir a determinação do Cade. Já temos tudo mapeado, pois os times da Pague Menos e da Extrafarma conversam há um ano. Temos algo em torno de 10% das lojas da Extrafarma que devemos fechar nos próximos meses por terem baixíssima performance, não dá para recuperar, ou por estarem perto de uma loja Pague Menos, que tem potencial de absorver. Devem permanecer umas 350 das 399 lojas. É uma estimativa.
O plano é acabar com a marca Extrafarma no futuro?
Não. No primeiro ano, não vamos mexer em marca. Estamos fazendo pesquisas com grupos de clientes para entender as fortalezas das marcas Extrafarma e Pague Menos. O cliente de uma marca compra na outra ou não? Qual o percentual? Estamos estudando principalmente os clientes em Fortaleza, Belém e no Maranhão, onde disputamos a liderança com a Extrafarma. Os clientes das duas marcas têm perfis muito parecidos aqui no Norte e no Nordeste, nosso quintal. Uma mudança de marca exige muita cautela.
Concorrente da Pague Menos, a DrogaRaia (RD) anunciou recentemente que vai eliminar o “Droga” de sua marca. Vocês pretendem também fazer algum rebranding?
Entendo aonde eles querem chegar, porque é o que estamos também fazendo. Há algum tempo, a Pague Menos está querendo ser muito mais do que uma farmácia: queremos ser um hub de saúde, um ecossistema de saúde. Em algumas ações, tirar o “farma” para que as pessoas lembrem da Pague Menos associando à saúde, e não à farmácia. É lá onde eu vou cuidar da minha saúde, do cuidado básico. Por isso estamos focando mais em serviços. Hoje temos o maior portfólio de testes que você pode fazer em uma farmácia. São mais de 50 protocolos. Só em janeiro fizemos mais de meio milhão de testes de Covid, quando teve o pico da ômicron.
Tirar o “farma” significa tirar o “farma” de Extrafarma?
No futuro, sim, mas isso não é para o curto prazo. As grandes redes estão apostando muito em serviços. A pandemia acelerou os futuros. Queremos que a pessoa pense na Pague Menos como centro de saúde. A marca Pague Menos é hoje intocável, mas daqui a cinco anos, você pode me dizer “pô, Mário, a Pague Menos está mudando de nome” [risos].
Desde sua fundação, a Pague Menos se inspira no modelo norte-americano da CVS, com sortimento não limitado a medicamentos. A companhia estuda no longo prazo entrar em outros segmentos, fazendo aquisições de empresas de medicina diagnóstica ou hospitais?
Não queremos entrar em hospital, mas observamos esse nicho de medicina diagnóstica, de testes laboratoriais rápidos, em que todo dia surge uma inovação - com uma gota de sangue você consegue detectar várias doenças. Não vamos para exames e tratamentos complexos. Queremos apenas tratamento básico, primário.
Queremos ser a opção ao cliente que não tem plano de saúde, que é mais de 70% da população. As clínicas populares vieram com a proposta de R$ 50, R$ 60, mas o paciente é obrigado a fazer vários exames e acaba gastando R$ 300. Ou seja, não tem nada de popular. O custo de aquisição de clientes dessas clínicas é muito alto. O meu, não. Já tenho 10 milhões de clientes passando nas minhas farmácias todo mês. Queremos ampliar esse nicho dos serviços.
Mas por que o apego ao varejo farmacêutico? Por que não ampliar o foco com aquisições em medicina diagnóstica e hospitais?
Primeiro porque está no nosso DNA. Não vamos perder esse DNA. Nosso negócio é varejo. É saúde, mas vem do varejo. Vamos colocando periféricos dentro desse meu ecossistema. Não vou mudar e deixar de ser uma farmácia. Com toda a nossa diversificação, 70% do meu faturamento vem de vender medicamento. Mesmo a CVS que você visita nos EUA, com todo aquele “front store” que eles têm, trabalhando com 30 mil SKUs [tipos de produtos], 70% do faturamento dele ainda é de medicamento.
Vimos nos últimos anos um processo de consolidação dos hospitais. Em Fortaleza, sede da Pague Menos, a capixaba Kora Saúde (KRSA3), por exemplo, comprou hospitais Gastroclínica, São Mateus, rede Otoclínica. Como você vê esse movimento?
Vejo pelo lado dos nossos parceiros do Hapvida (HAPV3), que têm feito grandes aquisições, se tornaram número 1 quando se fundiram com a NotreDame. Eles têm um modelo de verticalização. Eles conseguem controlar os custos e ganhar escala quando fazem essas aquisições. Esse é um modelo vencedor: você verticaliza e vai colocando parceiros dentro do seu sistema. É o que queremos fazer agora: devemos continuar com fusões e aquisições, mais aquisições do que fusões.
Não queremos parar na Extrafarma. No próximo ano o foco é capturar as sinergias dela, mas você vai ver algumas aquisições que vamos fazer de healthtechs, algumas startups que fazem o que fazemos hoje com ineficiência ou que fazem mais barato ou mais rápido, algo que eu possa disruptar.
Estamos montando um fundo, contratamos um diretor específico para isso, de M&A, o Rodrigo Pirajá, que trabalhou na fusão do Hapvida com a NotreDame. Trouxemos ele para nosso time, a fim de acelerar aquisições de pequenas empresas para esse ecossistema de saúde que estamos montando.
Vocês já selecionaram essas startups?
Ainda estão no radar. Já temos um trabalho com startups, com o NINNA, uma aceleradora de startups, que fica na antiga sede da Bolsa de Valores, em Fortaleza, onde as startups se apresentam para nossos diretores para solucionar alguma dor da Pague Menos. Com esse fundo, eles agora vão se apresentar para a gente decidir se adquire ou não. Nosso diretor de M&A vai montar esse fundo de corporate venture. Não temos ainda o valor desse fundo.
A companhia tem interesse em startups de que segmentos?
Healthtechs na parte de diagnóstico, alguns parceiros que a Pague Menos possa alavancar agora que vamos ter 1.600 lojas. Tudo isso para acelerar nossa transformação digital. A pandemia veio para acelerar futuros. No primeiro trimestre de 2019, nosso e-commerce representava menos de 2% do nosso faturamento, em todos os canais digitais. Com a pandemia, em março de 2020, pulou para 5%. No primeiro trimestre deste ano, já saltou para 9,1%. E já já vamos bater 10%.
As pessoas aprenderam a usar os canais digitais. Vemos, por exemplo, que a maturidade do cliente do Sul e do Sudeste é muito maior. No Sudeste, essa participação do e-commerce no faturamento é quase 20%, enquanto no Norte é de 6%, e no Nordeste, de 7 a 8%. Uma hora esse gap deve diminuir entre as regiões. Vamos buscar uma média em torno de 15% e 20%. Mesmo com o fim da pandemia, com a maior mobilidade, sem lockdown, queremos chegar a 20%. Isso é um caminho sem volta.
Como a alta dos combustíveis está impactando os custos da Pague Menos, já que a logística de distribuição depende muito dos caminhões? Como está a disciplina com os custos?
Nossa logística é toda terceirizada. Os contratos foram fechados em cima do custo de nota fiscal. Quando temos um reajuste de preços ou aumentamos a venda, eles automaticamente têm um reajuste dos contratos. Negociamos com nossos três fornecedores porque com esse aumento [dos combustíveis] teve de ter algum repasse. Infelizmente, o custo da nossa folha foi pressionada por mais de 10%, a energia disparando. Mas o reajuste dos remédios em 1º de abril compensou um pouco todos os custos que estávamos sofrendo desde o ano passado. Temos uma boa relação com nossos três parceiros fornecedores.
Então, conseguimos equalizar essa pressão dos custos repassando para eles esse reajuste. Quando eles vieram com o pedido, dissemos para aguardar o reajuste de abril para compensar o aumento dos combustíveis.
Vocês estão satisfeitos com esse modelo de logística?
Nosso negócio é vender remédio, e não transportá-los. Nosso custo de frete está dentro do padrão do mercado. Temos cinco CDs (centros de distribuição) nas regiões do país, assim conseguimos reduzir a distância entre lojas. Com a Extrafarma, que tem parte de sua logística própria, já vamos terceirizar, já temos tudo negociado com um fornecedor nosso, que vai assumir os caminhões, caminhoneiros da Extrafarma. Só a gestão do warehouse que será nossa.
E estamos ganhando com a Extrafarma quatro CDs (um no Pará, um no Maranhão, um no Ceará e um em São Paulo). Era um sonho nosso ter um CD em São Paulo. Com a Extrafarma, antecipamos esse projeto. Eles têm 40 lojas em São Paulo, enquanto nós temos 90 lojas. O CD de São Paulo está preparado para mais de 200 lojas. Então, esse foi um dos motivos das sinergias que esperamos com essa aquisição.
Com esses quatro novos CDs, vamos diminuir em 40% a distância entre as lojas que estão impactadas hoje. Eu abastecia minhas lojas do Maranhão por meio do CD do Ceará. Agora, as minhas lojas no Maranhão vão ser atendidas pelo CD da Extrafarma. As de São Paulo eram pelo meu CD de Goiás. Agora serão atendidas pelo CD de São Paulo da Extrafarma. Será uma redução muito forte de frete, principalmente com esse problema do combustível. As sinergias que mapeamos vamos conseguir capturar.
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