Por Gino Matos para Mercado Bitcoin
São Paulo — As pirâmides financeiras que usam criptomoedas como atrativo para aplicar golpes em investidores geralmente movimentam valores consideráveis. A suposta pirâmide GAS Consultoria, desmantelada em agosto de 2021, teve R$ 38 bilhões bloqueados de suas contas no mesmo ano. Além disso, foram apreendidos 591 Bitcoins durante a Operação Kriptos, da Polícia Federal (PF), no ano passado.
Isso significa que, considerando a cotação do Bitcoin em R$ 110 mil, a PF detém mais de R$ 65 milhões em criptomoedas sob sua custódia. Somadas a outras criptomoedas apreendidas em ações dentro da Operação Kriptos, são R$ 400 milhões em moedas digitais sob a tutela do Estado.
Ausência de previsão legal
Os significativos valores confiscados em casos criminais chamam a atenção. Não apenas pelas quantias, mas também pelas particularidades desses ativos, como volatilidade, transações irreversíveis e custódia diferenciada.
A legislação brasileira ainda não tem previsão específica que cubra essas características, destaca Vytautas Zumas, delegado da Polícia Civil de Goiás e criador do Núcleo de Operações com Criptoativos (NOC) no Ministério da Justiça. O que se aplica hoje são as medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal.
“Quando a polícia ou o Ministério Público localizam criptoativos em poder do investigado, é possível fazer o sequestro dos ativos por meio dessas medidas. Atualmente, a instituição tem sua própria carteira e faz a transferência dos valores do investigado para sua própria custódia.”
O modelo atualmente aplicado, na avaliação do delegado, tem pontos positivos e negativos. A praticidade de arresto dos valores é a parte positiva do procedimento atual, diz Zumas. O lado negativo é a grande responsabilidade que as instituições assumem. “As autoridades brasileiras de persecução penal ainda não estão totalmente preparadas para realizar esse tipo de custódia.”
Quando os criptoativos do investigado estão em uma exchange, Zumas salienta que é emitida uma ordem judicial para que a plataforma faça o bloqueio dos bens. Essa prática, porém, não é considerada ideal pelo delegado. “O problema é que a exchange é uma empresa privada que, em tese, está fazendo a custódia de bens sequestrados que, durante a investigação, têm o valor de bens públicos.”
Mais lacunas
Embora o acautelamento dos ativos digitais seja coberto pelo Código de Processo Penal, ainda que não existam regras especiais, a alienação dos bens e o ressarcimento das vítimas é uma questão ainda sem resposta.
Usando os 591 Bitcoins apreendidos da GAS Consultoria como exemplo: o montante que hoje soma R$ 65 milhões custava algo em torno de R$ 153 milhões no momento da apreensão. Isso é mais que o dobro. Se o objetivo é ressarcir os clientes, faria mais sentido ter efetuado a venda em agosto de 2021.
A prática, no entanto, apresenta outros problemas. Por ser um ativo muito volátil, não se sabe quais serão as próximas movimentações do preço do Bitcoin. Caso o investigado seja declarado inocente, a alienação arbitrária dos bens pode resultar em um prejuízo considerável.
No modelo atual, Zumas comenta que duas soluções são possíveis. A primeira é a venda no melhor valor de mercado do criptoativo, enquanto a segunda é a realização de um pregão onde vence a melhor proposta. O delegado destaca, porém, que a ausência de legislação torna o procedimento de venda e conversão em moeda fiduciária de um ativo digital em algo difícil.
Ressarcimento de credores
A apreensão de bens em investigações é, em caso de condenação do investigado, convertida na alienação do que foi apreendido e ressarcimento dos credores. Ainda que a alienação de moedas digitais não tenha previsão legal, a restituição de pessoas lesadas em golpes já é prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse ponto, o projeto de lei que aguarda votação na Câmara dos Deputados pode ter impacto direto, já que o texto prevê um tipo penal específico para o crime de pirâmides financeiras com criptomoedas: o estelionato qualificado.
Em um cenário no qual a proposta legal for aprovada, Zumas afirma que basta que a vítima do crime manifeste sua representação junto ao Ministério Público. É importante observar que, regra geral, o prazo para representação nos crimes de estelionato é de seis meses.
No que diz respeito a outros crimes envolvendo ativos digitais em que vítimas foram lesadas, o delegado diz que elas devem procurar a autoridade policial responsável pelo inquérito ou pela investigação e registrar o ocorrido.