Estamos tendo um revival do passado – música, moda e... economia

Calças largas, chapéus cata ovo, a volta da house music – a cultura do consumidor voltou aos anos 90, e a economia acompanhou

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Bloomberg Opinion — Os anos 90 estão dominando a cultura do consumidor. Mas com o mundo sob uma inflação desenfreada, parece que a economia também retrocedeu.

A nostalgia dos anos 90 já vem de longa data. Logotipos ousados, que desapareceram após a crise financeira, estão voltando. A Burberry até trouxe de volta sua estampa xadrez, famosa após ter sido usada por Liam Gallagher, vocalista da banda Oasis, no videoclipe da canção Wonderwall, de 1995. A inspiração na cultura de meados dos anos 90 até o início dos anos 2000 se tornou um estilo da moda.

Mas ultimamente, o clamor por todas as coisas da década de 1990, principalmente da primeira metade, se intensificou.

Na moda, o rosto sorridente, poderoso símbolo da cultura de rave britânica do final dos anos 80 e início dos anos 90, vem estampando tudo, desde meias a bolsas de grife até mobiliário doméstico. A bota Clarks Wallabee, que lembra um mocassim, foi o sexto item masculino mais procurado no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o Lyst Index. O chapéu cata ovo, que passou por uma remodelação, estava se saindo melhor anteriormente no índice, que mede as buscas na plataforma de moda Lyst e em outros sites, bem como o engajamento nas redes sociais.

E ainda esta semana, Beyoncé lançou seu single Break My Soul, com as batidas características da house music dos anos 90 e riffs de piano. Algumas das faixas do novo álbum de Drake, Honestly, Nevermind também lembram as canções de dance music da época.

Talvez o medo da recessão esteja motivando toda essa obsessão pelos anos 90. O período foi caracterizado por uma economia sombria e muito desemprego (embora a canção de Beyoncé seja mais uma ode ao movimento Grand Resignation de demissões voluntárias em massa do que um alerta de desligamentos). A cautela com a economia global está certamente prevalecendo. A projeção mais recente do Federal Reserve de Nova York estima a possibilidade de recessão em 80%.

E, no entanto, essa ansiedade entra em conflito com a alegria de podermos socializar novamente. Esse pode ser um dos motivos pelos quais a euforia da cena de dance music do início dos anos 90 está repercutindo.

Com o alerta de recessão, o problema imediato é a inflação, que, nos Estados Unidos e na Europa, chegou a uma alta de 40 anos. A situação atual reflete a década de 1970, com seu inverno de descontentamento, estagflação, resistência dos salários reais e greves trabalhistas nessa região. As semelhanças não param por aí: o S&P 500 (SPX) deve ter seu pior primeiro semestre desde 1970, ao passo que a perspectiva de racionamento de gás na Europa neste inverno traz lembranças dos blecautes de outrora.

Há alguns sinais de que a década de 1970 também está entrando na cultura do consumidor.

O diretor criativo da Gucci, Alessandro Michele, há muito vem incorporando características de design dos anos 70, como calças e lapelas mais largas e estampas ousadas. Mas há sinais de que a estética mais sedutora boêmia está ganhando força.

Basta ver o figurino recente de Harry Styles. Esta semana, a Gucci revelou uma coleção com Styles com claras características dos anos 70.

Outras relíquias da época vêm surgindo, incluindo o jeans wide leg, o crochê e o patchwork. As buscas on-line por mobília de rotim na John Lewis, loja de departamento britânica, dobraram em relação ao ano passado. É possível ver até mesmo alguns sucessos dos anos 70 e 90 – sapatos de plataforma (no alto do Lyst Index) e tamancos podem ser encontrados em todas as lojas, desde Versace e Hermes até a colaboração de Christian Dior com Birkenstock.

Até a famosa banda Abba voltou aos holofotes com sua turnê do álbum Voyage, de 2022. A banda se apresentará como avatares digitais, trazendo a década de 1970 ao século XXI.

As empresas voltadas para o consumidor esperam que as perspectivas econômicas piorem no segundo semestre, à medida que os custos de energia aumentam e as economias feitas durante a pandemia se esgotem após as viagens de férias. Vale a pena observar se mais tendências dos anos 70 aparecerão em lojas, restaurantes e serviços de streaming. Eu ouvi dizer calça flare e fondue?

Talvez a relutância dos consumidores em abraçar essa década tanto quanto os anos 90 e início dos anos 2000 ocorra porque os anos 70 são simplesmente a década sem estilo. Ainda hoje, os figurinos da moda inspirados pela época são difíceis de montar. Além disso, para a geração Z, os anos 90 representam um lugar feliz e quase mítico, antes dos perigos das redes sociais. Isso pode explicar por que querem voltar para lá em vez dos anos 70. Os preços nas alturas e os cortes de energia não são tão divertidos.

Para muitos, vai ser terrível ter de usar agasalhos pesados em casa para se aquecer e ter de voltar a consumir papel higiênico de folha simples. Imagine só ter de lidar com esses problemas vestindo um macacão boca de sino.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Andrea Felsted é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre os setores de varejo e bens de consumo. Anteriormente, escrevia para o Financial Times.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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