Vine Ventures e Maya Capital desafiam recessão e levantam dois novos fundos

Em ambiente de capital mais restrito, empresas de VCs estão migrando investimentos para startups em estágio inicial na América Latina

Startups continuam a contar com fundos de VCs para receber aportes, mas seletividade aumentou
22 de Junho, 2022 | 08:23 PM

Bloomberg Línea — As altas taxas de juros para conter a inflação mundial não estão afastando totalmente o apetite a risco de investidores. As empresas de capital de risco (VCs) Vine Ventures, com sede em Nova York e Israel, e Maya Capital, do Brasil, liderada por Lara Lemann - filha de Jorge Paulo Lemann - e Mônica Saggioro, acabam de levantar dois novos fundos, de US$ 140 milhões e US$ 100 milhões, respectivamente, para investir em startups em estágio inicial, com recursos de family offices e Limited Partners (LPs).

É o segundo fundo para ambas as empresas. A Vine Ventures já investiu no unicórnio colombiano Habi, na Tul, na Cayena e na israelense Kocomo. A brasileira Maya Capital tem a NotCo e a Merama em seu portfólio, entre outras.

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O líder da Vine Ventures, Eric Reiner, disse à Bloomberg Línea que a empresa busca fintechs e startups que atuam com logística e supply chain na América Latina, nos Estados Unidos e em Israel. Reiner conta que a empresa pretende implantar rodadas Seed nos próximos três anos e que fará de quatro a cinco investimentos até o fim deste ano, apesar do momento adverso no mercado.

“Não estamos com pressa de mobilizar capital. Independentemente da economia, se os fundadores quiserem iniciar uma empresa, as taxas de juros não importam. Pode ser até um vento favorável dependendo do negócio, e nossos LPs estão abertos para a América Latina”, disse Reiner.

No entanto, os LPs da Vine estão monitorando a Colômbia, já que Reiner apontou “riscos” com o novo governo de esquerda - Gustavo Petro foi eleito no domingo (19) o próximo presidente -, algo que poderia afetar novos investimentos no país.

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“Acredito firmemente no capitalismo. É triste ver que a América Latina continuaria a seguir nessa direção, dada a situação da Venezuela. Empresas maravilhosas podem ser formadas em qualquer região, em qualquer ambiente ou regime político, desde que haja justiça. O regime de esquerda que se forma na Colômbia dificulta e eleva a barra”, disse.

O Vine II é três vezes maior que o primeiro fundo, que teve uma taxa interna de retorno (TIR) sobre investimentos de 251% até o ano passado em números auditados. Como comparação, no mesmo período do ano passado, o SoftBank Latin America Fund divulgou que sua TIR de patrimônio líquido era de 62% - o fundo tinha dois anos na época. O maior impulsionador do retorno sobre o patrimônio líquido dos investimentos da Vine foi a startup colombiana Tul, que recentemente saiu do Equador.

“As melhores empresas agora se concentrarão nos mercados mais lucrativos e terão que tomar decisões muito difíceis”, disse Reiner.

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Ele lembra que houve um grande fluxo de capital para a América Latina nos últimos dois anos, mas acha que agora grandes fundos dos EUA sairão da região porque não são projetados para capital de risco na América Latina. “Na verdade, nós viemos para a América Latina várias vezes, enquanto nossos pares, não”, diz ele.

Reiner não está sozinho na busca de startups em estágio inicial da América Latina a partir da América do Norte. Na outra costa dos Estados Unidos, a NFX Ventures e a SV LatAm Capital estão aplicando seu dinheiro a partir do Vale do Silício.

VCs americanos disputam estágio inicial na América Latina

Consuelo Valverde, fundadora e sócia-gerente da SV LatAm Capital, com sede em São Francisco, disse à Bloomberg Línea que o capital não é mais “gratuito”. “Isso é sem precedentes para muitos empreendedores e VCs que nunca experimentaram um momento em que o dinheiro não vem de graça. O estágio inicial continuará atraindo capital, mas as coisas mudaram”, disse.

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O economista e professor de MBA da FGV Roberto Kanter lembra que investidores como a Y Combinator já trilham o caminho de investir em early stage há algum tempo porque entendem que, quando participam de uma empresa “no meio do caminho”, podem perder o poder de fazer modificações.

“Com o dinheiro mais caro, houve uma diminuição na oferta de capital. Todo o ecossistema de startups vem sofrendo uma diminuição do dinheiro disponível porque, para obter um bom retorno, o capitalista de risco agora não precisa colocá-lo em uma empresa da qual ele não tem ideia se vai dar certo. Ele coloca o dinheiro em um fundo, em um título do Tesouro americano ou mesmo no Brasil, com juros de 13,25% ao ano, o que dá 9% em dólares ao ano”, explicou o professor.

Se o volume de recursos diminui, investidores se voltam para os estágios anteriores não apenas para ver melhores oportunidades de negócios mas porque, se o capital está curto, eles não podem arriscar tanto. Eles precisam ter maior controle da operação.

“Os VCs querem interferir no processo de evolução do novo negócio desde o início e isso impacta positivamente porque normalmente o estágio inicial é desassistido. Conseguir mais dinheiro no estágio inicial é uma ótima notícia para o ambiente de negócios”, afirmou.

Por outro lado, pode não ser uma notícia tão boa para o empreendedor, segundo o professor. O investidor de capital de risco exigirá mais ativos e patrimônio e tem um grau de exigência maior na empresa do que os investidores anjos.

“O pequeno empresário vai ser obrigado a amadurecer mais cedo e a jogar menos dinheiro fora. O que talvez, por outro lado, seja uma coisa muito boa.”

A NFX tem como alvo dispor de 15% a 20% de participação nas empresas que investe. A sócia Anna Piñol, que supervisiona os investimentos da NFX na região, diz que Seed e pré-Seed são os estágios mais protegidos para investir.

Ela contou à Bloomberg Línea que os fundadores da América Latina são particularmente resilientes, pois, em sua avaliação, estão historicamente acostumados com recessões e a trabalhar com menos capital.

“As empresas em estágio inicial são mais rápidas de pivotar, mais adaptáveis e têm um longo caminho para os mercados públicos [para abrir o capital], que é o ambiente agora em que os múltiplos estão caindo. Os investidores em estágio avançado são os que precisam corrigir mais”, disse.

Piñol afirmou que empresas estão tentando estender seus meses sem captar porque há muita incerteza sobre quanto tempo a crise vai durar.

“Ninguém tem uma resposta. As pessoas estão tentando evitar uma posição de precisar captar por cerca de 14 meses. É bom para novas startups, desde que o ecossistema as continue trazendo. O estágio Seed continua sendo um lugar para o qual algum dinheiro está fluindo, e muitas dessas pessoas [que foram demitidas] encontrarão um novo emprego nas novas startups ou irão empreender.”

Miriam Rivera é CEO, cofundadora e diretora administrativa da Ulu Ventures, um fundo de risco em estágio inicial no Vale do Silício que segue a SV LatAm Capital na região. Ela acrescenta que, para os VCs, os tempos ruins podem ser melhores em termos de investimento, porque nos últimos anos os valuations eram desproporcionais, o que dificultava encontrar projetos melhores.

Patrick Hruby, CEO da Movile, a holding dona do iFood, disse à Bloomberg Línea que no período de turbulência após a crise financeira global, de 2010 a 2012, o caminho para a recuperação foi pavimentado por investidores inteligentes em estágio inicial como a Redpoint Eventures, o primeiro fundo do Vale do Silício a abrir um escritório no Brasil em 2011.

“Muitos outros investidores globais seguiram, levando a América Latina a ser a região que mais cresce no mundo para financiamento de risco no ano passado”, disse.

De acordo com Hruby, na última década, o ecossistema da região amadureceu rapidamente e está bem posicionado para se recuperar da atual turbulência global.

Um retorno ao foco no early-stage, segundo ele, faz todo o sentido, e isso ajudará a descobrir startups pioneiras que alimentarão a próxima onda de inovação disruptiva na região.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups