Multiplan tem venda recorde, mas crescer portfólio só após ‘tempestade’, diz CEO

José Isaac Peres conta à Bloomberg Línea que demanda está tão aquecida que há dias em que estacionamento fica lotado, algo que se não se via há anos

Por

Bloomberg Línea — O quadro de inflação e juros elevados, estes no maior patamar desde 2016, é um obstáculo para o consumo, que foi o motor da economia brasileira até poucos anos atrás. Mas isso não tem impedido o crescimento em um dos segmentos mais relevantes para o varejo: o de shoppings centers.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO da Multiplan (MULT3), José Isaac Peres, disse que “o setor está indo incrivelmente bem. Estamos com números de 30% a 40% em vendas a mais do que em 2019″, dados que ele destaca como expressivos ainda que uma pequena fração seja possivelmente efeito da inflação.

“No fim de semana do Dia dos Namorados, não havia vaga no estacionamento, o que é algo incrível, que eu não via há muitos anos”, disse o empresário à frente de um dos maiores e mais tradicionais grupos de shoppings do país. No primeiro trimestre da Multiplan, as receitas de locação, que representam cerca de 75% do total, cresceram 41% sobre o mesmo período de 2019, o ano pré-pandemia. Foram recorde.

É um crescimento que tem a contribuição até de segmentos que, à primeira vista, poderiam jogar contra o avanço do setor. “Hoje as empresas que mais fazem locação de espaço em shoppings são as de e-commerce. Elas estão voltando, pois é preciso contar com uma área para o consumidor ver, sentir e experimentar o produto, tudo que envolva a vaidade. É diferente de o cliente comprar uma refeição, uma pizza ou um remédio, pois isso é quase uma commodity. Funciona bem no e-commerce”, afirmou.

Diante de tal quadro de demanda aquecida, seria natural retomar planos de expansão, seja por via orgânica ou M&A (fusões e aquisições), como acertado recentemente entre brMalls (BRML3) e Aliansce Sonae (ALSO3).

Mas o empresário carioca de 81 anos, sócio fundador da Multiplan, disse que, embora haja planos para aumentar o portfólio, será preciso antes esperar passar a “tempestade no mundo dos negócios”.

Consolidação natural

A consolidação do segmento é visto por ele como um movimento normal. “Todo setor que cresce muito normalmente depois tenta se consolidar. Há uma vantagem de parte a parte”, explicou Peres.

“Eles [brMalls e Aliansce Sonae] têm ativos muito próximos. Vão ter uma certa economia. A Multiplan evidentemente não tem muita alternativa para fazer uma fusão no Brasil, porque é uma das poucas que investem muito na qualidade dos ativos, e não na quantidade”, comentou Peres.

Com um faturamento anual da ordem de R$ 159 bilhões, o setor de shopping centers no Brasil atravessa um momento de consolidação de ativos entre os principais players, o que pode afetar os negócios de mais de 112 mil lojistas instalados em 620 grandes centros comerciais espalhados pelo país. Esse movimento não deve se limitar à fusão da brMalls com a Aliansce, anunciada em maio, segundo analistas.

Em 2021, o setor registrou um aumento de 23,6% no faturamento em cima de uma base mais fraca, totalizando R$ 159,2 bilhões, segundo a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers). Para 2022, a projeção é crescer 13,8% nas vendas, perto dos níveis pré-pandemia. Para a Multiplan, a barra será mais alta.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista com o CEO da Multiplan:

Como o cenário macroeconômico com inflação e juros elevados afeta o setor de shoppings?

O setor está indo incrivelmente bem. Estamos com números de 30% a 40% em vendas a mais do que em 2019. É possível que tenha nessa conta uma carga da inflação, sem dúvida. No fim de semana do Dia dos Namorados, não havia vaga no estacionamento, o que é algo incrível, que eu não via há muitos anos.

Realmente, estamos vivendo hoje um problema macroeconômico, que é a escassez de produtos, de bens e serviços, e os preços sobem. O petróleo evidentemente inflacionou o mundo, pois as pessoas são movidas a carro. Além disso, falta produção. Como o mundo parou por dois anos, para voltar aos níveis de produção de dois anos atrás, vai levar muito tempo.

O consumo cresceu, porque as pessoas não compraram, não viajaram, não fizeram nada e agora querem descontar o tempo perdido, querem viver, pois ficaram dois anos presos. Essa conjunção de fatores está fazendo com que hoje o shopping seja uma grande festa.

O que mais afeta hoje os planos de investimento do setor?

Segurança jurídica e cenário político. O que leva o mundo a investir nos Estados Unidos e na Europa é que lá há um profundo respeito às normas, às leis e às regras. Não existe impunidade. Não importa quem sejam as pessoas, elas são punidas. Isso é muito importante para quem investe.

No Brasil, o cenário político é um pouco conturbado. Há uma certa insegurança de instituições: no Rio de Janeiro, um ministro [do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin] determinou que a polícia não pode passar de certos limites. Mas o Rio de Janeiro tem um governador. Mas quem administra? Achava que era o governador, mas fica parecendo que não tem autoridade para gerenciar a própria segurança no Rio de Janeiro.

A Multiplan tem planos de investir para aumentar o portfólio de shoppings?

Pretendemos aumentar o portfólio. Isso é possível, pois lucro e risco são proporcionais. Mas o cenário hoje é de uma taxa de juros muito mais alta, com uma inflação global. Com todos os anos de experiência [a Multiplan foi fundada em 1974], nunca tinha vivido esse cenário de uma inflação global, em parte gerada pela crise do petróleo, por causa da guerra da Rússia com a Ucrânia, em parte gerada também pela falta de produção.

Em que prazo deve ocorrer esse aumento de portfólio?

Estamos navegando em um mar muito revolto, enfrentando uma tempestade no mundo dos negócios. Não é só o nosso setor. São todos os setores. Sabemos perfeitamente que, quando há uma tempestade, temos que diminuir a velocidade.

A procura hoje é maior que a oferta. Até equalizar isso, o cenário será um pouco inflacionário nos Estados Unidos, na Europa e em todo lugar.

O Brasil tem uma das maiores taxas de juros. O Banco Central foi muito rigoroso conosco. Entendo até a preocupação do presidente do BC, talvez se eu estivesse sentado no lugar dele, eu pudesse fazer a mesma coisa [após 11 aumentos consecutivos, a taxa Selic está hoje em 13,25% ao ano].

O mundo se acostumou a trabalhar com taxas negativas de juros. O Banco Central está sendo extremamente rigoroso contra a inflação. Não depende dele. O petróleo é uma commodity que atinge todo mundo, independentemente do BC brasileiro.

Quais as estratégias para crescer nesse cenário?

Construindo. Em novembro do ano passado, inauguramos um shopping fantástico em Jacarepaguá. Ninguém construiu, mas nós construímos devagar em plena pandemia. Entregamos o equipamento [o ParkJacarepaguá, o 20º shopping da companhia], um dos mais modernos do país. Nossa preocupação é sempre entregar ao consumidor mais do que ele espera, tornar a realidade maior que o sonho.

Como o senhor avalia a consolidação de setor de shoppings?

É um movimento normal. Todo setor que cresce muito normalmente depois tenta se consolidar. Há uma vantagem de parte a parte. Mas procuramos fazer uma consolidação com empresas que tenham a mesma qualidade de ativos. A Multiplan investe muito na qualidade do ativo, e não na quantidade.

Sabemos que o nosso consumidor é exigente, quer conforto. Aqui no Brasil são poucas as empresas que investem muito em qualidade, como nós. Esse é o nosso DNA.

O que o senhor achou da fusão entre brMalls e Aliansce?

Acho que [o negócio] é bom, porque as empresas têm ativos muito próximos. Vai ter uma certa economia, uma certa vantagem. A Multiplan evidentemente não tem muita alternativa para fazer uma fusão no Brasil, porque ela é uma das poucas que investem em qualidade.

Passado esse cenário de insegurança que estamos vivendo, o Brasil vai voltar forte, pois somos uma economia muito forte. A grande alavanca do Brasil é o campo, é a agricultura, que tem espaço para crescer. O mundo precisa de comida, e o Brasil é um dos maiores fornecedores do mundo. À medida que o campo cresça, as cidades vão se beneficiar. O sujeito ganha o dinheiro no campo e vem para cidade para consumir.

Grandes varejistas têm apostado em marketplaces, investem em delivery e aumentam a participação de vendas digitais em suas receitas. Como avalia o movimento?

Acho importante. Hoje as empresas que mais estão alocando espaço em shoppings são as de e-commerce. Elas estão voltando para o shopping, pois é preciso contar com uma área para o consumidor ver, sentir e experimentar o produto, tudo que envolva a vaidade. É diferente de o cliente comprar uma refeição, uma pizza ou um remédio, pois isso é quase uma commodity. Funciona bem no e-commerce.

Leia também:

Burger King mira loja 100% digital e Geração Z, diz próximo CEO

Exclusivo: David Vélez, CEO do Nubank: ‘não vemos necessidade de demissões’