Opinión - Bloomberg

Criptoativos e day trade: geração Z aprende na prática os riscos no mercado

A queda acentuada nos preços dos ativos levou a uma perda do patrimônio das pessoas, mostrando que a cautela não deveria ser totalmente ignorada

O isolamento da pandemia, os auxílios do governo e as redes sociais levaram mais jovens a entrar no mercado acionário
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — O derretimento dos patrimônios nas últimas semanas foi brutal. Os mercados caíram mais de 20% desde o início do ano; estamos oficialmente em um bear market. Uma estimativa divulgada na semana passada afirmou que o patrimônio líquido das famílias caiu 0,4%.

Um bear market nunca é bom, mas desta vez é mais preocupante ainda, pois recentemente o investimento em ações ficou popular – influenciadores do TikTok se tornaram os novos gurus de investimento. Agora muitos desses novos investidores estão aprendendo que o TikTok não é o melhor lugar para fazer uma consultoria de investimento.

Há muitos culpados pela queda do mercado acionário, incluindo erros políticos que contribuíram para a inflação ou apenas a tendência humana de esquecer que às vezes os mercados arriscados caem. Mas, mesmo em um mundo perfeito, os bear markets fazem parte da vida. As ações não oferecem nenhuma garantia de retorno e, de tempos em tempos, caem. “Risco” é a palavra chave no prêmio de risco das ações; por isso elas geralmente rendem mais que títulos.

Mas o que preocupa é que após anos de um bull market e alguns pagamentos de auxílios do governo por causa da pandemia, algumas famílias podem estar excessivamente expostas ao risco, detendo mais ações que antes e em carteiras de maior risco.

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Mais americanos do que nunca detêm ações agora. O maior motivo é o aumento da popularidade das contas de previdência. Segundo dados da Pesquisa de Finanças do Consumidor do Federal Reserve, em 2019, 53% dos lares tinham ações em sua carteira, ante 50% em 2010 e 32% em 1989.

Os dados da pesquisa sugerem que a titularidade de ações aumentou um pouco durante a pandemia, mas não tanto quanto o fenômeno das meme stocks indicava. A parcela de americanos que detinham ações subiu apenas alguns pontos percentuais. Uma pesquisa da Charles Schwab revelou que seus mais recentes investidores tendem a ser mais jovens e a ganhar menos dinheiro do que seus clientes de antes de 2020. Eles também tendem a ser mais otimistas quando se trata de ativos de risco.

O que pode ser mais preocupante é que, mesmo entre os investidores mais experientes, as carteiras se tornaram mais arriscadas. Há muita especulação de que o isolamento, o auxílio do governo e as redes sociais incentivaram mais pessoas a fazer day trade. De acordo com uma pesquisa do Fed, 34% dos americanos detêm ações individuais e 19% dos titulares de ações individuais começaram a fazer trading nos últimos três anos. A pesquisa também constatou que 12% das famílias detêm algumas criptomoedas.

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Mesmo com o aumento do risco, a maioria dos lares não arriscou tudo no mercado. De acordo com a Pesquisa de Finanças do Consumidor, realizada pela última vez em 2019, a exposição ao mercado de ações permaneceu estável desde a crise financeira em cerca de 40% dos ativos financeiros. Mas entre os americanos mais velhos e mais próximos da aposentadoria, a exposição a ações aumentou. As ações representam cerca de 40% dos ativos financeiros entre pessoas na casa dos 60 e 70 anos de idade, ante 35% em 2010.

Mesmo que o aumento da exposição a ações seja relativamente pequeno, ainda é preocupante por algumas razões. A queda dos mercados colocará os planos de aposentadoria de muitas pessoas em espera ou fora do alcance. E os novos investidores, principalmente aqueles de renda mais baixa que não têm muito dinheiro sobrando, estão perdendo dinheiro no momento. Detentores de criptomoedas ou de ações individuais podem estar perdendo muito. Isto reverterá alguns dos ganhos nos balanços das famílias e pode piorar a recessão nos Estados Unidos – se é que ela chegará.

As perdas nas ações não serão tão devastadoras em termos financeiros como o crash do mercado imobiliário. Em meados dos anos 2000, quando os imóveis representavam em média 62% do patrimônio líquido dos americanos, o crash de 2008 no setor imobiliário foi uma calamidade. Os valores de imóveis podem começar a cair à medida que o mercado suaviza, mas as famílias estão menos alavancadas e menos vulneráveis.

O bear market atual é um terrível lembrete para os novos entusiastas de que as ações são arriscadas – e isso oferece seu próprio risco. É importante ter certa exposição a ações para gerar riqueza e criar uma economia mais inclusiva. Mas há evidências de que investir e perder dinheiro pode desanimar as pessoas no mercado de ações. Alguns novos investidores podem ficar menos propensos a investir no futuro e perderão a oportunidade de ter ganhos futuros, o que agravará a desigualdade.

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Com o mercado acionário em queda, o aumento dos preços e as taxas de juros ainda muito baixas para conter a inflação, é difícil dizer aos investidores a quem recorrer. Ninguém pode se dar ao luxo de esperar o risco passar.

O fato de algumas pessoas estarem em um bear market com carteiras muito arriscadas sugere que é necessário mais educação financeira para explicar o papel do risco no investimento – não aulas nas quais celebridades promovem o bitcoin (BTC). De acordo com a pesquisa do Fed de 2021, apenas 43% dos entrevistados acreditavam que deter fundos mútuos era menos arriscado do que deter ações individuais.

O aumento do interesse na titularidade de ações durante a pandemia foi, para uma fatia maior de americanos, uma possível oportunidade de se beneficiar do aumento dos valores, mas, agora que o mercado está em queda, isso pode significar que acabamos em uma posição pior. A partir de agora, talvez a experiência inspire novos entusiastas a adotarem uma abordagem mais realista dos riscos em suas carteiras de ações, em vez de extinguir totalmente a cautela.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de economia. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk”.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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