Bloomberg Línea — Uma das previsões mais comuns da pandemia era a de que o brasileiro abraçaria de tal modo a praticidade do delivery que muitos negócios presenciais teriam que ser repensados. Mas, para a chef Paola Carosella e o sócio Benny Goldenberg, do grupo que comanda o restaurante estrelado Arturito e a rede de empanadas La Guapa, duas casas concorridas dos paulistanos, é hora de redobrar a aposta no presencial.
“A pandemia nos fez decidir entre pisar no freio ou estruturar para acelerar. E decidimos acelerar com planos ambiciosos”, disse Goldenberg em entrevista à Bloomberg Línea.
São planos que refletem um crescimento da demanda e também, na avaliação do também consultor e restaurateur, a forma como o frequentador de restaurantes e bares tem se comportado.
“Sair de casa para comer se tornou mais importante do que era. Junto com isso vem um desejo de satisfação maior do consumidor”, afirmou Goldenberg, que vê a mesma tendência acontecer entre os consumidores do mundo inteiro. Só a La Guapa atende de 110 mil a 120 mil clientes por mês.
E é justamente pensando na experiência do consumidor que a estratégia da La Guapa vai ter foco na expansão das lojas físicas, que são consideradas uma frente fundamental do negócio.
O grupo planeja dez novas unidades da La Guapa espalhadas por capitais do Brasil até o fim de 2022 - os locais não são revelados -, com o aumento da capacidade de produção: serão mais de 500 mil empanadas saindo do forno por mês, todas feitas à mão na mesma fábrica na zona oeste de São Paulo.
A marca tem hoje cerca de 400 funcionários e 30 casas em funcionamento. A última unidade inaugurada foi a de Brasília, no começo deste mês.
No caso do Arturito, restaurante que tem o status Bib Gourmand do Guia Michelin, entre outras honrarias, a novidade será a mudança do espaço que ocupa desde a fundação em 2008 para o térreo de um novo edifício de uso misto na Vila Madalena, em São Paulo, da incorporadora Idea!Zarvos. A mudança, ainda sem data exata prevista porque depende do andamento das obras, deve triplicar a capacidade atual de atendimento do Arturito, comandado por Carosella (a novidade foi revelada pela Veja São Paulo).
Os planos de expansão estão sendo executados com o grupo capitalizado. Em outubro de 2020, quando a pandemia estava em um de seus períodos mais críticos em número de casos e mortes, a La Guapa obteve um aporte de R$ 50 milhões da gestora de private equity Concept Investimentos.
Goldenberg não abre os números de faturamento, mas afirma que o grupo prevê para este ano um crescimento de 2,5 vezes em relação ao resultado de 2021 e de 5 vezes em relação a 2020. “O foco agora é manter a qualidade e o padrão de atendimento. E daí vem a expansão”, afirmou.
“Nossa operação é saudável e gera Ebitda [indicador de geração de caixa operacional] positivo praticamente todo mês. Hoje usamos nosso caixa também para a abertura de novas lojas, que têm um payback [tempo de retorno do investimento] curto. Isso nos ajuda bastante”, conta.
Um desafio adicional da operação nos tempos atuais de inflação acima de dois dígitos é preservar as margens sem comprometer a demanda. A La Guapa, a exemplo do que aconteceu com muitas casas do segmento, também reajustou os preços do seu menu neste ano, em 7%. O plano é que não seja necessário novo aumento nos próximos meses, segundo Goldenberg.
O consultor e empresário conta que há um equilíbrio necessário e minucioso para a conta fechar. “Se o lácteo sobe, conseguimos segurar um pouco as proteínas, por exemplo. Vamos ajustando para tentar driblar a inflação”, diz. Se os preços de ingredientes continuarem a subir, ele diz que “é mais provável que a gente tire um produto de linha do que reduza a sua qualidade ou repasse os altos custos”.
Hoje o tíquete médio do cliente no La Guapa pode ser enquadrado em três categorias: R$ 55 no consumo presencial, R$ 75 no delivery e R$ 60 no aplicativo próprio da casa.
Setor em recuperação
A aposta de Goldenberg e Carosella na refeição fora de casa tem respaldo não só da percepção sobre o comportamento do consumidor mas de números da economia e da avaliação de representantes do setor. A inflação da alimentação dentro do lar, que mede a variação de preços de uma cesta de alimentos, foi de 16,36% nos últimos 12 meses até maio, enquanto a de fora do lar foi de 6,24%, segundo dados do IPCA, o índice de preços ao consumidor do IBGE. “Isso acontece porque, em grande parte, as empresas estão segurando os reajustes para não perder os clientes”, explica Goldenberg.
É uma visão corroborada pela principal entidade do setor. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), há uma “tentativa do empresário de bares e restaurantes de atrair de volta os clientes [depois de mais de dois anos de pandemia], seja segurando o repasse ou até mesmo baixando os preços.” E essa tem sido a principal preocupação do setor, expressada por oito em cada dez representantes de bares e restaurantes, de acordo com dados da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), em conjunto com a consultoria Galunion e o Instituto Foodservice Brasil (IFB).
É um tentativa de recuperação gradual de um dos setores mais impactados pelas medidas de isolamento impostas por autoridades para tentar conter o avanço do coronavírus em 2020 e 2021.
O setor de bares e restaurantes chegou a eliminar 1,9 milhão de empregos em dado momento da pandemia, ao fim do terceiro trimestre de 2020, o equivalente a um terço das vagas ocupadas anteriormente. Desse contingente, cerca de 1,4 milhão de postos foi recuperado pelas empresas do setor, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também:
Classe executiva, menu degustação e advogado: a inflação dos super-ricos
Quais são as apostas do BofA na Bolsa brasileira em cenário de maior incerteza?