Bloomberg — Com as criptomoedas caindo vertiginosamente de valor, investidores começaram a se voltar cada vez mais uns contra os outros na tentativa de obter algum ganho - ou de proteger suas posições.
Muitos vasculham blockchains - uma espécie de livro contábil virtual que faz o registro de uma transação de moedas igualmente virtuais - em busca informações sobre outros investidores, particularmente aqueles com posições altamente alavancadas, disse um usuário anônimo conhecido como Omakase, colaborador da exchange descentralizada Sushi, em entrevista.
Esses investidores então atacam as posições tentando levá-las para a liquidação e assim lucram com o bônus de venda, algo comum em finanças descentralizadas (DeFi), em que as pessoas negociam e emprestam umas às outras sem intermediários, por exemplo.
Estratégias semelhantes podem ter contribuído para o colapso da stablecoin TerraUSD, com investidores lucrando com a arbitragem de preços entre a exchange descentralizada Curve Finance e as exchanges centralizadas, de acordo com Nansen, uma empresa de análise de blockchain.
Problemas recentes na plataforma de criptomoedas Celsius Network também ganharam destaque nesse mercado. Arbitrar criptomoedas significa basicamente realizar compras e vendas simultâneas em diferentes mercados, com o intuito de obter pequenos ganhos imediatos. O preço do token stETh, no qual o Celsius tem grande posição, começou a ser negociado com grande desconto em relação ao Ether, ao qual está vinculado.
“À medida que o stETH cai de valor, investidores que fazem arbitragem compram stETH e diminuem a posição no ETH, o que o leva para baixo e novamente reduz os valores ao redor do DeFi”, efetivamente piorando a posição do Celsius, de acordo com uma nota recente da Arca.
Como disse Omakase: “Em um ambiente de tendência de baixa, em que rendimentos são mais difíceis, o que veremos é a utilização de algumas estratégias mais agressivas, e isso pode não ser necessariamente bom para a comunidade”.
“O ambiente colocou jogador contra jogador”, acrescentou Omakase.
Com os preços das criptomoedas sob pressão, a alavancagem apresentou um perigo ainda maior. No ano passado, a Sushi lançou uma plataforma de negociação de margem e empréstimo. A maioria das exchanges de criptomoedas oferece negociação de margem e, no passado, chegou a 100X - o que significa que as pessoas podiam emprestar 100 vezes o que colocavam como garantia.
No entanto a maioria dos aplicativos DeFi exige que os investidores apresentem garantias excessivas - o que faz com que peguem menos em empréstimos do que eles efetivamente colocaram.
Ciclo de liquidações
Um investidor pode descobrir que outros podem ter suas posições liquidadas quando o preço de uma moeda cair para, digamos, US$ 100. O investidor então pode construir uma posição na moeda e depois vender para induzir o preço abaixo da faixa de US$ 100, enquanto também recebe a recompensa por liquidar o investidor, algo que a maioria dos aplicativos DeFi oferece.
“A maioria dos protocolos oferece uma taxa de liquidação de 10% a 15%”, disse Omakase. “Desencadear liquidações em número suficiente causaria um efeito em cascata de liquidação em que um ator poderia simplesmente manter uma posição curta para lucrar com a queda subsequente.”
Outros estão simplesmente lucrando com liquidações pelas quais não são responsáveis. Nathan Worsley administra uma série de bots que procuram por investidores que estão prestes a ter posições liquidadas e recebem uma comissão por fazê-lo.
“Recentemente, a quantidade de liquidações tem sido enorme”, disse Worsley por e-mail. “No entanto as liquidações não são uma estratégia contínua, às vezes você passa uma semana ou mais sem liquidações significativas. Mas, quando elas acontecem, geralmente são de uma só vez. Você basicamente tem que trabalhar muito tempo enquanto não lucra nada, para então estar pronto para quando possivelmente poderá ganhar um milhão de dólares de uma só vez.”
Seus bots vasculham continuamente as blockchains, gerando uma lista de todos os que usam um aplicativo específico, e examinam a saúde de suas contas. Uma vez que as posições estejam prontas para liquidação, “normalmente é uma briga para ser o mais rápido e performar a liquidação”, explicou Worsley.
“Eu não classificaria isso como um ‘ataque’”, acrescentou. “A razão é que, sem liquidações, você não pode ter um mercado de empréstimos. Portanto, mesmo que ninguém goste de ser liquidado, é essencial que as pessoas sejam liquidadas para fazer o mercado girar e garantir a proteção do protocolo de insolvência.”
As liquidações podem ser acionadas depois que os investidores tomam emprestado de aplicativos como Aave ou Compound e colocam garantias - em Ether, por exemplo -, algo que normalmente é maior do que o que eles emprestam, talvez 120% dos fundos emprestados. Se o preço do Ether cair, essa garantia pode agora valer apenas 110% do que o investidor pegou emprestado.
‘Proteja o Protocolo’
“Meu trabalho como liquidante é proteger o protocolo fechando sua posição”, disse Nathan Worsley. Ele explica o funcionamento das operações:
“O protocolo me dá uma recompensa por incentivar essa atividade, porque as blockchains não podem se mover sozinhas. Uma pessoa toma emprestado US$ 1 mil de bitcoin e então eu pago os US$ 1 mil de bitcoin que ela deve ao protocolo. Em troca, o protocolo me dá US$ 1 mil de sua garantia em Ethereum, mais um ‘bônus de liquidação’ de US$ 100 por garantia. Eu obtenho lucro, essa pessoa tem a posição liquidada e ela é fechada. E assim o protocolo é protegido contra dívidas.”
Com as metas de liquidação se tornando cada vez mais tentadoras em um mercado tumultuado, Omakase oferece este conselho: “Todos devem permanecer seguros e, de modo geral, todos devem evitar o uso de alavancagem”.
– Esta notícia foi traduzida por Melina Flynn, Content Producer da Bloomberg Línea.
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