Blockchain reforça segurança na administração pública no Brasil

Especialistas destacam transparência, confiança e eficiência como pontos fortes, mas desafios ainda existem

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Por Gino Matos para Mercado Bitcoin

São Paulo — A tecnologia blockchain na gestão pública tem ganhado força no Brasil. Em abril, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançaram a Rede Blockchain Brasil (RBB) para gerar mais transparência dos gastos da União e dos estados.

Em maio, acadêmicos de Direito publicaram em conjunto a obra “Inteligência Artificial e Direito Administrativo”. Dois artigos nela abordam o foco da RBB: a mudança da administração pública via blockchain.

Benefícios dos Registros distribuídos

A blockchain é relativamente nova, não sendo possível medir as possibilidades de seu uso, diz Anna Lucia Berardinelli, advogada e coautora do artigo “O uso da blockchain pela administração pública”, que faz parte da obra. É possível, contudo, ver benefícios dos registros distribuídos.

A confiabilidade dos registros em blockchain, pela imutabilidade da rede, é um dos pontos fortes da tecnologia, diz Anna. Aliada à transparência, essa característica leva eficiência à gestão pública.

Além do uso direto no lançamento de dados, a advogada ressalta os projetos de moedas digitais dos bancos centrais, as CBDC na sigla em inglês. “No futuro será possível vislumbrar decorrências do uso do dinheiro programável, com forte impacto na atividade fiscal, trazendo novas possibilidades de cobrança e fiscalização”, diz. “As CBDCs também terão impacto no pagamento de benefícios previdenciários”, fala.

Dinheiro programável e tokens

O termo “dinheiro programável” remete à emissão de tokens. Quando o tema é administração pública, um cenário onde o repasse de verbas públicas para estados, Distrito Federal e municípios é feito por meio desses tokens, a transparência seria relativamente maior, comparada ao modelo atual.

Anna diz, contudo, que o cenário legislativo hoje é de “total vedação”, tratando-se de “um regramento bem específico, que determina o depósito dos valores em conta no Banco do Brasil”. As regras para repasse de verbas públicas são, assim, restritivas, havendo, com isso, o impedimento de uso de novas tecnologias, como criptoativos.

“Implementar o uso de tokens para esse tipo de repasse exigiria profunda reforma, incluindo uma emenda constitucional”, diz Anna.

Se essa transformação ocorresse na legislação brasileira, ela destaca como benefícios dos tokens no repasse um registro transparente e imutável dos valores e controle da destinação e inserção de cláusulas autoexecutáveis em contratos inteligentes. “As possibilidades são inúmeras”, diz.

Quando o assunto é o Terceiro Setor - iniciativas privadas de utilidade pública e origem na sociedade civil -, a advogada fala haver maior flexibilidade no uso de criptoativos. Cita o Gov Token, sistema que gerencia recursos convertidos em tokens. A liberação desses criptoativos se dá pela entrega de comprovação de destinação adequada.

A RBB

Para Tatiana Strauch, advogada e coautora do mesmo artigo acima, a RBB é um “importante passo rumo à transformação digital da administração pública”. Ela diz que o TCU sinalizou que a rede estará nas atividades de controle externo.

Um problema, porém, é que a RBB não está conectada a outras blockchains em uso por órgãos públicos, sendo um obstáculo para a adoção em larga escala, diz Tatiana, avaliando que esse “não é um problema”.

Ela avalia que, antes da adoção em massa, são necessárias etapas, como a regulamentação, a capacitação de profissionais, a integração de ambientes computacionais, a reorganização da estrutura e dos processos governamentais internos. Essas etapas, diz, são, hoje, quatro desafios para a inclusão da blockchain.

Desafios ao uso da blockchain

A capacitação de profissionais para interagir com a tecnologia é o primeiro desafio, aponta Tatiana. Outro é a regulamentação do tema, que dará mais segurança aos servidores públicos para dialogar com a tecnologia de registros descentralizados.

Ainda sobre descentralização, ela diz que a centralização estrutural da administração pública é o terceiro desafio, já que é dos órgãos públicos o “poder de certificar e conferir fé pública aos atos administrativos”. O último está ligado à centralização, que é a reorganização dos processos governamentais, envolvendo a padronização do armazenamento de dados e integração entre órgãos.

Imutabilidade dos dados e questões práticas

A confiança das informações, garantida pela imutabilidade da blockchain, é um ponto favorável à relação entre administração pública e registros distribuídos. Os dados ainda são inseridos na rede por pessoas, e pessoas cometem erros. Na inclusão é uma questão que requer avaliação quando se trata de blockchain.

É possível fazer um novo registro remetendo a um anterior, como errata, diz Alexandre Magno Souza, advogado e autor do artigo “Administração pública 4.0 - a mudança por meio da blockchain e da inteligência artificial”, na mesma obra.

Souza cita o Registro Geral de Imóveis que, uma vez inscrito, não permite rasuras nem cancelamentos. É feito então novo registro no mesmo documento, gerando um histórico que lista as alterações. “Com a blockchain, há a substituição do carimbo do cartório pela verificação da rede sobre o que foi registrado”, completa.

Outra questão é a inclusão de informação inverídica. Souza diz que cabe à blockchain somente indicar que o registro é válido, não a informação. É uma tecnologia que age como ferramenta para dar eficiência à administração pública.

Assim, a facilidade é maior para verificar quando a informação foi disposta de forma errônea, diz Souza. “Vale mencionar que o Código Penal pune quem falsifica documentos ou altera informações de forma indevida.”