Bloomberg Línea — O movimento de liquidação das bolsas globais tem sido apontado por alguns investidores e estrategistas como uma oportunidade para buscar pechinchas de olho no longo prazo, mas o cenário está longe de formar um consenso.
Para Ales Koutny, gestor da britânica Janus Henderson com foco em mercados emergentes, o quadro atual exige cautela e o foco deve estar mais em preservação do que em retorno de capital. “Continuamos esperando [para investir], porque as taxas de juros vão subir mais do que o mercado tem no preço no momento e achamos que isso vai continuar pressionando as ações mundiais”, afirmou em entrevista à Bloomberg Línea por videoconferência.
Com sede em Londres, no Reino Unido, a Janus Henderson é uma gestora global de investimentos e tem cerca de US$ 420 bilhões em ativos sob gestão.
Na avaliação do gestor, a principal dúvida hoje é sobre quando a economia global entrará em recessão. A casa britânica estima que esse cenário se concretizará entre o fim de 2023 e o começo de 2024, mas se o consumidor sentir o efeito de alta da inflação e passar a guardar o dinheiro em vez de gastar, impactando os resultados das companhias, a recessão pode vir antes, segundo ele.
Hoje, as principais apostas da Janus Henderson recaem sobre papéis atrelados à inflação, na renda fixa, e sobre ações de empresas de valor, na bolsa, em especial as do setor de commodities, dadas as perspectivas favoráveis para as cotações de matérias-primas.
É o caso do Brasil, que, de acordo com Koutny, tende a se beneficiar com as ações de exportadoras, principalmente as ligadas ao agronegócio e às proteínas. No momento, contudo, a casa tem posição underweight (abaixo da média do mercado) nos mercados acionários de países emergentes.
A visão é que o cenário de alta de juros nos Estados Unidos e de avanço da inflação no mundo tende a pesar principalmente sobre esses mercados. “Os emergentes tendem a sofrer muitas vezes mais do que os EUA e a Europa, por exemplo, pela forma como suas economias são estruturadas e pela questão da moeda.”
“Em ciclos passados, quando o Fed começava a subir os juros, o dólar depreciava, porque o aperto já estava no preço do mercado. Desta vez, não é o caso, porque a inflação segue surpreendendo para cima e o dólar continua suportado, mostrando que os emergentes têm que lidar não só com o aumento nos custos de produtos e serviços mas também com a desvalorização de suas moedas”, diz.
No caso do Brasil, Koutny avalia que o principal desafio hoje é que muitos investidores saíram de suas posições de mercados como Rússia, Ucrânia e Turquia e encontraram um porto seguro no mercado brasileiro. “E todo mundo que queria fazer uma alocação já fez”, disse. Além disso, o cenário eleitoral deve ampliar as incertezas nos próximos meses, levando o estrangeiro a reconsiderar suas posições no país dada a volatilidade mais elevada.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista do gestor à Bloomberg Línea:
Bloomberg Línea: Executivos do JPMorgan, do Goldman Sachs e outros CEOs têm reiterado sobre o cenário desafiador atual da economia. O senhor concorda?
Ales Koutny: O mercado apresenta o pior retorno desde o começo do ano, em uma combinação de alta inflação e preocupações com o crescimento. Mas a principal questão é quanto os bancos centrais podem subir as taxas de juros sem impactar o crescimento global. Mesmo entre as grandes instituições, como JPMorgan, há bastante discussão entre se vai ou não ter uma recessão.
Na Janus, esperamos que o crescimento caia bastante por dois fatores: o avanço da atividade de 2020 para 2021 foi artificial, por causa da queda anterior, o que significa que voltar próximo da norma é o esperado. Com isso dito, espera-se que essa baixa seja mais significativa. Segundo, os bancos centrais vão continuar subindo os juros, porque desde 2007 nunca vimos uma inflação tão alta e consistente no mundo todo, puxada, principalmente, por causas externas. Quando se junta uma inflação que diminui o poder de compra dos consumidores e um banco central subindo os juros, colocando uma parte mais onerosa nas companhias, acaba-se criando uma combinação tóxica para crescimento.
Achamos que em algum momento vamos chegar a uma recessão, mas prevemos que isso deva acontecer um pouco depois do que o mercado está estimando, ou seja, no final de 2023 ou até 2024, porque o consumidor, principalmente nos mercados desenvolvidos, tem mostrado uma resiliência bem forte.
Como essa visão tem direcionado a alocação da Janus Henderson hoje?
Estamos “short” [vendidos, apostando na baixa] em taxas de juros, porque esperamos que os yields devam continuar subindo. Acreditamos que a maior parte desse movimento já está realizada, mas continuamos esperando que as taxas de juros sigam subindo de uma forma mais moderada. Ainda não vimos o pico dos juros de forma global.
O Brasil tem uma questão bem interessante, porque o país cortou os juros para um nível que ninguém imaginava, de 2% [ao ano], e depois subiu as taxas muito rapidamente para conter a inflação. O problema é que isso não está sendo o suficiente para acalmar as coisas, então os preços seguem subindo.
E, para combinar, até maio deste ano teve muito investidor estrangeiro que veio para o Brasil, tanto para a renda fixa quanto para a Bolsa, mas agora parece que encontramos algumas barreiras e as eleições começam a aparecer no horizonte. Podemos ver uma reversão dessas entradas e isso pode gerar uma situação bem complicada para o Banco Central, em que a inflação e a Selic continuam altas e o real começa a se depreciar bastante ante o dólar.
A saída do investidor estrangeiro do Brasil seria liderada pelo cenário mais negativo de inflação doméstica ou também pelo impacto do aumento dos juros lá fora?
É uma combinação dos dois. Uma coisa de que o investidor definitivamente não gosta é de incertezas, e eleições, independentemente do resultado, nunca é algo positivo. A Colômbia é um bom exemplo, em que mesmo que tenhamos um candidato lá mais amigável aos mercados do que o que ganhou o primeiro turno, teve só um recuperação bem breve e agora estamos começando a ver pressões em relação a incertezas sobre as políticas esperadas.
As eleições, de modo geral, trazem incerteza, como o senhor comentou sobre a Colômbia. No Brasil, como a Janus avalia o cenário eleitoral?
A questão do Brasil é que sabemos que as duas opções para o país em termos dos candidatos que estão na frente das pesquisas são bastante diferentes, mas, ao mesmo tempo, têm mostrado políticas que são de uma certa forma alinhadas. Um exemplo é o custo da gasolina subindo no país.
Jair Bolsonaro, que, teoricamente, é a favor de um mercado mais livre, começa a mexer com o pessoal que está tomando conta da Petrobras (PETR3; PETR4), tem alguns palpites sobre os preços dos combustíveis e isso traz um pouco de incerteza para o mercado em termos de quais políticas vão continuar a ser mais populistas daqui para frente, tanto de Bolsonaro quanto de Lula.
A depender dessa retórica, vemos o que chamamos de “race to the bottom”, ou seja, todo mundo vai querer dar dinheiro para todos de forma a ganhar votos – e isso é algo de que o investidor tende a não gostar muito.
O que faria a Janus Henderson ter uma visão mais positiva com o Brasil?
Políticas que assegurem a não-intervenção do governo em relação ao mercado. A questão principal é que vemos que o custo de vida tem sido um fator significativo em todas as partes do mundo e vários governos têm buscado oferecer subsídios para os cidadãos. O problema é que depende do [quadro] fiscal, que, no Brasil, é limitado. Algumas áreas que tendem a ser porta de chamada para a política são normalmente dividendos, como os da Petrobras, ou privatizações, que são feitas de maneira muito rápida ou não pensadas de forma mais completa. E isso tende a gerar alguns problemas e falta de segurança para os investidores terem a certeza de manter o dinheiro no Brasil.
O fundo tem hoje posição em renda fixa no Brasil?
Sim, temos posição, com preferência pelos títulos Tesouro IPCA+ [antiga NTN-B, que paga a variação da inflação mais uma taxa prefixada], porque achamos que as expectativas para a inflação vão continuar subindo. E, se a nossa estimativa é que as eleições vão gerar certa volatilidade no mercado e a moeda vai sofrer um pouco, isso deve contribuir para expectativas mais altistas para o índice de preços.
E na Bolsa brasileira?
Achamos que os mercados de ações no Brasil, na Argentina e no México, que exportam, por exemplo, estão melhor posicionados do que os dos países da Ásia, como Tailândia, Coreia do Sul e Filipinas, que são grandes em produtos da economia do “fique em casa”, como tecnologia.
A questão é que, na renda variável, os EUA fornecem uma base para todos os valuations do mundo. Então se o mercado americano cai 50%, por exemplo, é muito difícil que outras companhias – mesmo com alta das receitas – continuem com o preço das ações em alta na bolsa.
Podemos ter algumas exceções, mas a grande maioria sofre com isso. No Brasil, companhias que exportam, por exemplo, têm visto seus balanços melhorarem de forma sensacional, porque os custos continuam em reais, enquanto o que vendem sobe de valor com o dólar.
Quais mudanças recentes vocês promoveram na carteira?
Nós começamos a preferir títulos atrelados à inflação justamente porque o mercado começou a esperar uma desaceleração da inflação e uma possível queda nas taxas de juros, e estamos utilizando algumas opções no mercado para ir contra isso, porque esperamos que os juros, não só no Brasil, mas em vários outros países do mundo, permaneçam elevados por mais elevado do que o mercado espera
Vocês chegaram a aproveitar oportunidades na bolsa com as quedas recentes?
Não. Achamos que no momento está todo mundo pensando mais em preservação do que em retorno de capital. Muitos achavam que companhias excepcionais como Apple (AAPL), Meta (FB) ou Alphabet (GOOG), que continuam gerando rios de fluxos de caixa, seriam sempre bons investimentos, mas, como você pode ver, quedas significativas podem acontecer sem muito aviso. Portanto continuamos esperando, porque as taxas de juros vão continuar subindo mais do que o mercado tem no preço no momento e achamos que isso vai continuar pressionando as ações mundiais.
A principal questão é quando vamos entrar em uma recessão, porque se o consumidor começa a dar sinais de que as altas dos preços têm sido muito fortes e agora vai começar a guardar mais dinheiro do que gastar, isso significa que várias companhias vão começar a pensar em termos de demissões etc., levando rapidamente a economia a uma recessão. No mercado de crédito, por exemplo, os spreads têm subido significativamente, o que significa que a probabilidade de default também subiu de forma significativa.
E, dessa maneira, conseguimos ver que o mercado ainda está oscilando entre uma expectativa de crescimento baixo, mas ainda positivo, podendo favorecer o mercado de ações com o corte de juros, ou uma recessão no começo de 2023, com o Fed subindo taxas até 4,5% e colocando pressão sobre as companhias, as hipotecas etc.
O momento atual então deve ser mais de cautela do que de aproveitar pechinchas na bolsa, é isso?
Sim. Sempre haverá uma ou duas companhias de que podemos nos arrepender depois de não termos entrado, mas, em termos de visão mais global para ações, achamos que mesmo as companhias que estão se beneficiando desse mercado agora não vão necessariamente subir. Vão talvez se manter no preço atual e seus dividendos podem contribuir de alguma forma positiva para uma carteira de ações ou de investimentos.
Falamos muito de uma rotação entre empresas de crescimento e de valor. Nos últimos dez anos, as de crescimento apresentam um desempenho bem superior, isso porque, mesmo que empresas como mineradoras, petrolíferas e agrícolas continuem pagando dividend yield de 5% a 7%, empresas de tecnologia chegaram a subir entre 100% e 200% ao ano.
A razão entre growth e value foi de um lado só, mas estamos vendo isso mudar de uma forma bem drástica agora. Temos uma preferência por empresas de valor, principalmente na área de commodities, que devem continuar se beneficiando de altos preços – e isso suporta as ações.
Como o senhor avalia o cenário para privatizações no Brasil?
A questão principal é a incerteza. Se você investe em uma companhia em que sabe que o presidente do país não vai interferir no dia-a-dia dela, se sente mais confortável em investir uma parte maior do seu portfólio nela. Isso não acontece apenas no Brasil. Diversos mercados emergentes têm essa parte em que política e economia são ligadas -- e isso reduz o apetite dos investidores.
Atualmente, grande parte dos investidores globais tem posição overweight [acima da média do mercado] em Brasil. Mas esse fluxo já veio para o Brasil e agora estamos vendo sinais de que esse movimento está se revertendo. Os próximos dois meses devem ser OK, mas, quando chegar setembro e as eleições ficarem de fato na mente dos investidores, aí as coisas vão ficar mais complicadas.
A volatilidade vai aumentar e temos que ver se o Banco Central vai conseguir controlar a moeda, porque se todas essas entradas de capital que tivemos nos últimos cinco meses se tornarem saídas, não me surpreenderia de ver o real contra o dólar de volta a R$ 5,50, por exemplo. A inflação é algo que já deveria estar desacelerando e não está. Se a moeda voltar a se desvalorizar, isso não vai deixar o BC muito contente.
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