Brasil aponta caminho para vencer a inflação - sim, você leu certo

País nem sempre teve a política comercial mais aberta, mas vem afrouxando tarifas enquanto o resto do mundo restringe importações

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Bloomberg Opinion — Já tentou procurar dicas sobre como tirar o mundo da espiral da inflação? A situação fica pior quando olhamos para um país em que a moeda vale menos de um trilionésimo de seu valor do início dos anos 1980.

Numa época em que a maior parte do mundo está amargando problemas nas cadeias de suprimento e o aumento dos preços da energia por meio da aplicação de tarifas de importação, o Brasil está se abrindo ao comércio.

É uma reviravolta incrível. Nos anos após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi o berço da industrialização substitutiva das importações, uma política de desenvolvimento populista na América Latina que asfixiou as importações para incentivar a manufatura doméstica. Esse formato perdeu espaço para o modelo orientado à exportação seguido pelas economias dos tigres asiáticos e desde então foi abandonado. Ainda assim, as tarifas brasileiras em uma base ponderada pelo comércio continuam sendo as mais altas do G-20 (que reúne 20 das maiores economias do mundo), depois da Argentina.

Isso está começando a mudar. Com a inflação em 12,1% em 12 meses (até abril), o nível mais alto desde 2003, o país está correndo para baixar o custo dos bens importados. Os impostos sobre cerca de 6.195 produtos seriam temporariamente reduzidos em 10%, conforme anunciou o governo no mês passado. A decisão seguiu uma rodada semelhante de cortes no fim do ano passado.

Outras reduções mais dramáticas ocorreram em diversos itens essenciais de alto perfil. As tarifas sobre etanol, margarina, café, queijo, açúcar e óleo de soja foram totalmente eliminadas em março, seguidas em maio pelos cortes para frango, carne bovina, trigo, milho e produtos assados. O ácido sulfúrico, ingrediente essencial para a fabricação de fertilizantes, também teria a tarifa zerada.

Essas reformas não vão representar uma revolução por si só. As reduções permanentes iriam contra as regras do bloco comercial do Mercosul, de modo que as medidas foram faturadas como expedições humanitárias temporárias para aliviar o custo da inflação, na esteira da epidemia de covid que castiga o Brasil.

Após décadas de isolacionismo comercial, não está claro se o presidente Jair Bolsonaro ou o ex-presidente Lula, seu principal adversário nas eleições deste ano, apoiaria uma mudança geral na proteção alfandegária.

A mudança provavelmente nem tem muito apoio. Cortar o custo de produtos agrícolas de outros países irritará os poderosos interesses do agronegócio. Enquanto isso, o poder de compra das famílias diminuiu tão drasticamente nos últimos anos que a maioria não tinha condições de comprar alimentos importados – independentemente da tarifa.

Ainda assim, é uma mudança bem-vinda para uma economia mundial que vem adotando uma política cada vez mais protecionista nos últimos anos.

Observe os Estados Unidos. Quatro anos após o início da guerra comercial do presidente Donald Trump com a China, cerca de US$ 300 bilhões em importações – cerca de três quintos do total – continuam sob tarifas de até 25%. Pequim tem impostos de importação correspondentes sobre quase cada centavo do comércio de US$ 150 bilhões na direção inversa.

Embora as guerras comerciais da era Trump com a União Europeia, o Japão e o Reino Unido tenham sido formalmente encerradas, elas deixaram um legado de cotas, o que significa que importações acima de níveis históricos são tributadas a taxas do estilo de Trump. Como resultado, há pouca margem para que os custos de insumos sejam controlados ao permitir que produtores mais eficientes obtenham participação de mercado além de suas fronteiras.

O Marco Econômico Indo-Pacífico, peça central das tentativas do presidente Joe Biden de revigorar as relações econômicas dos EUA na Ásia, tem um sabor igualmente protecionista. Seu contraste mais marcante com a Parceria Trans-Pacífico – ancestral fracassado do governo Obama – é a ausência de redução tarifária e de garantias de acesso ao mercado.

Enquanto isso, as colheitas ruins, a guerra na Ucrânia e o acúmulo de estoques por parte da China deram início a um protecionismo alimentar nas economias emergentes, afetando tudo, desde o óleo de palma e o trigo até o açúcar e o frango.

Mesmo no Reino Unido, que proclamou em voz alta seu compromisso com as tarifas zero após deixar a União Europeia, as barreiras alfandegárias e as divergências sobre normas com seu maior parceiro comercial encolheram o comércio internacional. Um relatório de abril argumentou que os preços dos alimentos estavam 6% mais altos do que seriam como resultado do Brexit.

Há alguns sinais de que os problemas do comércio podem finalmente estar se resolvendo. “Pode fazer sentido” reduzir as tarifas sobre alguns produtos, e o governo Biden estava analisando a questão, disse a secretária de Comércio, Gina Raimondo, à CNN no domingo (5).

A secretária do Tesouro, Janet Yellen, estava pressionando o governo a cortar as tarifas, disse ela no mês passado. O Peterson Institute for International Economics argumentou que reduções plausíveis de tarifas poderiam reduzir a inflação em 1,3 ponto percentual.

Mesmo a Índia, que não é um modelo de comércio aberto, permitiu importações limitadas de óleo de cozinha isentas de impostos para aliviar a pressão sobre as famílias no mês passado.

Seria bom afrouxar as restrições em vez de torná-las mais rigorosas. Devemos esperar que poucos países acabem analisando as profundezas da miséria econômica que levaram o Brasil a reexaminar seu compromisso de longa data com as taxas de importação. Ainda assim, a necessidade sempre foi a mãe da inovação. Esperamos que as atuais pressões inflacionárias induzam os governos a começar a desmantelar as barreiras comerciais que tanto fizeram para aumentá-las.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

David Fickling é colunista da Bloomberg Opinion que cobre energia e commodities. Já foi repórter da Bloomberg News, do Wall Street Journal e do Financial Times.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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