Como o Brasil é exemplo para aliviar efeitos da pandemia nas escolas

Ensino em período integral está ajudando os alunos de Pernambuco – estado com ótimo desempenho na educação – a voltar para os eixos

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Bloomberg Opinion — Os adolescentes brasileiros passaram por maus bocados. As perdas pela covid-19 foram avassaladoras. Os fechamentos de escolas nos últimos dois anos foram longos, mesmo se tratado da região Nordeste, e o acesso ao ensino remoto é inadequado, o que deixa muitos para trás. Quando recentemente questionei uma turma de alunos do terceiro ano do ensino médio no nordeste do país, eles disseram coisas parecidas – problemas para ficar online nas primeiras semanas, preocupações constantes sobre defasagem, pressão incessante para contribuir para a renda familiar.

E mesmo assim, não muito tempo depois do novo ano letivo, todos eles me falavam sobre os problemas – juntos, em uma aula de geografia em uma sexta-feira à tarde, na Escola Prof. Jerônimo Gueiros na cidade de Garanhuns, no interior de Pernambuco. Ansiosos, talvez, mas presentes.

Considerando a alta taxa de evasão escolar mundial, principalmente entre estudantes mais velhos, essa é uma grande façanha. E é ainda mais impressionante em um dos países mais atingidos pela pandemia, onde os gastos do governo com educação básica diminuíram no primeiro ano da pandemia e chegaram a seu ponto mais baixo em uma década. Um estudo realizado em meados de 2020 pelo Conselho Nacional da Juventude constatou que 28% dos alunos brasileiros entre 15 e 29 anos de idade estavam considerando não retornar após o fim das restrições. No final daquele ano, mais de 5 milhões de jovens de 6 a 17 anos por todo o país estavam fora da escola ou não tinham acesso à educação.

Há um custo real para os alunos: a perda do aprendizado se traduz em bilhões de reais de ganhos futuros perdidos. E o Brasil também paga o preço. O país precisa urgentemente melhorar seu capital humano para aumentar a produtividade, e esse é um problema que a melhoria da logística e a simplificação dos impostos só não conseguem resolver. O Brasil vinha lidando com altas taxas de evasão escolar e maus resultados mesmo antes da pandemia, com a maioria dos estudantes terminando sem as habilidades mínimas em linguagens e matemática. As disparidades raciais e regionais só pioraram.

O governo Bolsonaro, nunca muito interessado na educação a não ser como ferramenta para cortejar eleitores evangélicos, tem oferecido pouco. E ainda assim, algumas regiões e cidades do Brasil, aproveitando os casos bem-sucedidos, estão encontrando sua própria saída. Esse é o caso de Pernambuco.

Na estrutura educacional descentralizada do Brasil, os estados são geralmente responsáveis pelos últimos anos da escola, e Pernambuco, com renda familiar mensal bem abaixo da média nacional, emergiu como um dos estados com melhor desempenho nos últimos anos. Isso se deve em grande parte à decisão tomada há mais de uma década de apostar na expansão de escolas de ensino médio em período integral, como a de Garanhuns, que oferecem três refeições, atividades e supervisão dos deveres de casa – modelo que se estende também às escolas técnicas.

Em comparação com os adolescentes que estudam no modelo de meio período, mais comum para estudantes brasileiros do ensino médio e que ajudou o país a lidar com a explosão da demanda por vagas no ensino médio e superlotação nos anos 90, eles gozam de mais aulas de matemática, língua portuguesa e ciência. As notas melhoraram significativamente segundo um estudo realizado pelo economista Leonardo Rosa, e seus pares da Universidade de Stanford sugerem que o foco funciona. Uma análise separada constatou que os estudantes nesta forma de educação têm 63% de chance de ingressar no ensino superior – 17 pontos percentuais à frente dos outros – e as diferenças de desempenho entre grupos raciais são menores.

O investimento na conversão das instituições existentes em escolas de ensino médio em período integral elevou os resultados do estado para o terceiro ano do ensino médio de um dos postos mais baixos em 2007 para o terceiro lugar (entre 26 estados e o distrito federal) uma década depois. O percentual de jovens de 19 anos que completaram o ensino médio passou de pouco mais de um terço em 2008 para 56% em 2014.

No pós-pandemia, essas escolas são parte fundamental dos esforços para reverter os danos.

Pernambuco não passou ileso pela covid-19. De acordo com Marcelo Barros, secretário de educação do estado, as taxas de evasão escolar do ensino médio subiram de cerca de 1,5% e chegaram a 20%, pois o auxílio emergencial não exigia nenhuma forma de participação escolar, mesmo que outros planos de assistência normal o façam. O estado precisou usar pequenos subsídios para apoiar a nutrição, algo que suas escolas integrais tinham feito muito de forma muito mais eficaz, e contornar a limitação das famílias quanto à internet – tornando gratuito o acesso a conteúdo educacional através de um aplicativo. A rede pública também teve que manejar as crianças que saíram das escolas particulares após seus pais perderem os empregos.

Poucos alunos e professores se adaptaram facilmente. Em partes do sertão, as crianças não conseguiam acessar nem mesmo as aulas transmitidas pela televisão (elas dependiam das folhas de exercícios distribuídas durante a semana). Muitos não conseguiam se concentrar. Mesmo em Garanhuns – cidade razoavelmente próspera segundo os padrões de uma região complicada de um estado que rapidamente ofereceu orientação, treinou professores e apoiou aulas online – um funcionário da secretaria de educação estimou a defasagem de aprendizado em até cinco anos.

O resultado é parecido com o resto do país – perdas piores para grupos desfavorecidos e com famílias sem instrução, agravadas pelas acentuadas diferenças regionais na reabertura. No final do ano passado, 88% dos alunos de uma pesquisa nacional relataram que suas escolas haviam reaberto pelo menos parcialmente, mas no Nordeste como um todo, o nível era de 77%, comparado com 97% na Região Sudeste.

Agora Pernambuco está voltando para os eixos, e devemos reconhecer seus esforços.

Entre os programas de sucesso está o “Busca Ativa”, que localiza e resgata alunos ausentes por meio das mães ou de pessoas dentro da comunidade. É um modelo que a UNICEF e os líderes municipais, normalmente responsáveis pelas crianças mais novas, utilizam em todo o país. O ensino médio pós-pandemia de Pernambuco tem sido um claro sucesso, graças aos administradores, igrejas, líderes locais e colegas de classe – que reduziram a taxa de evasão escolar para os níveis básicos, disse Barros. Quando conversamos em março, essa taxa já havia baixado para 3,5%, e desde então chegou a cerca de 1,5%.

Segundo professores, ao usar a comunidade em geral, foi possível reforçar a importância da educação para assegurar às famílias que as escolas estavam voltando com segurança e usar redes informais para encontrar aqueles que mudaram de endereço e número de telefone em cima da hora, muitas vezes para escapar de dívidas.

Então, foi necessário resolver as lacunas de desempenho que se ampliaram drasticamente durante a pandemia. Reduzi-las envolve o uso contínuo do ensino híbrido, incluindo a televisão – o governo estadual montou diversos estúdios simples durante a pandemia, utilizando estruturas existentes de ensino à distância. Mas também há uma intervenção de baixo custo na escola, com medidas simples como a monitoria – uma iniciativa através da qual as escolas escolhem alunos de melhor desempenho para ajudar um pequeno número de colegas de classe em troca de uma pequena bolsa de estudos. Cerca de 7 mil monitores foram estabelecidos para as disciplinas de língua portuguesa e matemática.

E a base da recuperação é o acolhimento da escola em período integral, que agora abrange 75% dos alunos do ensino médio – nível no qual o estado afirma que todos que desejam uma vaga podem tê-la, com opções intermediárias para aqueles que não podem frequentar a escola em período integral a semana toda. Autoridades e professores aproveitam as horas extras para oferecer mais suporte. É crucial (e também mais fácil) cativar os estudantes com opções de desenvolvimento pessoal além do currículo principal – esportes ou empreendedorismo seriam coisas para as quais eles teriam pouco tempo. Uma escola que visitei tinha criado uma agência de marketing e publicidade operacional.

Há um programa de estudos no exterior extremamente popular também para alunos do ensino médio público. Embora todos tenham sofrido defasagem no aprendizado, as crianças mais vulneráveis são muito mais propensas a largar os estudos, o que torna o engajamento fundamental.

Pernambuco não foi o único estado a se destacar enquanto todos lutavam para compensar a ausência de um esforço coordenado e nacional para apoiar o ensino remoto ou mesmo regular o fechamento de escolas pela covid-19.

As autoridades no Maranhão, o estado mais pobre do Brasil, focaram em apoiar os cuidadores, que muitas vezes não são instruídos, de modo que esses parentes, por sua vez, poderiam ajudar alunos menores de seis anos, utilizando transmissões regulares na televisão, rádio e redes sociais. São Paulo, com um dos maiores sistemas escolares da América Latina, realizou reuniões virtuais quase diárias com a Secretaria de Educação do estado para tirar dúvidas e utilizou avaliações contínuas para manter-se a par das mudanças nas necessidades à medida que os alunos retornavam para a escola.

Enquanto isso, o estado também está expandindo suas escolas em período integral: “deveria ser como abordamos o futebol. Precisamos ampliar a base e passar mais tempo jogando se quisermos ganhar”, disse um funcionário do governo.

Em nível nacional, o cenário é menos animador. A educação não tem sido uma prioridade para o governo Bolsonaro com o enfraquecimento da pandemia. Não se faz o suficiente para incentivar o ensino segundo o nível de aprendizagem. Como assinala Rosa, há um desafio fiscal, considerando os investimentos necessários para os esforços de recuperação que se voltam para o longo prazo, como a expansão das escolas de ensino médio em período integral.

A inclusão continua sendo uma grande preocupação, pois os mais vulneráveis ainda têm acesso nem mesmo aos serviços públicos mais básicos, o que significa que muitas vezes nem sequer são contados como ausentes. Em Ferraz de Vasconcelos, na periferia de São Paulo, encontrei voluntários na Gerando Falcões, uma empresa social ambiciosa que promove habilidades empreendedoras e de liderança e passa horas simplesmente orientando as famílias. O surgimento do debate sobre o ensino doméstico, entretanto, sugere uma disposição preocupante de investir em guerras culturais, não no acesso e muito menos na melhoria dos padrões em todo o país.

De volta a Garanhuns, o trabalho está apenas começando. A violência relacionada às drogas é um problema na cidade, cercada por colinas e fazendas de gado, e o dinheiro é escasso – nem todos conseguem frequentar a escola em período integral, mesmo que não tenham abandonado os estudos. Mas os benefícios de continuar são claros para eles.

“Queremos ser melhores que nossos pais”, disse um aluno quando perguntei sobre os planos para o ensino superior. “Portanto, não há escolha a não ser estudar”.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Clara Ferreira Marques é colunista da Bloomberg Opinion e membro do conselho editorial e cobre relações exteriores e clima. Anteriormente, foi correspondente da Reuters em Singapura, Índia, Reino Unido, Itália e Rússia.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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