100 dias de guerra na Ucrânia: 10 gráficos sobre o impacto do conflito

Milhares de refugiados, crescimento menor e aumento nos preços das commodities marcam o período desde a invasão de Putin

Por

Bloomberg Línea — O mundo chegou na última sexta-feira (3) à marca de 100 dias desde que o presidente russo Vladimir Putin anunciou a invasão da Ucrânia. Milhares de mortos, milhões de dólares perdidos e o aumento dos preços das commodities são alguns dos resultados do pior cenário na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

O conflito armado e a resposta dos países ocidentais sob a forma de sanções abalaram a economia global em uma época em que a grande maioria dos países começava a deixar para trás os efeitos da pandemia de covid-19, iniciada dois anos antes.

As sanções contra Moscou, milhões de refugiados e o agravamento das perspectivas de crescimento também ilustram o impacto da crise sobre o mundo nestes 100 dias. A Bloomberg Línea elaborou 10 gráficos que mostram o efeito econômico da guerra.

A resposta dos Estados Unidos e de seus aliados levou a Rússia a se tornar o país mais alvo de sanções do mundo, acima de países como a Coréia do Norte e o Irã. Bloqueios, restrições de investimento, paralisações de empresas e até mesmo a retirada do Swift, sistema para transferências internacionais, fizeram parte da resposta contra Moscou.

De acordo com as contas mantidas pela plataforma Castellum, a Rússia acumulou mais de 10 mil sanções, muito mais do que as 3.616 sanções impostas ao Irã, que está em segundo lugar. Os Estados Unidos e o Reino Unido são dois dos países que emitiram mais sanções contra o Kremlin.

Muitos civis que viviam na Ucrânia fugiram de suas casas em busca de refúgio. Segundo os números do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), atualizados em 22 de maio, mais de 6,8 milhões de pessoas optaram por partir para outros países por causa do conflito.

Países vizinhos da Ucrânia, como Polônia, Romênia, Belarus e até mesmo a Rússia, receberam ondas de migrantes. “A situação continua extremamente perigosa para toda a população dentro da Ucrânia e a vulnerabilidade daqueles forçados a fugir está aumentando rapidamente, juntamente com o número dos que necessitam de assistência urgente”, disse a agência da ONU em uma declaração.

Após as sanções, o rublo se tornou uma das moedas mais depreciadas do mundo em relação ao dólar. Mas, desde então, a situação mudou drasticamente.

Conforme elucidado pela Bloomberg, o aumento dos preços de exportação – enquanto as remessas de petróleo e gás continuam para países estrangeiros que não proibiram essas importações nem cederam a demandas como a abertura de contas em rublos – e os controles de capital impostos pelo Kremlin têm prejudicado a demanda por moeda estrangeira e empurrado o rublo para cima. Isso ocorreu a tal ponto que o rublo é a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar em 2022.

A força da moeda tem sido usada pelo Presidente Vladimir Putin como argumento de que o país sobreviveu às sanções que recebeu. Entretanto o país começou a implementar uma série de medidas para limitar a força da moeda, já que ela está começando a prejudicar as finanças do governo e os exportadores.

Mas há indicadores que refletem com maior precisão as dificuldades para a Rússia. A inflação atingiu um pico de duas décadas após ter tocado uma variação anual de 17,8% em abril. Os preços de alimentos como cereais, manteiga, frutas e verduras subiram mais de 20% em relação ao ano anterior.

Os consumidores russos não são afetados apenas pela inflação que já estava em alta antes da invasão, com o renascimento das economias no pós-pandemia, mas também pelos efeitos do aumento dos preços das commodities e pelas sanções que atingiram as cadeias logísticas.

A inflação não é um problema exclusivo da Rússia. Os preços em todo o mundo já estavam subindo à medida que a demanda crescia mais rapidamente que a oferta enquanto as economias se revitalizavam da pandemia, mas os problemas logísticos persistiam em praticamente todos os setores.

O início da guerra na Ucrânia abalou ainda mais os mercados de commodities, afetando dois dos principais produtores de petróleo, gás, fertilizantes e grãos. O Índice Mensal de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) registrou sucessivos recordes históricos nos últimos 100 dias, assim como índices de preços de carne, cereais e açúcar.

“O aumento dos preços da energia e uma nova onda de problemas de abastecimento restringem o acesso a commodities agrícolas e industriais, levando a uma inflação mais alta e à probabilidade de aperto prolongado da política monetária”, apontou uma análise da Moody’s.

Esse mesmo contexto afetou os preços internacionais do petróleo. Embora o custo dos barris internacionais já tivesse aumentado em meio ao fim dos confinamentos da pandemia e a normalização da demanda, a perspectiva de uma guerra na Ucrânia os levou a aumentar ainda mais.

As decisões tomadas pelos Estados Unidos, que proibiram qualquer importação de Moscou, e as medidas da União Europeia, que nesta semana chegou a um acordo para um bloqueio parcial nos países do bloco até o fim do ano, empurraram o petróleo para níveis não vistos desde 2014.

O choque energético não se limita ao petróleo. O gás natural, uma das principais exportações da Rússia, atingiu altas recordes.

Putin impôs condições de pagamento forçando as empresas europeias a realizar transaões em rublos. Alguns países se recusaram a fazê-lo e, como consequência, a Rússia não hesitou em cortar o fornecimento para nações como Finlândia, Polônia, Bulgária, Holanda, Dinamarca e rescindir um pequeno contrato com a Alemanha.

O abastecimento suspendido pela Rússia chegou a cerca de 23 bilhões de metros cúbicos – aproximadamente 15% do fluxo total para a União Europeia, de acordo com as estimativas da Bloomberg. Esse número deveria ser “manejável”, segundo o ING Groep.

Os efeitos também são fortemente sentidos nos Estados Unidos. O preço por um galão (cerca de 3,8 litros) de gasolina nos EUA está acima de US$ 4, segundo contas feitas pela Associação Automobilística Americana e compiladas pela Bloomberg. O número é 50% maior do que há um ano.

Os aumentos de preços pressionaram ainda mais a inflação e prejudicaram a popularidade do presidente Joe Biden poucos meses antes das eleições legislativas de meio de mandato de novembro. O presidente se comprometeu a combater preços recordes, com decisões como a liberação das reservas de petróleo do país, medidas que ainda não estabilizaram os custos.

De fato, como informou o The New York Times na quinta-feira (2), Biden planeja viajar para a Arábia Saudita, o maior produtor mundial de petróleo, e se reunir com o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman, o líder do país. Desde sua posse, Biden havia evitado qualquer contato com o governante, alegando que era culpado do assassinato de Jamal Kashoggi, um colunista do Washington Post que morava nos EUA.

Também na quinta-feira, a Opep+ (entidade da qual a Arábia Saudita é membro-chave) concordou em aumentar sua oferta de petróleo diária em aproximadamente 50% em julho e agosto.

A América Latina não está imune aos efeitos da crise da guerra. Embora existam fatores locais e outros como o crescimento econômico mais lento da China devido aos lockdowns contra a covid-19, o conflito na Europa foi um dos motivos pelos quais as agências multilaterais esperam um desempenho pior para os países da região.

O Banco Mundial descreveu o crescimento da América Latina como “medíocre” em seu relatório mais recente, publicado em abril. A órgão multilateral estima agora que a região crescerá 2,3% neste ano e 2,2% no ano seguinte. O número é praticamente o mesmo que nos anos 2010.

O FMI (Fundo Monetário Internacional), apesar de elevar ligeiramente sua previsão para este ano, acredita que a região terá um desempenho pior do que a média global.

“As perspectivas a médio prazo são revisadas para baixo para todos os grupos, exceto para os exportadores de commodities, que se beneficiam de preços mais altos de energia e alimentos”, disse Pierre-Olivier Gourinchas, assessor econômico e diretor do departamento de pesquisa do FMI.

Mas nem tudo isso é má notícia para a região. O aumento dos preços das commodities beneficiou o desempenho de quatro dos seis principais índices de ações da região. O Ipsa do Chile, a Msci Colcap da Colômbia, a S&P BMV/IPC do México e o Ibovespa (IBOV) do Brasil têm superado os índices das bolsas de valores americanas, medidas em dólares, desde que a guerra na Ucrânia começou.

No Chile, o preço do cobre, que tem sido negociado acima dos US$ 10 mil a por tonelada na London Metal Exchange, e o preço do petróleo e do minério de ferro na Colômbia e no Brasil, têm ajudado as empresas do setor a obter bons retornos na bolsa de valores.

“Há muito poucas empresas com presença na Rússia ou na Ucrânia, o que reduz o impacto em relação ao mercado norte-americano”, disse Brian Rodriguez, um analista da Monex.

Entretanto, não se pode ignorar os impactos locais, como um projeto de constituição menos transformador do que o esperado pelo mercado no Chile ou as ofertas públicas de aquisição que vêm agitando o mercado colombiano.

O desempenho do Merval (Buenos Aires) e da S&P BVL/Peru foram afetados por eventos locais como as negociações e o debate político sobre o acordo do FMI ou a instabilidade do governo de Pedro Castillo e a aprovação de um novo saque dos fundos previdenciários, respectivamente.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

Leia também

7 gráficos da transformação do Reino Unido nos 70 anos de coroação da Rainha

Por que o consumidor pode ser o grande perdedor da crise, com ou sem recessão